Brasil precisa de novo modelo de escola

Diretor-superintendente do SESI, Rafael Lucchesi, defendeu a proposta durante o evento Educação 360, realizado pelos jornais O Globo e Extra, no Rio de Janeiro, que discutiu como melhorar o ensino no país. Participaram palestrantes nacionais e internacionais

Diretor-superintendente do SESI, Rafael Lucchesi, durante painel "Educação e Produtividade" no evento Educação 360

O impacto das novas tecnologias sobre o mercado de trabalho e a necessidade de qualificação permanente foram um dos temas do segundo dia de debates, nessa terça-feira (25), do evento Educação 360, realizado pelos jornais O Globo e Extra com patrocínio do Serviço Social da Indústria (SESI). No painel “Educação e Produtividade", o diretor-superintendente do SESI, Rafael Lucchesi, e a professora Claudia Costin, diretora do Ceipe da Fundação Getúlio Vargas (FGV), defenderam uma mudança no sistema educacional para que os jovens adquiram as novas competências e habilidades requeridas pela quarta revolução industrial. 

Em sua apresentação, Lucchesi mostrou dados da consultoria McKinsey, segundo os quais 50% das atividades poderão ser automatizadas. Além disso, o Fórum Econômico Mundial prevê que 75 milhões de empregos vão desaparecer e surgirão 133 milhões. “O emprego vai continuar a existir, mas isso não será para as mesmas pessoas e não será nos mesmos territórios, novas emergências vão se estabelecer", avaliou. “Há uma questão social importante a ser colocada de contenção e abrigo de pessoas que não vão ser atingidas por essas transformações, mas há uma agenda de desenvolvimento socioeconômico que precisa ser colocada em prática.”

Segundo o diretor-superintendente do SESI, é necessário mudar a matriz educacional e construir um novo modelo de escola para permitir que mais jovens brasileiros tenham uma profissão por meio de cursos de educação profissional, como ocorre nos países europeus. "Temos um problema no ensino médio, precisamos ter mais formação técnica, que dialoga com as novas competências exigidas pelo novo mundo do trabalho", defendeu. “Precisamos ter a cabeça aberta para construir um novo modelo de escola.”

“O emprego vai continuar a existir, mas isso não será para as mesmas pessoas e não será nos mesmos territórios", explicou o diretor-superintende do SESI, Rafael Lucchesi

Claudia Costin também apontou as competências que, na sua opinião, vão diferenciar a atuação do homem do trabalho feito por máquinas: resolução colaborativa de problemas; empatia; autocontrole e autoeficácia; pensamento sistêmico e crítico; agilidade para navegar em diferentes contextos culturais; curiosidade, criatividade e imaginação; aprender ao longo da vida; protagonismo, cidadania global e saber empreender a própria vida. “Muitas coisas que o cérebro humano pode fazer podem ser automatizadas ou repassadas para robôs, mas a empatia não. A empatia é o que nos faz humanos", exemplificou a educadora. “A escola deveria trabalhar muito mais a empatia e é por isso que professores, cuidadores de idosos e profissionais de enfermagem não serão profissões substituídas em curto e médio prazos.

RIQUEZA - Em outro painel, o economista Eric Hanushek, pesquisador da Universidade Stanford, mostrou o impacto da qualidade da educação sobre o aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo ele, o Brasil tem potencial de crescer 4,5% ao ano se colocar todas as crianças na escola. Ele projeta que esse aumento poderia ser de 10% se o país atingisse nível mínimo de qualidade na educação, e chegar a uma elevação de 16% se os estudantes adquirissem as habilidades necessárias. Para ele, o fator que mais influencia o aprendizado dos estudantes é o professor. “Não há alternativa a não ser melhorar a qualidade da atuação dos docentes", defendeu. 

