Dia do Meio Ambiente: estudantes criam soluções para descontaminar os solos e a água

Estudantes do SESI Bahia e Paraíba desenvolvem membrana inorgânica capaz de filtrar microplásticos e usam plantas para recuperar solos contaminados

Da esquerda para a direita: Maria Luiza Souza, Maria Gabriely Félix e Maria Helena Dantas criaram uma membrana inorgânica para filtrar pequenos plásticos presentes na água

Você sabia que doenças como câncer, bronquite, úlceras, surdez e falha de visão podem ser causadas pela ingestão de pequenos plásticos? Além do dano à saúde humana, eles afetam constantemente solos e oceanos. Foi pensando nessa contaminação que estudantes do Serviço Social da Indústria (SESI) da Bahia e da Paraíba criaram projetos para filtrar microplásticos da água e despoluir solos por meio das plantas.  

Tudo começou com uma necessidade local, identificada pelos alunos do SESI e levada para dentro da sala de aula. Tanto na água ou na terra, o uso de fertilizantes, o despejo incorreto de resíduos sólidos e o desmatamento contaminam os recursos naturais. 

Neste 5 de junho, data criada para promover uma reflexão sobre questões ambientais que o planeta enfrenta, confira dois projetos de Campina Grande (PB) e Salvador (BA): o M-Plasfil e a fitorremediação de solos. 

Das telas de um documentário ao plano de pesquisa 

O projeto “M-Plasfil: desenvolvimento de membrana para microfiltração e retenção de microplásticos”, das estudantes Maria Gabriely Félix, Maria Helena Dantas e Maria Luiza Souza, do 3º ano da Escola SESI Prata em Capina Grande (PB), foi inspirado pelo documentário Seaspiracy: Mar Vermelho, que mostra os danos causados pelo ser humano às espécies marinhas. Mesmo com um viés estrangeiro, foi o conteúdo que levou as estudantes a questionar: “Como é a água da nossa cidade?”. 

Após análise da qualidade da água da cidade, o grupo identificou agentes poluentes na água da cidade. A longo prazo, os resíduos de plástico podem trazer malefícios à saúde.  

“O ponto inicial foi a gente tentar fazer um projeto que fosse um ralo pra filtrar os microplásticos presentes em qualquer lugar, como o ar que a gente respira e cosméticos também”, explica Gaby. “A gente queria um filtro para colocar no ralo do banheiro para não ir para o mar.” 

Documentário relata a história de um cineasta apaixonado pela vida nos oceanos que documenta os danos causados pelo ser humano às espécies marinhas

Imã de toxinas: como os microplásticos afetam a saúde 

Gabriely  reforça que os microplásticos não são tóxicos para a saúde. Mas dentro da água, com toxinas, é como se fossem um ímã. “Toda e qualquer toxina o microplástico puxa para si”, resume. Mas “por ser uma coisa pequena, a gente nem enxerga o impacto que vai ter lá na frente”. 

A solução surgiu a partir de leituras de artigos, manhãs e tardes na escola: uma membrana inorgânica de argila e amido da batata doce. São duas matérias primas abundantes na região, além de Campina Grande ser um polo de membranas de dessalinização.  

Elas escreveram o relatório, desenvolveram a metodologia e não sabiam se o projeto daria certo. Até que apresentaram em uma feira do SESI e encontraram uma professora de química doutoranda em membranas na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).  

Parceria entre a Universidade e o Ensino Médio 

A partir da parceria com a UFCG, as Marias e o professor orientador Eduardo Adelino Ferreira começaram a produzir as membranas no laboratório da universidade. A professora Fabiana Medeiros também entrou como orientadora do projeto.  

A nível de bancada, as membranas têm o tamanho de uma moeda de R$ 1. Eduardo conta que elas demoram cerca de duas semanas para ficarem prontas.


“O processo funciona nas seguintes etapas: lavar e secar argila, prensagem e depois vai para o forno. Nesse forno ela será sinterizada e essa temperatura vai aumentando a cada minuto", detalha Fabiana. 


A membrana é como um filtro de café. A água passa, e os microplásticos, que não são visíveis a olho nu, ficam depositados no fundo. Atualmente, as estudantes estão na etapa de testar a água na membrana. 

“As análises que a gente precisa fazer são complexas, como uma que chama FTIR de infravermelho que faz uma análise gráfica com picos que significam a composição de uma partícula. Pelos picos, ele dá os polímeros existentes para a gente saber a composição da água”, explica a estudante. 

Membrana feita apenas para testes iniciais tem o tamanho de uma moeda de R$ 1

Como participar de um projeto de pesquisa no Ensino Médio?  

No Laboratório de Iniciação Científica (LIC) da unidade, 15 alunos são selecionados anualmente para a atividade extracurricular e, durante seis meses, os professores orientam como fazer um projeto e a estrutura de um relatório. Depois disso, os estudantes delimitam o que pesquisar. 

Sugar o mal pela raiz 

Quem também resgatou problemas reais e quase invisíveis pela população foram os estudantes do 3º ano da escola SESI Reitor Miguel Calmon Kaique Matheus Santos, Walen de Jesus e João Marcelo Santana. No bairro de Canabrava, em Salvador (BA), há um aterro desativado. Um lugar que muitos pais e alunos passam todos os dias para ir trabalhar ou a caminho da escola.  Por isso, os alunos criaram uma solução para recuperar os solos contaminados com ajuda das plantas. 

