Qual o potencial de energia limpa no Brasil?

Cresce participação de fontes renováveis na geração de energia no Brasil, que pode ser liderança global na descarbonização da economia

Na comparação entre 2013 e 2021, a participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira passou de 41,1% para 44,7%, alavancada pela ampliação dos parques eólicos e das usinas fotovoltaicas, conforme dados do Boletim Mensal de Energia, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia. A estimativa do governo é que feche 2022 em 47,7%. No caso da matriz elétrica, a geração a partir de fontes renováveis fechou 2021 em 78,1%, com previsão de subir para 83% em 2022.

No período, a potência de energia eólica instalada no Brasil aumentou em mais de cinco vezes (558,24%), passando de menos de 4 mil megawatts (MW) para mais de 25 mil MW, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (ABEEólica). No mesmo intervalo de tempo, a capacidade instalada de geração de energia solar fotovoltaica cresceu ainda mais, passando de apenas 13 MW para cerca de 25 mil MW, conforme a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).

Segundo dados da ABEEólica, há, atualmente, 890 parques eólicos no Brasil, instalados em 12 estados. Para Elbia Gannoum, presidente-executiva da associação, o país pode ser um dos líderes da transição energética, o que representa uma oportunidade de retomar a economia e a indústria por meio de recursos renováveis.

“Estamos em um momento muito importante para a energia eólica, que vem crescendo ao longo dos anos. Entre 2011 e 2020, apenas na construção de parques eólicos foram investidos mais de R$ 110 bilhões”, diz ela.

Entre 2011 e 2020, foram investidos mais de R$ 110 Bi na construção de parques eólicos no Brtasil, diz Elbia Gannoum (ABEEólica)

O lançamento do Complexo Eólico Tanque Novo, em maio, e a inauguração do parque eólico Complexo Tucano, prevista para o segundo semestre de 2023, ambos na Bahia, são dois exemplos recentes do avanço dessa fonte na matriz energética brasileira.

O primeiro, da CGN Brasil Energia, será montado nos municípios de Tanque Novo e Caetité, no sudeste da Bahia, com capacidade total de 180 MW, suficiente para abastecer 430 mil residências. Já o Complexo Tucano é uma obra da AES Brasil nas cidades de Tucano, Araci e Biritinga, no nordeste da Bahia, e terá capacidade instalada de 322 MW, o que equivale a quase 770 mil casas abastecidas.

A pesquisadora Elaine Santos, pós-doutoranda do Programa Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), afirma que o Brasil tem uma matriz energética diversificada e que é possível ampliar a participação das fontes limpas. “A energia é fundamental para qualquer modelo de desenvolvimento, incluindo a reindustrialização e a chamada ‘industrialização verde’, que vem sendo debatida nos últimos meses”, opina Elaine.

Francisco Carvalho, superintendente de Inovação e Sustentabilidade da Neoenergia, reforça que o Brasil tem um grande potencial para a geração de energia por fontes renováveis. “A companhia acredita que existe no país um ambiente favorável para ampliar a eficiência energética de forma justa, inclusiva, ambiental e socialmente responsável. No primeiro trimestre de 2023, nossa geração de energia eólica e solar foi 84,71% acima do registrado no mesmo período do ano passado”, comemora.

Estimular a diversificação do suprimento de eletricidade, reduzindo a pressão sobre os recursos hídricos e o risco de ainda mais aumentos na conta de luz da população”, diz Ronaldo Koloszuk, presidente do Conselho de Administração da associação.

Mônica Messenberg, diretora de Relações Institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destaca que “o Brasil já se encontra na vanguarda, com elevada participação de fontes renováveis na matriz energética, e segue em uma trajetória sustentável.”

A matriz energética brasileira renovável é, hoje, de 47%, mais que o triplo da média mundial. “Em 10 anos, estima-se uma expansão de 30% no total da oferta interna de energia e, mesmo assim, manteremos a participação das energias renováveis na matriz energética próxima a 48%”, afirma a diretora da CNI.

O Brasil, diz Mônica, vive a situação única no mundo por sua abundância de fontes renováveis. “Precisamos transformar essa vantagem comparativa em competitividade para a indústria. Para isso, é necessário aprimorar o ambiente regulatório, trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade, para que os planos de investimento das empresas se materializem”, defende a diretora.

Segundo ela, o caminho em direção à economia de baixo carbono, uma das missões propostas pela CNI para a nova política industrial em discussão no governo, requer, cada vez mais, alinhamento estratégico entre os setores público e privado. “Embora o Brasil apresente vantagens na adoção de diferentes tipos de energia em diferentes regiões e possua uma matriz energética relativamente diversificada, ele ainda enfrenta desafios devido à excessiva dependência da energia hidrelétrica”, ressalva Elaine, da USP.

O hidrogênio verde, que pode ser produzido a partir de energia elétrica por meio de um processo químico (eletrólise), é considerado um combustível fundamental para a transição energética. Graças à sua versatilidade, ele pode ser usado no transporte de cargas, na aviação ou no transporte marítimo. “O Brasil possui condições favoráveis para a produção de hidrogênio verde devido à disponibilidade de recursos renováveis, como energia solar, eólica e biomassa. O país tem vastas áreas de terras agrícolas, o que permite a produção de biomassa para a geração de hidrogênio”, argumenta Elaine.