A presidente-executiva da ong Todos pela Educação, Priscila Cruz, defendeu uma reforma da educação para resolver os problemas de qualidade do ensino no Brasil. Segundo ela, os problemas atingem estudantes de todas as classes sociais. Os alunos brasileiros com as melhores notas no Programa Internacional de Avaliação de Alunos  (Pisa) obtêm nível de proeficiência dos piores estudantes do Vietnã, um dos países mais bem colocados no ranking. No Brasil, 93% dos jovens, ao final do ensino médio, não têm aprendizagem mínima em matemática. "Mesmo a elite educacional brasileira não tem conseguido atingir níveis razoáveis de aprendizado em comparação com outros países do mundo”, disse Priscila. "Precisamos ter uma indignação maior com o fato de que nossas crianças não aprendem. Não adianta ficar tendo apostas isoladas, a gente precisa de uma terapia intensiva, de uma reforma da educação”, pregou. 

Na opinião do filósofo Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, que também participou do evento, alfabetizar crianças na idade certa deveria ser um dos principais objetivos na política educacional. Atualmente, 55% das crianças não estão alfabetizadas aos oito anos de idade, como preconiza o Plano Nacional de Educação (PNE). “Para o próximo governo, esse é o foco. A exclusão social se joga muito cedo, joga-se nessa faixa etária", afirmou. Alunos que não são alfabetizados na idade adequada têm mais dificuldades para evoluir na escola e podem ter o aprendizado comprometido ao longo da vida. Para Janine Ribeiro, é preciso investir especialmente na formação do professor alfabetizador, o que, segundo ele, tem se perdido no país nos últimos anos. 

SABERES - Já a mesa "Currículo de qualidade, educação para o desenvolvimento equitativo e sustentável” trouxe a discussão sobre o currículo em países com contextos diversos (diferenças socioeconômicas, culturais) e conectado com o futuro. Hugo Labate, consultor do IBE-Unesco (da Argentina), debateu como o currículo deve ser pensado: com base no passado, vivendo o presente ou apenas para o futuro? Para ele, a formação do currículo é complexa, mas há uma necessidade urgente e presente. “Temos que saber quais saberes serão úteis. Por isso, temos que pensar o conhecimento como ferramenta para o desenvolvimento progressivo das capacidades”.

Paolo Fontani, especialista sênior em educação da Unesco, também destacou que “educar no século XXI é adaptabilidade e ousadia”. Ele relatou a tentativa de unidade educacional europeia com a criação de uma comissão que busca permitir aos jovens europeus encontrar empregos em todo o continente. Entre as iniciativas estão diplomas reconhecidos em toda a União Europeia, o estímulo ao aprendizado de duas línguas (além da materna), ao intercâmbio e a criação de uma consciência comum europeia. O especialista afirmou que a América Latina e o Brasil são diferentes da Europa, mas o continente passa por desafios similares como a migração e mobilidade e o desafio de melhorar os sistemas educacionais. Dessa forma, a experiência europeia pode ser útil aos países latinos.

Eduardo Deschamps, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), que também participou dos debates, ressaltou a dificuldade de se pensar uma base curricular comum no Brasil pela pluralidade e pela segregação, não apenas social como política. Ele reforçou que o currículo “não resolve todos os problemas, mas é o fio condutor de uma série de atividades”. Para o conselheiro, um dos desafios foi manter a discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – já aprovada para o ensino fundamental e em elaboração para o ensino médio – mesmo diante de várias  mudanças de governo. “É preciso ter muito fôlego para transformar a educação em política de Estado e não de governo”, destacou.

O Educação 360 também abordou temas como “Educação: antídoto contra as fake news (notícias falsas)?". No painel, Eugênio Bucci, professor da Universidade de São Paulo (USP), defendeu a inclusão na BNCC de orientação para convivência nas redes sociais. “É preciso educar para a democracia, para o respeito e para a verdade", disse. O evento contou ainda com painéis que discutiram a importância central do professor na melhoria da educação e o papel da escola pública na construção da democracia e do pensamento crítico dos jovens. 

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