A bioeconomia já faz parte do seu dia a dia e temos provas

De combustíveis à vacina: veja como a biodiversidade brasileira é base de muitos produtos fundamentais no nosso cotidiano até você. Expansão do setor pode adicionar US$ 284 bilhões por ano até 2050 no faturamento industrial brasileiro

Mesa de madeira com diversos objetos: potes com café, sal grosso, pincel de maquiagem, flores e toalha em tons terroros
Indústrias farmacêutica, de cosmético e alimentícia são alguns setores à frente da bioeconomia

Usar novas tecnologias para criar produtos e serviços mais sustentáveis a partir do estudo de recursos naturais e sistemas biológicos, como plantas e microorganismos. É isso que a bioeconomia faz e ela está presente o tempo todo em nossas vidas, mesmo que você nem sempre veja. 

É a partir desse modo de produção que são feitos novos alimentos, vacinas, biocombustíveis, cosméticos e muito mais. Só para ter uma ideia: em 2016, o valor das vendas atribuíveis à bioeconomia chegou a US$ 285,9 bilhões no Brasil, o equivalente a 13,8% do PIB, de acordo com estudo do BNDES.

Esse número pode aumentar ainda mais. A bioeconomia pode adicionar US$ 284 bilhões por ano até 2050 no faturamento industrial brasileiro, segundo estimativa da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) em estudo feito com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).

O Brasil é o país mais biodiverso do mundo, com mais de 20% do número total de espécies da Terra. São 42.730 espécies vegetais distribuídas na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica, na Caatinga, no Pantanal e no Pampa.  Você sabe como esse potencial já tem sido usado?

1) Da cana de açúcar (ou do milho) ao etanol

Cana de açúcar no campo
O Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar. A produção na safra 2022/23 está estimada em 610,1 milhões de toneladas.

Se você já abasteceu o carro ou andou de ônibus, você usou etanol, um biocombustível feito por meio da fermentação do amido ou de outros açúcares de origem vegetal. O mais comum é a cana de açúcar. Até a gasolina comum tem 27% de etanol na sua composição.

O Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar. A produção na safra 2022/23 está estimada em 610,1 milhões de toneladas, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Já a produção de etanol neste período foi estimada em 30,5 bilhões de litros, sendo 17,53 bilhões de litros de etanol hidratado e 12,97 bilhões de litros de etanol anidro.

O etanol hidratado é consumido diretamente pelos carros e o anidro vai para refinaria e faz parte da composição da gasolina.

Esse biocombustível é chave na transição energética. De acordo com a Unica, associação de empresas do setor, o etanol utilizado em transportes no Brasil evita a emissão de 550 milhões de toneladas de CO2 ao substituir a gasolina.

Além do etanol, a cadeia produtiva da cana-de-açúcar resulta em seis outros produtos: açúcar, rum, cachaça, pellets (combustível sólido de granulado de resíduos de bagaço de cana), eletricidade e biogás.

Curiosidade: também tem etanol de milho e sua produção tem crescido cada vez mais. Desde a safra de 2017/18, com a instalação de indústrias totalmente dedicadas ao processo, a produção nacional passou de 520 mil de metros cúbicos para 4,5 milhões de metros cúbicos (ou 4,5 bilhões de litros) na safra 2022/23, um crescimento próximo de 800%. A expectativa é de chegar a 10 bilhões de litros até 2030 e aumentar a participação no mercado nacional de etanol de 15% para 20%, de acordo com a União Nacional do Etanol de Milho (Unem).

2) Própolis: a cura de muitos males

Favo de mel, colher de madeira com própolis e vidro com líquido escuro em mesa de madeira clara
Antibacteriana, antifúngica, antiviral, antiinflamatória, hepatoprotetora, antioxidante, antitumoral, imunomodulatória são algumas das propriedades do própolis

Quem nunca ouviu um conselho para tomar própolis quando estava com a garganta ruim? Antibacteriana, antifúngica, antiviral, antiinflamatória, hepatoprotetora, antioxidante, antitumoral, imunomodulatória são algumas das propriedades dessa mistura feita por abelhas.

Esses insetos coletam substâncias de diversas partes das plantas, como botões florais e brotos e acrescentam secreções salivares, cera e pólen, o que afeta a cor e a textura da própolis. Sim, tem própolis verde, vermelho, marrom. 

Em estudo constatou que ferimentos tratados com própolis apresentaram menos inflamação e cicatrização mais rápida do que aqueles tratados com sulfadizina de prata, um agente antimicrobiano usado para ferimentos na pele.