Segundo Monica Panik, da ABH2, a cadeia de valor do hidrogênio verde é extensa, e as estimativas indicam que há um potencial de mercado de US$ 50 bilhões a US$ 60 bilhões para eletrolisadores e de US$ 21 bilhões a US$ 25 bilhões para células a combustível em meados do século. “O que muitos países ambicionam é exatamente o que o Brasil já tem: uma matriz energética e elétrica com grande participação de fontes renováveis”, afirma.

Ela explica que os investimentos em hidrogênio verde estimulam a capacidade de geração eólica e solar porque é possível participar do comércio internacional de energia de maneira competitiva. “Países que precisam descarbonizar, especialmente na Europa, estão investindo no hidrogênio verde, e o Brasil tem um potencial enorme para atrair parte desses investimentos”, defende Monica Panik.

Em visita ao Brasil em junho, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou investimentos de € 2 bilhões para apoiar a produção brasileira de hidrogênio verde. O caminho para a transição energética envolve medidas que não se resumem à ampliação das fontes renováveis. A ArcelorMittal Brasil, por exemplo, aumentou o uso de sucata como matéria-prima e otimizou a utilização do carvão vegetal nas unidades, além de ter melhorado a eficiência energética dos processos. “Até 2030, a empresa trabalhará com a melhoria dos processos existentes e, depois disso, empregará tecnologias disruptivas, que tornarão a ArcelorMittal carbono neutra até 2050”, anuncia Guilherme Abreu, gerente-geral de sustentabilidade da empresa.

Segundo ele, os ganhos de eficiência energética serão importantes para preparar a companhia para o grande salto a ser dado até 2050. Em abril, a ArcelorMittal e a Casa dos Ventos anunciaram o maior contrato de energia eólica do Brasil e a criação de um dos maiores complexos eólicos do país. “Serão investidos R$ 4,2 bilhões na construção do Complexo Eólico Babilônia Centro, no sul da Bahia”, conta Abreu.

A empresa fechou 2022 com autogeração de energia de mais de 44%. Além disso, 48% da energia elétrica proveniente de fornecedores vêm de fontes limpas e renováveis. Outro diferencial do Brasil é a diversidade de biomassa que pode ser utilizada na geração de energia, segundo Amaro Pereira, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.

Temos condições eólicas muito favoráveis, principalmente no nordeste, afirma Amaro Pereira (Coppe/UFRJ)

Ela lembra que o Balanço Energético de 2022 revela que houve uma diminuição na oferta de energia hidrelétrica por causa da escassez hídrica e da ativação de usinas termelétricas, que são mais caras e poluentes. “Essa dependência expõe o Brasil aos riscos das mudanças climáticas, que podem afetar a disponibilidade de água para a geração hidrelétrica, principal fonte de energia do país”, afirma.

Segundo Elaine, embora as energias renováveis representem uma parcela significativa, como a biomassa da cana-de-açúcar e a própria energia hidrelétrica, é necessário aumentar a participação dessas fontes limpas na matriz nacional. “O Brasil tem potencial para expandir a energia solar e a eólica graças às regiões com altos índices de radiação solar e fortes ventos”, diz a pesquisadora.

No caso da energia eólica, o Brasil tem um grande potencial para a geração do tipo offshore, que transforma a força do vento em alto-mar em energia elétrica, segundo Monica Saraiva Panik, diretora de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2).

As eólicas offshore, porém, ainda dão os primeiros passos no Brasil, com 74 pedidos de licenciamento de projetos que totalizam quase 183 GW em capacidade instalada. “Além de oferta de energia, esses projetos podem atender à demanda por produção de hidrogênio verde”, ressalta.

Além do bagaço de cana, ele afirma que cada região do país tem biomassas específicas que já vêm sendo usadas, como resíduos agrícolas e óleos vegetais, e produtos com grande potencial energético, como casca de açaí e castanha de caju, atualmente subaproveitados. “Temos condições eólicas muito favoráveis, principalmente no Nordeste. Depois que aproveitarmos tudo de lá, haverá, ainda, outras regiões onde a energia eólica poderá ser produzida. Isso sem falar na energia solar, que manterá uma participação significativa em função das condições geográficas favoráveis”, avalia.

Entretanto, ainda há desafios a serem superados. Paulo Squariz, gerente-executivo de Energia da Suzano, diz que o país precisará, no futuro, compatibilizar crescimento econômico, que acarreta maior consumo de energia, com a oferta de energia limpa. “Há que se planejar para que as demandas futuras já estejam aderentes a critérios de participação da energia limpa nos balanços energéticos do Brasil. Outro grande desafio para as autoridades competentes será o de modernizar o arcabouço regulatório vigente, visando atender a novos modelos de negócio provenientes dessa ‘nova indústria’ de energia”, conclui.

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