Nesse sentido, o professor de física Yulo Freitas ressalta o retorno positivo que a pesquisa pode trazer para a comunidade. “O aterro foi um local escolhido não aleatoriamente, mas que está na vida dos estudantes. A região é local de moradia de vários estudantes. Traz um retorno positivo para toda uma comunidade que a gente faz parte, porque tem estudantes inseridos. Nos sentimos participantes”, opina. 

No início, os estudantes queriam pesquisar o descarte incorreto de baterias automotivas. Naturalmente, encontraram o caminho dos metais pesados e uma forma de recuperar solos contaminados: as plantas. A fitorremediação é o processo de uso de plantas para ajudar a diminuir a poluição de solos, das águas ou do ar. 


“Existem plantas específicas pra cada processo e é baseado nisso que a gente busca a melhor planta para qual solo”, explica o professor de física Yulo Freitas. 


Os alunos escolheram a mamona, a samambaia e o girassol. Cada uma delas realiza a extração desses metais pesados de uma maneira. “A mamona realiza a extração a partir das raízes. Na parte prática, a gente planta e depois esperamos 50 dias para coletar os resultados”, disse Walen. 

Após fazerem a análise do solo, os estudantes esperam partir para a próxima fase de descarte da planta que agora contém os metais pesados.   

Kaique Matheus Santos e Walen de Jesus fazendo a coleta do solo para análise

Principais desafios: recursos 

Para Gaby Félix, da Paraíba, a maior dificuldade no desenvolvimento da pesquisa foi conseguir acesso a equipamentos de qualidade. “Não sou estudante de universidade, para que elas me disponibilizem. O mundo da ciência é complicado”, conta. “Demora meses para sair uma análise simples por não ter equipamento.” Sem o apoio da professora de química, teria sido mais difícil desenvolver as membranas e as análises. 

Os estudantes do SESI Escola Sesi Reitor Miguel Calmon também tiveram dificuldade em fazer a análise dos materiais pesados presentes no solo, que exige laboratórios e equipamentos próprios. A solução foi encontrar um parceiro na Universidade Federal da Bahia (UFBA). 

Agora o orientador Yulo Freitas vai buscar parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). “Por fazer parte do mesmo sistema, a gente está buscando parceria com o SENAI para aproximar o processo tecnológico, já que eles têm equipamento e a gente tem o material e a pesquisa”, pontua. 

Abraçar o mundo com braços pequenos 

A ideia das três Marias do projeto M-Plasfil era colocar a membrana em todas as casas. O custo de produção da versão pequena fica próximo a R$ 1. Porém, elas viram que o mais efetivo, inclusive pensando que nem todos possuem água potável em casa, é levar a membrana para a estação de tratamento da cidade. As próximas etapas são comparar a qualidade da água com o filtro delas e sem.  

“A gente queria abraçar o mundo com nossos braços pequenos. Primeiro, a gente precisa escolher um âmbito pequeno, para, a partir da nossa pesquisa, alguém ajudar as outras áreas”, reconhece Gaby. 

Como não é possível cuidar de todas as problemáticas do mundo, um dos caminhos é fazer a divulgação científica, não só para ajudar outros pesquisadores a pensar soluções maiores, mas também promover um retorno para a sociedade.  


"Um dos pontos do projeto é a divulgação científica e como isso vai retornar para a comunidade. A divulgação cientifica é importante, porque a gente publica e não engaveta. A ideia é que comunidade tenha acesso e perceba que esse problema pode ser resolvido de forma simples e barata”, destaca. 


Para Matheus, a pesquisa “é um pontapé inicial que pode ajudar pessoas e lugares com maior índice de descarte de lixo”.  

O propósito dos meninos com o projeto é oferecer uma solução barata para a descontaminação de solos em outros lugares, além de Canabrava

Uma experiência única 

O maior sonho de João Marcelo Santana, o novato do projeto “Metais pesados no solo: um estudo de análise da fitorremediação como alternativa de remoção de contaminantes no bairro de Canabrava”, é participar da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace). Ele não tinha proximidade com o tema, mas resolveu experimentar algo novo.  

"Está sendo um novo aprendizado. Como sou novato, eu estou aprendendo os nomes, novos aparelhos e análises que são difíceis, mas não é uma coisa ruim, é uma coisa boa”, reflete. “Está ajudando a me desenvolver.” 

Este ano, o projeto foi finalista da Febrace na categoria Ciências Exatas e da Terra. Como as inscrições para a próxima edição estão longe, os meninos esperam se inscrever em outras feiras como a Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec). 

Já o M-Plasfil recentemente foi um dos cinco finalistas do Prêmio Jovem da Água de Estocolmo. O objetivo do evento foi reunir trabalhos de jovens relacionados aos temas água, saneamento ou sustentabilidade. A etapa nacional é organizada pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e ocorreu em 20 de maio em Belo Horizonte. O vencedor representa o Brasil na final internacional na Suécia. 

As três Marias colecionam outras premiações em 2022 como o 1º lugar em engenharias e o 2º geral na Feira de Inovação, Ciências e Tecnologia do Brasil (Fitec) e o 2º lugar em engenharias na Mostratec. Na Febrace deste ano, elas faturaram o 3º lugar em engenharias, o prêmio de melhor projeto da Paraíba e duas credenciais para outras feiras do Nordeste. 

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