A própolis também contém compostos que conseguem remover radicais livres em excesso do nosso organismo. O alto nível dessas substâncias está relacionado a diversas doenças cardiovasculares, reumáticas, neurológicas, psiquiátricas, câncer, osteoporose, diabetes, inflamação e envelhecimento precoce.

No Brasil, essa mistura de substâncias é a base de cápsulas, cremes, pasta de dente, bala, chá, pomada e diversos outros produtos

3) Licuri: um coquinho milagroso

Bacia metálica com vários frutos licuri, que têm aparência de um coquinho
Licuri é matéria-prima para vários setores, como farmacêutico, odontológico, veterinário e cosmético.

Pode ser que dentro do seu banheiro tenha óleo de um coquinho chamado licuri. O fruto das palmeira da Caatinga tem propriedades antibacteriana, antiparasitária, antioxidante e antifúngica e hidratante, o que permite que ele seja matéria-prima para vários setores, como farmacêutico, odontológico, veterinário e cosmético.

Foi justamente a ação antioxidante, que protege a pele de radicais livres e previne o envelhecimento precoce um dos fatores que chamou atenção da L'Occitane para produzir uma linha de óleo, sabonete e hidratante a partir desse fruto muito comum na Bahia.

O óleo do licuri também poderá ser transformado em gel, cápsulas e spray com funções farmacológicas. É o que descobriram pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que aprimoraram as propriedades naturais do fruto por meio de nanotecnologia.

Também foram desenvolvidos pasta de dentes e enxaguatório bucal a partir do fruto. Ambos projetos tiveram depósitos de patentes registrados no Instituto Nacional de Propriedades (INPI).

E os usos do coquinho não param por aí. Com muita proteína e lipídeos, ele é ingrediente culinário de cocada, leite, farofa e licores. Já as folhas, com 2 a 3 metros de comprimento, são matéria-prima para produção de vassouras, chapéus, cestas, esteiras e espanadores, forragem para os animais e cobertura de construções campestres.

Extra: outro óleo bem conhecido no meio dos cosméticos é o de buriti, rico em  ácidos graxos oleicos e com alta concentração de carotenóides, principalmente vitamina A. Isso confere ação antioxidante, renovadora e regeneradora. Essas características ajudam a tratar e restaurar a pele após o sol. 

4) Maquiagem da floresta

Cupuaçu cortado ao meio ao lado do fruto fechado em fundo branco
Manteiga de cupuaçu tem capacidade hidratante e nutritiva, além de fortalecer a barreira cutânea de proteção.

Pode ser que tenha um pouquinho de uma fruta ou de uma flor na sua maquiagem. A manteiga de cupuaçu é um dos ingredientes de uma base da Simple Organic. Ela tem alta capacidade hidratante e nutritiva, além de fortalecer a barreira cutânea de proteção. 

Outro elemento do produto é o Bakuchiol, encontrado em sementes da planta conhecida como babchi e usada na medicina tradicional indiana. Ele é uma alternativa ao retinol e tem capacidades antioxidante, atenua os sinais do tempo, controla a acne e a oleosidade.

O uso de pigmentos naturais  a partir de microrganismos, por sua vez, está sendo desenvolvido pelo Instituto SENAI de Inovação em Biomassa (ISI Biomassa) para uma linha de cosméticos do Grupo Boticário

O objetivo é viabilizar o uso industrial de pigmentações totalmente naturais e sustentáveis feitas pela biomassa microbiana. “Um dos nossos desafios é criar soluções inovadoras visando a redução ou até a completa substituição de produtos químicos derivados de petróleo por soluções renováveis”, explica Jessica Carolina Medina Gallardo, Líder da área de Biotecnologia e Engenheira de Bioprocessos do ISI Biomassa.

5) Como nascem as vacinas

Mulher branca de máscara segura frasco de vacina e injeção para aplicação em primeiro plano. Ao fundo, azulejos coloridos desfocados.
As tecnologias de criação de vacinas usam pedaços ou informações genéticas do microorganismo causador da doença para provocar a resposta imunológica.

Sim, as vacinas também tem tudo a ver com bioeconomia. As tecnologias de criação de imunizantes usam pedaços ou informações genéticas do microorganismo causador da doença para provocar a resposta imunológica. Uma opção é atenuar ou inativar o vírus em laboratório. 

Outra opção é usar subunidades do microorganismo, geralmente a proteína do vírus que o sistema imune reconhece. É o caso da proteína Spike do SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19, por exemplo.

