O ciclo da economia circular

Empresas estão adotando práticas mais sustentáveis e econômicas, superando o modelo baseado em extrair, utilizar e descartar

Segundo pesquisadores como Aldo Ometto, da USP, “não há setor produtivo que não possa integrar a economia circular”

A busca por um desenvolvimento sustentável tem motivado uma transformação no setor produtivo. Os famosos 4Rs (repensar, reduzir, reutilizar e reciclar) do final do Século 20, ainda muito voltados para o fator ambiental, ganharam novos contornos e, hoje, estão inseridos em um amplo modelo de negócio, a “economia circular”.

A prática surgiu como contraponto ao modelo linear (extrair, produzir, usar e descartar) e visa a uma melhor utilização dos recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócio e da otimização da produção. Para isso, prioriza insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis, mitigando o impacto ambiental, reduzindo custos e perdas produtivas e criando novas fontes de receita. 

"Empresas que insistem na lógica do produzir, utilizar e descartar pararam no tempo e são penalizadas” Marcelo Ebert CEO e cofundador da YVY

A Pesquisa sobre Economia Circular na Indústria Brasileira, elaborada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), constatou que, embora 70% das indústrias não tivessem ouvido falar em economia circular, 76,4% delas já adotavam alguma prática do modelo. Esclarecido o conceito, 72,4% das indústrias acreditam que a economia circular pode ajudar na fidelização de clientes, na melhoria da imagem e no aumento das receitas da empresa.

Para Aldo Ometto, professor do Centro de Inovação em Economia Circular da Universidade de São Paulo (USP), o descompasso entre o conhecimento do termo e sua aplicação não surpreende. “A economia circular não é algo teórico; é muito mais da prática dos novos modelos de negócio. São atividades que estão sendo realizadas para que as empresas tenham sucesso nesse ambiente do Século 21”.

Essa percepção é compartilhada pelo gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo. “Talvez o termo seja desconhecido, mas a prática já é utilizada há bastante tempo, até porque práticas circulares geralmente impactam em aspectos como a redução dos custos operacionais da empresa”.

Valores
A mudança de perfil do consumidor, cada vez mais exigente em relação a produtos sustentáveis, é outro elemento importante. “Tornar o negócio mais sustentável é um desafio cada vez mais presente para o setor industrial. Caminhamos para um ponto em que não adotar práticas sustentáveis pode acarretar um custo maior para a empresa tanto no processo produtivo quanto em imagem”, explica José Luis Gordon, diretor de Planejamento e Gestão da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

Essa geração de valores também é ressaltada pelo professor da USP, para quem a economia circular traz uma mudança de mentalidade. “As empresas passaram a fazer com que novos valores sejam gerados não só para o cliente, mas também para os stakeholders e outros atores que podem vir a ser clientes”.

Impacto socioambiental
Nascida com o DNA da sustentabilidade, a empresa de produtos de limpeza YVY atua desde o princípio na lógica circular. “Entendemos que essa seja a única maneira de sobrevivermos neste planeta pelas próximas gerações. Além disso, empresas que insistem na lógica do produzir, utilizar e descartar pararam no tempo e são penalizadas. Para o consumidor moderno, elas ficaram paradas no Século20”, aposta o CEO e cofundador da empresa, Marcelo Ebert.

Em um mercado ainda dominado por produtos à base de petróleo e disponibilizados em embalagens plásticas descartáveis, a empresa investiu em fórmulas ultra concentradas, com ingredientes naturais e renováveis, e disponibilizadas em cápsulas. O resultado foi a redução em 2/3 da quantidade de plástico em relação à utilizada pela indústria tradicional e de 94% da emissão de gás carbônico (CO2) no transporte. Há, ainda, um programa de logística reversa que recupera as embalagens e as reutiliza na fabricação de cápsulas e utensílios para limpeza.

Outro exemplo vem do grupo ArcelorMittal. Desde 2015, a empresa investe no aluguel de estacas (pranchas metálicas destinadas a obras de contenção temporária). Como modelo de negócio inovador, o aluguel cria valor para o cliente na forma de serviço, e não como bem adquirido. Já o reúso dos produtos em mais de uma obra reduz o consumo de recursos na produção e o volume de resíduos gerados ao fim do ciclo.

Nessa mesma linha, a Signify/Philips tem apostado na oferta de luz como um serviço. “A iniciativa consiste na venda de soluções completas nas quais os clientes comprarão luz e não produtos em geral. Nesse conceito está incluída toda a cadeia de negócio, com fornecimento completo, economizando energia, recursos naturais e garantindo a destinação final adequada dos produtos”, garante Márcio Quintino, gerente sênior de Relações Institucionais e Sustentabilidade da empresa.

Além de passarem a ofertar serviços como produtos, ambas as companhias têm investido no reaproveitamento de resíduos e fomentado a expansão da logística reversa, como explica o gerente geral de Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil, Guilherme Abreu. “A recuperação da sucata metálica para produção de aço e o desenvolvimento de novas tecnologias e processos produtivos que permitam o reúso e a reciclagem dos coprodutos são prioridade”.

Circularidade para todos

“Não há setor produtivo que não possa integrar a economia circular. Pelo contrário, é necessária a atuação conjunta de todos os setores porque os negócios começam a ser muito mais transversais, com novas formas de gerar valor”. Quem garante é o professor Aldo Ometto, para quem processos como a digitalização, a virtualização e a transformação de serviços em produtos impõem esse novo modelo de atuação.  

Em relação ao porte, Davi Bomtempo, da CNI, defende que a economia circular seja viável desde as microempresas até as grandes corporações. Ele pondera, contudo, dois obstáculos que precisam ser superados no Brasil: a falta de conhecimento dos empresários sobre como acessar recursos, inclusive internacionais, que financiam projetos nessa linha; e a ausência de incentivos econômicos governamentais.

“Sabemos que a falta de incentivos dificulta a implementação de novos modelos de negócio. Por isso, essa é uma agenda que temos trabalhado bastante no sentido de viabilizar o rol mais adequado de incentivos em relação à legislação brasileira”, sinaliza o gerente da CNI. 

 

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