A meca da FRC: como o Vale do Paraíba consolidou a elite da robótica nas escolas públicas

Equipes de escolas públicas participam da competição mais avançada da FIRST há mais de 15 anos. Estudantes têm vidas transformadas graças ao trabalho de mentores voluntários

Sede de grandes indústrias, como Embraer, Volkswagen, LG e Johnson & Johnson, o Vale do Paraíba respira inovação. Especificamente no lado paulista, onde estão localizadas as cidades de São José dos Campos, Lorena e Taubaté, a industrialização impulsionou investimentos em educação. Assim, a região testemunhou escolas técnicas se mulitplicarem e crianças e adolescentes sonharem com um futuro como engenheiros. 

Foi nesse cenário que a FIRST Robotics Competition (FRC) - modalidade mais avançada das competições de robótica da organização sem fins lucrativos FIRST - encontrou terreno fértil. Há mais de 15 anos, lideradas por funcionários e ex-funcionários de grandes empresas, equipes de escolas públicas vêm conquistando espaço (e prêmios!) em torneios internacionais. 

Voluntários como Ricardo Iamamoto, Carlos Roberto, Rodrigo Chaves e Thomaz Pinelli personificam a missão da FIRST: inspirar e engajar jovens a serem líderes inovadores em ciência e tecnologia. Nos últimos anos, eles formaram equipes e dedicaram horas de mentoria para transformar a vida de centenas de estudantes. 

Trabalho voluntário inspira 

Rodrigo Chaves, 42 anos, criou a equipe Taubatexas 7459 em 2018 com dois amigos. Ele já tocava um projeto social de esporte com crianças, mas viu na FRC a chance de fazer a diferença na vida de adolescentes. Sediado na Escola Estadual Engenheiro Urbano Alves de Sousa Pereira, o time tem cerca de 30 alunos, além dos mentores. 

A grande inspiração foi o colega da Embraer Ricardo Iamamoto, engenheiro aeronáutico aposentado que lidera a equipe Brazilian Storm 6404, da Escola Estadual Prof. Alceu Maynard Araújo, em São José dos Campos [já contamos um pouco dessa história em uma matéria sobre as equipes de escolas públicas de outra modalidade, a FTC]. 

A Taubatexas teve uma trajetória meteórica. “Os pais achando a gente doido. Em agosto falávamos que iríamos levar os meninos para competir nos Estados Unidos em março, sendo que eles não tinham nem passaporte. Mas arrecadamos o dinheiro, viajamos e voltamos com prêmio de novato, o Rookie All Star, que garantiu a vaga para o mundial, em Houston”, lembra Chaves. 

Na temporada 2020/2021, com um mundial no currículo, eles viajaram para a Califórnia, treinaram com uma equipe veterana local, mas todas as competições acabaram suspensas por causa da pandemia. 

15 anos dedicados à robótica

Com mais tempo de estrada, o engenheiro de projetos, empresário e professor universitário Carlos Roberto dos Santos, 57 anos, se dedica à FRC há 15 anos. Depois de liderar equipes no Centro de Educação Profissional Hélio Augusto de Souza (Cephas), escola municipal de São José dos Campos, ele fundou a Etechnology 8276 com um desafio extra: era o meio de uma pandemia. O time começou como equipe de garagem até ganhar um QG na Escola Técnica Profª Ilza Nascimento Pintus. 

“Estamos com 40 integrantes, todos da ETEC, mas a intenção é abrir para a comunidade e formar professores, preparar a escola, ficar uns 3, 4 anos, e ir para outra, montar novas equipes e dar oportunidade para a criançada. Esse é o trabalho do mentor”, acredita. 

FRC: a ponte entre o ensino médio e o mercado de trabalho 

Os resultados da dedicação são concretos. Incluem as primeiras viagens de avião e para o exterior para competir por bolsa de estudos em escolas particulares de referência, vaga na universidade e primeiro emprego. 


“Estou muito feliz, porque nossos alunos veteranos estão no mercado, atuando com marketing, programação e mecânica. Dos alunos que saíram do Taubatexas, dois são colegas de trabalho aqui na Embraer. Um veio do curso técnico de mecânico no SENAI e a outra está cursando engenharia de produção. E temos outros alunos trabalhando em indústrias da região”, comemora Rodrigo Chaves.


Janaina Ramos, 26 anos, já tem uma década de história junto com um dos times mais veteranos, a Alphabots 1860, criada em 2005, em São José dos Campos. Ela competiu de 2012 a 2014 como copilota do robô e não largou mais o grupo. Hoje mentora, ajuda os integrantes com o projeto mecânico do robô.  


