Muito mais que troféus! A robótica ensina que vencer nem sempre é o mais importante

A Agência de Notícias de Indústria conversou com competidores que não conquistaram o pódio, mas levaram pra casa muito aprendizado

Duas mulheres, eufóricas, em um abraço forte

As partidas estavam acirradas. Os gritos das torcidas ecoavam pelo Pavilhão do Parque da Cidade, em Brasília, onde ocorria o Festival SESI de Educação. O evento, que promove o torneio nacional de robótica, é um dos mais esperados por mais de 2 mil alunos de escolas públicas e privadas do país. Eles competem em várias categorias, dependendo do tamanho do robô construído. 

E, sim, as emoções estavam à flor da pele. Gritos, risadas, choros, abraços, tinha de tudo nas arenas. Olhando de fora, podia parecer que o maior desejo dos estudantes era a vitória, mas ao conversar com as equipes você descobre que, na verdade, vencer não é o melhor prêmio.

A robótica é uma sala de aula na prática, com a diferença de ir além do conteúdo disciplinar. Dentro do processo, os alunos precisam investir na oratória, buscar patrocínio, fazer agenda de marketing, desenvolver soft skills e trabalho em equipe, além de aprender na prática o conceito de resiliência. É claro que programar robôs, construir máquinas, pensar na engenharia e lidar com financeiro também refletem diretamente no currículo escolar.

Diante de toda essa experiência, ganhar um troféu é um sentimento único de reconhecimento, mas “perder” não está no vocabulário dos competidores. A verdade é que com tantas trocas, aprendizados, oportunidades e amadurecimento, os alunos entendem que o maior ganho é poder viver a robótica. 

Foi com essas palavras que a competidora Nathany Machado, 18 anos, da equipe The Brazilian Trail Blazers 1772, do Rio Grande do Sul, descreveu mais uma temporada.


“Podemos até perder no sentido literal da palavra, mas numa visão mais ampla tudo é investimento. O tempo que gastamos investindo nas atividades da robótica reflete no nosso futuro. Até mesmo o dinheiro gasto em viagens para competir se torna um investimento. Estamos representando nossa cidade, nosso estado”, conta a competidora da categoria mais avançada da robótica, a FIRST Robotics Competition (FRC).


Como muitas outras equipes, a The Brazilian Trail Blazer acabou não avançando para a etapa final da competição, o que, em muitos esportes, pode parecer uma derrota. Na robótica, no entanto, a disputa é apenas um cenário para o desenvolvimento de cada estudante.

Nathany conta que não mudaria nada na temporada, mesmo sem classificação. Ela afirma que, diferentemente da temporada passada, esse ano a equipe conseguiu permanecer unida como nunca e isso foi a maior vitória. 

E, é claro, fugir do sentimento de tristeza por não ter o resultado esperado é impossível, mas ela explica que, até os alunos mais novos, levaram pra casa o espírito da competição e ficaram felizes por tudo que antecedeu o nacional.


“A única perda que temos é quando não conseguimos dar nosso melhor, mas acaba sendo uma perda pessoal. A gente entende que ganha durante todo o processo da robótica”, detalha a estudante.


A The Brazilian Trail Blazers foi a primeira equipe de robótica da América do Sul composta integralmente por alunos de escola pública. Fundada em 2005, na região metropolitana de Porto Alegre, a equipe já participou de 30 competições em nove países e acumula mais de 23 prêmios. 

O processo educacional da robótica acontece fora das arenas

O Serviço Social da Indústria (SESI) é referência em robótica educacional. A instituição ganhou mais relevância quando, há 12 anos, a FIRST - entidade organizadora oficial dos torneios mundiais de robótica - a convidou para ser a operadora oficial das competições no Brasil. Desde então, o país organizou inúmeros eventos, recebeu equipes de todas as regiões e conquistou mais de 100 prêmios internacionais.

As mudanças se refletem também no currículo escolar. Um levantamento do SESI mostra que existe um ganho de desempenho acadêmico de 6,4% em matemática, de 5% em ciências humanas e sociais e 4,5% em linguagens na comparação com estudantes que não têm a robótica na grade curricular.

Para além do desempenho dentro da sala de aula, os estudantes que participam da robótica têm maior contato com grandes empresas e mais maturidade para lidar com os desafios da vida.

É isso que afirma o doutor em Engenharia Mecatrônica pela UNICAMP Arnaldo Ortiz, um dos fundadores da FIRST LEGO League Challenge (FLLC). Conhecido como “tiuzão” pelos alunos e competidores, ele atua como juiz nas competições de robótica do SESI. 


“O mundo precisa desses jovens, que encaram essas adversidades, que tenham resiliência de saber que podemos levar tombos, mas precisamos levantar e buscar novas oportunidades. Os alunos aprendem a sempre olhar as coisas com muito carinho e muito critério. Então, não são jovens impulsivos, que agem sem parar ou sem planejar. Eles olham o problema, entendem o que precisa ser feito e vão lá fazer”, diz Ortiz. 


O estudante Thales Damasceno, 17 anos, da equipe baiana XMachine, acredita que, na robótica, é possível obter bons resultados mesmo se o desempenho na arena não for o esperado.


“Depois das competições, os alunos voltam com uma cabeça totalmente diferente. A temporada te molda e transforma. A robótica vai mudar meu futuro. Na verdade, já mudou. É algo que faço por amor; a robótica é um sentimento lindo”, diz.


O competidor, da categoria FIRST Tech Challenge (FTC), com robôs de porte intermediário, lembra ainda que foi na robótica que ele encontrou amigos que chama de irmãos e conheceu professores que se tornaram seus mentores.

“Quando estou na arena, na sala de apresentação e com a minha equipe, estou ao lado de uma família. São nesses momentos que consigo perceber que ganhei muito mais sem os prêmios, do que com eles”, diz o estudante.

Que lição você tira da frustração?

Foi no torneio nacional que a equipe capixaba Gear One, da categoria F1 In Schools, de carrinhos de Fórmula 1, chegou na final da corrida mata-mata, na qual são avaliados os carros mais rápidos. Com uma diferença de milésimos de segundos, a equipe ficou em 2º lugar em uma disputa com mais de 50 adversários.

A piloto da Gear One, Pietra Ferroni, 16 anos, acredita que o que impediu a vitória foi um problema com a roda do carrinho, que se soltou; algo que não havia ocorrido em nenhuma outra partida.

duas alunas competindo em pista de corrida de carrinhos
A Gear One Team é equipe da categoria F1 in Schools, do Espírito Santo

“Bom, o que a gente tira disso é que a gente precisa sempre se superar. Eu tenho na minha cabeça que, se o carro estivesse 100%, a gente teria levado (o prêmio). Mas vamos precisar melhorá-lo, mesmo ele já sendo muito resistente, vamos ter que deixá-lo ainda mais”, explica a competidora.


Pietra também contou que se sente muito orgulhosa de todo o processo. Foi a primeira vez que uma equipe do Espírito Santo chegou a uma final do mata-mata. Apesar do resultado não ser o esperado, ela acredita que o time percorreu uma ótima trajetória. “A gente fez história”, completa a piloto.

Relacionadas

Leia mais

6 projetos de acessibilidade no mundo das artes que você precisa conhecer!
Esperança, resistência e engenharia: crônica de um festival de robótica
Meu robô quebrou, e agora?

Comentários