No caso das vacinas genéticas, de DNA ou RNA, a sequência genética que codifica a proteína Spike é clonada em um plasmídeo (DNA circular bacteriano), que é multiplicado por bactérias. Esse DNA servirá de molde para produzir RNAm in vitro utilizando enzimas. Já esse RNAm é o princípio ativo das vacinas.

6) Colírio de jaborandi

Pote de madeira redondo com frutos de jaborandi, folha verde e fruto da planta ao lado
A pilocarpina, encontrada no jaborandi, é usada na produção de colírios para tratamento do glaucoma.

Dentro de uma árvore de 3 metros muito conhecida na América Latina existe uma substância  que pode estar no seu colírio. A pilocarpina é usada pela Centroflora na produção de colírios para tratamento do glaucoma. 

A doença é a principal causa de cegueira evitável no mundo e pode ser adquirida, por exemplo, pelo excesso do uso de corticóides. Devido ao aumento da pressão dentro do olho, o nervo óptico é destruído aos poucos. Apesar de não haver cura, é possível tratar com medicamentos ou cirurgia. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia estima que 1,5 milhão de pessoas sofram com o problema no país.

A pilocarpina pode ser produzida sinteticamente, mas é encontrada em concentrações três vezes maiores em condições naturais, de acordo com estudo de pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale e da Universidade Federal Rural da Amazônia  publicado na revista “Journal of Plant Nutrition”. Um dos possíveis motivos são os níveis de ferro, manganês e compostos nitrogenados no solo da floresta.

O jaborandi é comum nas regiões Norte e Nordeste e na transição dos biomas Caatinga e Cerrado. Por meio do Instituto Floravida, a Centroflora fez um mapeamento da cadeia produtiva da planta e passou a fortalecer produtores locais de uma maneira sustentável. 

7) Do chá ao chimarrão

Fundo escuro com chimarrão e pote com erva mate e colher
Em 2021, o valor acumulado de exportações da erva-mate chegou a 15,4 milhões de dólares.

No chá ou no chimarrão, em bebidas energéticas e até em cosméticos. Esses são alguns dos usos da erva-mate, planta com indicação geográfica reconhecida da região São Matheus, no Paraná.  O município de São Matheus do Sul, a 150 quilômetros de Curitiba, é o maior produtor da erva no Brasil. A região inclui também as cidades de Antônio Olinto, Mallet, Rebouças, Rio Azul e São João do Triunfo.

Como é de praxe nas indicações geográficas, a IG-Mathe (cujo h extra só se dá por uma questão de marca) tem critérios pré-estabelecidos e hoje fiscalizados pela associação.  Para sair com o selo da Indicação de Procedência, os ervais precisam crescer em consórcio com a Mata Atlântica. Não é permitido o uso de defensivos agrícolas nem outra matriz genética que não seja a Ilex paraguariensis nativa da região.

O Paraná foi responsável por 87,4% da produção nacional de erva-mate do Brasil em 2021, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano, o valor acumulado de exportações do produto chegou a 15,4 milhões de dólares.

8) Não pode faltar o chocolate

Frutos de cacau marrom e amarelo em cima de folhas verdes e saca ao fundo
Chocolaterias brasileiras investem em uso sustentável do cacau

Nada melhor do que valorizar nossas riquezas naturais e liberar endorfinas ao mesmo tempo. A Warabu Chocolates é uma chocolateria na Amazônia que une insumos únicos da floresta e valorização das comunidades locais.

Em Altamira, no Pará, 187 famílias de agricultura familiar cultivam o cacau de aroma fino e selvagem, sua principal matéria-prima. Cada fava orgânica passa por um cuidadoso processo de colheita, fermentação, secagem e torra, realizado por pessoas certificadas, o que garante a qualidade excepcional do produto final.

Os chocolates usam apenas ingredientes naturais. “O processo de fabricação é feito em baixa temperatura, garantindo os nutrientes do chocolate. Também usamos substitutos do açúcar, como manga em pó e alfarroba. Criamos uma formulação que não precisa de acidulantes, então todos os nossos ingredientes são totalmente naturais”, conta Linda Gabay, uma das sócias da Warabu.

A Dengo é outra chocolateria brasileira com pegada sustentável. A produção privilegia pequenos e médios produtores do sul da Bahia que cultivam o café e o cacau de forma consciente, em meio às matas da região. Esses produtores usam a cabruca, uma forma de cultivo do cacau em sistema de agrofloresta, no qual as árvores nativas da Mata Atlântica,como o pau-brasil e o jequitibá, são usadas para fornecer sombra aos cacaueiros.

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