“Toda a minha formação foi em escola pública. Fiz o técnico em mecânica no ensino médio, pude colocar o conhecimento em prática na FRC e estou concluindo a graduação em engenharia mecânica, na Unesp”, conta. Antes mesmo de concluir o curso, ela foi efetivada na empresa de análise estrutural onde estagiou.


Estudantes buscam patrocínio e promovem ações para arrecadar dinheiro 

Colega da Alphabots, Giovani Sousa, 27 anos, trilhou um caminho um pouco diferente. Ainda no ensino médio, morando com as duas irmãs e a mãe, que trabalhava como faxineira, ele agarrou a oportunidade de fazer os cursos técnicos de eletrônica, informática e automação industrial.

Chegou a trabalhar uns cinco anos em algumas indústrias até que se deu conta que sua vocação era aquilo que o acompanhava desde a escola. Quando o time migrou para o Instituto Alpha Lumen, ele foi contratado como professor de robótica. Mas é claro que manter uma equipe há 17 anos tem suas adversidades, superadas pelo trabalho em comunidade, inclusive empresarial. 

“Parte dos equipamentos é a escola que fornece. Outros vêm de investidores e patrocinadores. O Thomaz, fundador da equipe, é empresário e tem um grupo de empresas, que também nos apoia e emprega ex-alunos. Já na escola, os alunos vendem pizza, marmita. Isso os deixa motivados, porque o recurso não vem do nada. Construir o robô e viajar exigem grana”, pondera Giovani. 

Sangue, suor, lágrimas e vitórias 

Ainda que as escolas técnicas tenham melhor infraestrutura e contem com a formação profissional na grade curricular, que ajudam no desenvolvimento do robô, os desafios para manter a equipe ativa e os estudantes, de diferentes realidades, engajados vão além dos recursos financeiros.  

Rodrigo Chaves cita, por exemplo, o conhecimento em programação, área ainda bastante incipiente nos ensinos fundamental e médio. O lado positivo é que a equipe virou uma espécie de escola de programadores. 

“Temos encontros duas vezes por semana, religiosamente, das 19h às 22h na quarta-feira e sábado, das 9h às 17h. Seguimos um plano de aulas e estamos conversando com empresas para criar trilhas de carreira, para formar para o mercado. Hoje conseguimos prover um programador jr. para uma empresa. Temos mentores do ITA, professor com pós-doutorado da USP…”, orgulha-se.  

Aos 17 anos, Davi Moura experimenta essa evolução. Ele entrou na Wolf Army Robotics 8066, de Lorena, bem no início do time, com conhecimento em informática básica e sabendo apenas apertar um parafuso.  

“Fui aprendendo componentes eletrônicos e montagem. Hoje faço curso técnico de eletromecânica no SENAI e quero cursar engenharia elétrica. Meu pai é vendedor, minha mãe é professora e eles me incentivam porque veem que está dando certo, meu desenvolvimento na escola e social. Eu era bem tímido, mais quieto”, compara Davi. 

Regional no Brasil será grande oportunidade para novas equipes 

A partir do ano que vem, o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) passam a ser operadores da modalidade no país e organizarão um torneio regional que classifica para o mundial.  

Entre os dias 5 e 7 de agosto, houve uma competição fora de temporada, um off season, que funciona como uma espécie de evento teste. Das 28 equipes, oito eram de instituições públicas, sendo cinco do Vale do Paraíba - prova da força da região na modalidade. 

“Fica muito caro para a gente ir para fora. Então trazer a FRC, ter regional aqui no Brasil, será uma oportunidade para a modalidade crescer”, resume Carlos Roberto. Janaína completa: “Para os Estados Unidos vai um número limitado de integrantes da equipe. Aqui podemos não só levar todos os competidores, como outros alunos da escola, familiares”. Apesar da alegria em ter no passaporte viagens para Nova Iorque, Dallas, Long Island e Albany, ela reconhece que outros jovens deveriam ter as mesmas chances.  

Os pais trabalham na Prefeitura de São José dos Campos e querem ver a filha ir mais longe. À família, juntam-se profissionais, empresas e instituições de ensino que acreditam na tecnologia e na inovação como instrumentos para despertar novos talentos. É a lição que o Vale do Paraíba nos ensina e que deveria, assim como os mentores, servir de inspiração. 

Relacionadas

Leia mais

FRC ganha espaço no Brasil e escreve novas páginas na história da robótica nacional
SUPER robôs em ação! Confira a lista dos times que vão participar do Off-season FRC no Rio
Histórias reais: ex-competidores mostram que o Ciclo da Robótica não tem fim

Comentários