Exatos 2.319 km separam Campina Grande (PB) de Goiânia (GO), cidades dos professores Eduardo Adelino, da Escola SESI Prata, e Ricardo de Matos, do SESI Vila Canaã. Apesar da distância e de tantas diferenças, sertão e cerrado têm algo em comum: a iniciação científica.
Os professores da rede SESI foram finalistas do Prêmio Destaque da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) de 2023 pela metodologia utilizada ao orientar alunos do ensino médio.
Para muitos, o contato com a pesquisa surge apenas na universidade. Mas, com propostas que vão desde o empreendedorismo a soluções que podem impactar a indústria, Ricardo e Eduardo mostram o caminho do pensar científico.
Mais que ensinar, eles têm um importante papel de ser a bússola em meio ao mar de possibilidades que é a ciência na vida dos estudantes.
Curiosidade leva à ciência
Eduardo Adelino escolheu a química porque queria inovar, ir além e ser dinâmico. Há oito anos no SESI Prata, em Campina Grande (PB), o professor foi influenciado ainda no ensino médio, quando uma docente apresentou o processo de produção da cerveja, da fermentação à venda.
“Fui instigado pela minha professora e vi ali um certo dinamismo, diferente de outras disciplinas, em fazer diferente para além das aulas expositivas”, resume.
Após três anos como professor do SESI Prata, ele recebeu o convite para liderar os 15 alunos do Laboratório de Iniciação Científica (LIC). O projeto tem processo seletivo, funciona no turno extraclasse e traz a academia para a sala de aula ao instigar nos alunos a busca pela solução de uma problemática.
“A gente busca um perfil de aluno que seja criativo e curioso. A criatividade muitos deles acham que não têm, mas a gente desenvolve. A curiosidade é necessária para fazer ciência”, pontua.
Os estudantes selecionados passam então a observar a comunidade em que vivem. O objetivo de Eduardo é fazer o aluno “se enxergar como cidadão e refletir como pode influenciar e mudar o meio em que vive”.
Dinâmica e Canvas Business: fazer ciência é inovar
Ele aplica uma dinâmica de delimitação do problema por meio de um desenho de uma árvore, na qual os estudantes colocam os problemas no tronco, a causa nas raízes e as consequências na parte superior. Assim os orientadores delimitam a proposta mais geral dos alunos, e o projeto sai mais direcionado.
No dia a dia, eles também trabalham com o Canvas Business, uma ferramenta de planejamento estratégico, que permite desenvolver e esboçar modelos de negócio. “Porque fazer ciência também é empreender”, ressalta o professor de química.
Utilizam ainda a matriz FOFA (forças, oportunidades, fraquezas e ameaças). Essa é a etapa mais empreendedora, que ajuda no pré-plano da pesquisa. Após essa fase, é hora de inserir a metodologia científica com hipóteses.
Reconhecimento fora da escola
O grupo já tem cerca de 30 projetos catalogados, como o M-Plasfil (em que os alunos desenvolveram uma membrana para filtrar os microplásticos da água), uma guloseima hipoglicêmica para diabéticos e uma farinha produzida com casca de legumes para mitigar a problemática da insegurança alimentar.
O primeiro prêmio na Febrace veio em 2020, com o segundo lugar numa proposta de suplemento alimentar. Este ano, veio o terceiro lugar em engenharia.
Atualmente, três projetos estão entre os 10 finalistas da Olimpíada do Futuro Sapientia, um prêmio voltado para propostas com alto impacto social e sustentável.
O professor reconhece que o projeto incentiva maior engajamento das meninas na ciência e auxilia os alunos a escolherem a própria profissão. A principal recompensa, porém, é ver os alunos interessados e conscientes.
“A importância da participação em feiras como a Febrace, por exemplo, está em levar para os alunos que a ciência é feita dos humanos para humanos. Tem por obrigação essa relevância social. Fazer ciência é sempre com esse retorno para a sociedade e isso gera para os alunos que a ciência é social e coletiva", pondera.
Ciência é só o começo
Ainda na área de Ciências da Natureza temos Ricardo de Matos, professor de biologia do SESI Vila Canaã, em Goiânia (GO). Natural de São Luís de Montes Belos, interior do estado de Goiás, ele sempre gostou da área e naturalmente surgiu o interesse em estar em sala de aula como docente.
No SESI, ingressou em 2008 e, com o Novo Ensino Médio, foi indicado para trabalhar na disciplina de Investigação e Inovação Científica com o terceiro ano. No dia a dia, Ricardo entra com “mais rigor na parte de pesquisa”, e o material didático preparado pelo SESI fornece os caminhos para que o aluno prepare o projeto e submeta a alguma feira, como a Febrace.
Fechar o ciclo de investimento na própria indústria
O foco da metodologia do professor está em promover um retorno para a indústria. Fazer com que o investimento feche o ciclo dentro do próprio sistema, para ele, é um “compromisso que temos, não só com Goiânia, mas o Brasil todo, de devolver um pouco do que é fomentado para nós”.
O projeto “Reinvenção do pó metálico”, por exemplo, surgiu de uma visita numa empresa de tendas. No momento em que os funcionários faziam o corte de metais que compõe a estrutura, o resíduo acumulava no chão a semana toda. Ao final, um deles se encarregava da limpeza.
Para evitar a contaminação do ar, os alunos pensaram em um funil adaptado na parte inferior da máquina. À medida que o pó é liberado, ele cai dentro de um recipiente. Os ganhos principais são na saúde do trabalhador, produtividade e a possibilidade de reciclar o resíduo.
“Dentro de um mês, esse colaborador ganha dois dias de trabalho. Ao longo do ano, ele ganha cerca de 23 dias. Para empresa, não só ganhou na produtividade, mas como também no tempo de paralização de corte dos metais”, destaca o professor.
Aprender a caminhar sozinhos
Há três anos à frente da disciplina, Ricardo não se cansa de poder ver os alunos extrapolarem os limites da escola e o que existe além do SESI e do estado.
“O professor se sente com missão cumprida quando o aluno tem sucesso. Quando lá na frente eu encontrá-lo e vê-lo como um profissional bem-sucedido, eu vou ficar feliz por ter exercido a minha função que é mostrar para eles onde podem chegar”, se emociona.
A partir do momento que um grupo participa de alguma feira, os alunos retornam para casa e comentam com os outros colegas a experiência que tiveram. Alguns já sabem aonde chegar, agora é a hora de estimular os demais. Na mala de viagem foram as roupas, na volta, ela está recheada de conhecimento e histórias para contar.
Nesses 23 anos de docência, a maior recompensa do professor de biologia é esta: “Criar no aluno o desejo que ele nem sabia que poderia atingir, deixar claro para eles que o caminhar começou e, a partir de agora, eles conseguem caminhar sozinhos”.