Negociações coletivas devem ser valorizadas para modernizar relações do trabalho

Regras negociadas entre empregadores e empregados, com participação do sindicato e registradas num acordo coletivo, podem gerar dívidas trabalhistas e afetar o resultado financeiro das empresas, por isso, a legislação atual deve ser reformulada para promover a competitividade do país

“Quando falamos em valer o negociado, não estamos falando em retirar direitos trabalhistas. Queremos é modernizar a legislação” - Alexandre Furlan

Por cerca de três anos, os funcionários de uma empresa no Rio Grande do Sul tiveram um acordo coletivo que permitia encerrar a jornada de trabalho 30 minutos antes do horário normal de expediente. Isso foi possível porque os trabalhadores, por meio do sindicato, negociaram com os empregadores uma redução no horário de almoço na mesma proporção, tudo com o aval dos trabalhadores. 

No entanto, nesse período, alguns trabalhadores demitidos foram à Justiça do Trabalho alegando que não tinham uma hora de intervalo para almoço e descanso, tempo mínimo previsto na legislação brasileira para quem tem uma jornada diária de pelo menos seis horas. Após perder na Justiça e ser obrigada a pagar indenização aos funcionários demitidos, a empresa não renovou essa cláusula do acordo coletivo. 

O relato da administradora de empresas Débora de Souza Morsch, gestora de recursos da Zenit Asset Management, mostra como regras negociadas entre empregadores e empregados, com participação do sindicato e registradas num acordo coletivo, podem gerar, no futuro, dívidas trabalhistas e afetar o resultado financeiro das empresas. “A legislação atual está acabando com a competitividade do país”, afirma Débora, que diz não poder revelar o nome da empresa por sigilo contratual. 

No caso dessa empresa, segundo ela, o almoço é feito num refeitório no local de trabalho e a maior parte dos trabalhadores demora menos de 30 minutos para fazer a refeição. “Se o negociado no dissídio ou acordo coletivo não tem amparo na lei, talvez o melhor para muitas empresas seja não fazer nada”, afirma Débora. Para evitar questionamentos futuros, diz ela, a legislação precisa ser atualizada e devem ser criados mecanismos para amparar acordos negociados entre as empresas e os trabalhadores. 

NAS MÃOS DO CONGRESSO - Com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios, o presidente Michel Temer deve enviar ao Congresso Nacional, até dezembro, uma proposta de reforma trabalhista na qual pontos negociados entre empresas e empregados possam ter mais força do ponto de vista jurídico. O objetivo das medidas em estudo, segundo o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, é modernizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas sem revogar direitos dos trabalhadores.

“O que estamos propondo é a modernização da legislação trabalhista e não a flexibilização de direitos. O objetivo é atualizar e simplificar a interpretação da CLT para trazer uma fidelização no contrato. Buscamos um formato que prestigie a negociação coletiva no que diz respeito a salário e jornada de trabalho. O trabalhador é partícipe da economia e um consumidor em potencial”, afirma Nogueira, que vai fazer novas reuniões com representantes dos empresários e dos trabalhadores para buscar um acordo. 

Em 21 de julho, após reunião em São Paulo com sindicalistas, Nogueira afirmou que o governo quer prestigiar a negociação coletiva. “Vamos definir em que pontos a convenção coletiva poderá deliberar nessa relação entre capital e trabalho, como questões de salário, carga horária e momentos de crise”. Além da modernização da CLT, o governo quer ainda regulamentar a terceirização, assunto em discussão no Congresso, e tornar permanente o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), conforme a assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho. 

“Esses pontos da reforma trabalhista são bem razoáveis e são mudanças que o país precisa já há algum tempo”, afirma o cientista político Sérgio Praça, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Para ele, a legislação trabalhista brasileira é muito rígida e atualizá- la pode contribuir para estimular o crescimento e gerar novos empregos com a retomada da atividade econômica. “O mundo do trabalho mudou muito desde que a CLT foi criada e as leis precisam ser adequadas à realidade atual. Momentos de crise como o que enfrentamos, com milhões de desempregados, criam um ambiente propício para discutir mudanças”, avalia Praça. 

FLEXIBILIDADE - O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, avalia que a reforma trabalhista é uma agenda difícil de ser levada, mas necessária para melhorar a competitividade do Brasil e criar novos empregos. “Acho que não será necessária uma revolução. O ideal é concentrar a discussão em algumas mudanças mais relevantes e buscar um consenso político”, afirma. Sem possibilidade de regras mais flexíveis, diz, “as empresas acabam fazendo ajustes em cima dos seus quadros” nos momentos de crise. 

Regras mais claras darão mais segurança jurídica para as empresas, mas a reforma trabalhista não resolverá os problemas da economia brasileira, avalia o advogado Paulo Sérgio João, que defende regras para fortalecer a negociação coletiva nos locais de trabalho. Segundo ele, um mesmo segmento industrial comporta empresas de diferentes tamanhos e os acordos coletivos devem considerar essa realidade. “Muitas pessoas trabalham hoje a distância e, portanto, é necessária mais flexibilidade para cumprir a jornada de trabalho”, destaca o especialista na área. 

“Medidas para melhorar as relações de trabalho estimulam os investimentos e reduzem custos de eventuais ações trabalhistas futuras”, ressalta o economista Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria. Entretanto, ele destaca que o problema do Brasil hoje é principalmente fiscal e a prioridade da agenda legislativa deve ser aprovar, no Congresso Nacional, medidas para ajustar as contas públicas. No entanto, diz Jensen, no processo de retomada da atividade econômica, regras mais claras no mercado de trabalho serão um fator positivo para a instalação de um novo ciclo econômico virtuoso. 

Regras mais claras são fundamentais para que empregadores e trabalhadores possam negociar ajustes nas rotinas e condições de trabalho, afirma Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI). No ano passado, quando foram feitos cerca de 18 mil acordos coletivos no país, a Justiça do Trabalho recebeu mais de 4 milhões de demandas de trabalhadores, segundo ele. “Quando falamos em valer o negociado, não estamos falando em retirar direitos trabalhistas. Queremos é modernizar a legislação”, diz o dirigente da CNI. 

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