Um acessório que serve como dispositivo de segurança, uma feira de conscientização e uma comunidade virtual são algumas das iniciativas que nasceram nas salas de aula do Serviço Social da Indústria (SESI) para prevenir e ajudar nos casos de violência contra a mulher.
Os projetos foram desenvolvidos por estudantes do SESI Hortolândia e Pindamonhangaba, em São Paulo. Neste Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, conheça o dispositivo de denúncias ClickHelp e o projeto HelpingWomen.
Três cliques para salvar uma vida
Os altos índices de violência contra a mulher fizeram com que Thayná Quinteiro pensasse em um dispositivo de segurança acessível e prático, como um acessório para ser colocado no bolso e um aplicativo. O ClickHelp foi desenvolvido com o colega Alessandro Alves, em 2022, quando ambos estavam no 3º ano do ensino médio no SESI Hortolândia.
A jovem não se identificava muito com tecnologia, mas topou o desafio graças às aulas de robótica. Em sala de aula, eles puderam juntar a problemática e as ferramentas para chegar a uma solução. O protótipo funciona assim: a mulher cadastra previamente um contato de emergência no aplicativo e conecta, via Bluetooth, o celular com o dispositivo.
Em uma situação de perigo, basta acionar o botão principal do aparelho três vezes, que ele efetua uma ligação para a pessoa cadastrada e envia uma mensagem com a localização.
Os estudantes têm o objetivo de aprimorar o produto e fazer parcerias com Organizações Não Governamentais (ONGs) e projetos da cidade de combate à violência. O ClickHelp é feito com: case, placa microcontroladora ESP32, botão, jumpers (cabos), bateria e interruptor de ligar e desligar. O custo é de R$ 60. A ideia dos estudantes não é lucrar, mas fazer uma ação social.
Dispositivo deve virar pingente e não depender do celular
O professor de química, robótica e orientador do projeto, Leonardo Panazzolo, orgulha-se de os estudantes terem utilizado a tecnologia para ajudar as mulheres a estarem mais seguras. Segundo ele, inovações fazem parte do cotidiano e também podem “fazer o bem e salvar vidas porque não sabemos quantas agressões ocorrem, quantas ninguém vê ou quantas ninguém fala”. Os planos futuros são manter Thayná e Alessandro como tutores e dar boas-vindas aos novos integrantes da turma no próximo ano.
O objeto que inicialmente foi pensado para ser colocado no bolso também evoluiu: eles transformaram o produto em relógio e a ideia agora é que seja mais discreto, como um pingente. Os jovens ainda querem programar outras quantidades de cliques para acionar a polícia, por exemplo, e pensar em uma solução para que o dispositivo não dependa do celular. Como toda inovação, há um contínuo processo de melhoria.
"Se o Bluetooth não funciona, acaba a bateria do celular ou se roubam ou desligam o aparelho, o dispositivo não vai funcionar. A ideia é que, no futuro, ele se torne um dispositivo independente”, comenta Thayná, que hoje faz parte do programa Academia de Talento Digitais da Bosch, em Campinas, como aprendiz de soluções digitais.
A também orientadora Carolina Andrade acrescenta que foi enriquecedor direcionar os estudantes, ainda mais com essa temática e sendo mulher. Para a docente, o simples fato de Alessandro e Thayná terem olhado para problemas sociais já demonstra que a educação deu certo.
"Por ser um projeto que fala tão bem e que defende as nossas causas, é muito importante. A gente vê o quanto esses estudantes estão atentos às demandas do cotidiano. Eles têm potencial de pegar o aprendizado de sala de aula e transformar em uma coisa que vai ajudar a comunidade”, conta a professora.
Assédio nas redes sociais e mulheres na propaganda
No SESI Paulo Skaf, em Pindamonhangaba, um projeto de lei, feiras de conscientização e uma comunidade virtual nasceram depois de muitos debates e de um projeto de pesquisa sobre assédio nas redes sociais e como a mulher é retratada em propagandas.
As estudantes Anna Evelyn Silva, Maria Eduarda Sousa e Bianca Monteiro acharam importante seguir esse tema porque todos estão conectados o tempo todo. "A gente se preocupa não só com nossa geração futura, mas com todas as outras meninas e mulheres que sofrem disso. Elas muitas vezes têm medo de falar, não sabem como lidar ou denunciar”, justifica Anna Evelyn.
Depois de mergulharem no tema, elas chegaram à conclusão que era preciso um conjunto de ações para intervir. A primeira foi feita juntamente com um time de advogados, que elas também entrevistaram para o artigo científico.
As estudantes elaboraram um projeto de lei para reforçar a legislação que proteje a imagem da mulher contra assédio virtual. A ideia é que ele seja encaminhado ao Parlamento Jovem Brasileiro, um programa da Câmara dos Deputados, para ser aprovado.
Estudantes querem levar feira de conscientização para escolas públicas
A segunda proposta foi uma feira de conscientização na própria escola. “O evento foi muito valioso pra gente também porque nós tínhamos a noção desse tema, mas a gente sabia que muitas pessoas nem conheciam ou conseguiriam diferenciar como essa desvalorização de meninas e mulheres se perpetua nas redes sociais”, conta Maria Eduarda Sousa.
As jovens apresentaram o trabalho desenvolvido e também fizeram uma intervenção artística com fotos que representavam o tema. A proposta, apesar da formatura das estudantes, é fazer outras edições da feira em escolas da rede pública.
Todas as iniciativas foram concentradas no aplicativo Helping Women. A página conta com um fórum de discussão, meios de denúncia e artigos científicos de outras pesquisas com o mesmo tema. O fórum tem como objetivo proporcionar um espaço para que as vítimas conversem entre si e se sintam confortáveis para denunciar por meio dos canais disponibilizados. Para acessar o site do projeto e baixar o aplicativo, clique aqui.
Inspiração para outros jovens cientistas
Anna, Bianca e Maria Eduarda também tiveram a oportunidade de participar de feiras e seminários. O trabalho delas e o ClickHelp foram finalistas da Feira Brasileira de Engenharia e Ciências (Febrace). O evento não só serviu de experiência e para divulgação do projeto, como também provocou um efeito em toda a escola: outros colegas querem participar este ano.
“O mais legal foi que outras pessoas resolveram se inscrever na Febrace por conta da gente e elas estão perguntando, pedindo ajuda na inscrição e em cada etapa”, relata Bianca. “Eles viram que é possível.”
Para a professora orientadora Gisele Vilalta, esses eventos são portas que se abrem para o fazer científico, o crescimento enquanto seres humanos e a vontade em propor soluções para ajudar a sociedade.
“As feiras abrem a oportunidade não só para elas apresentarem, mas terem uma abertura de olhar, principalmente quando a gente fala de desenvolvimento científico e da questão de gênero que é um tema que nos toca intimamente”, reflete Gisele.