Quem são as mulheres na ciência e por que elas precisam estar cada vez mais presentes

Dia das Meninas e Mulheres na Ciência chama atenção para representatividade de gênero nos espaços de inovação no Brasil

Quatro mulheres com equipamento de segurança sorrindo em laboratório
Entre 2010 e 2021, o número de alunas que concluíram cursos superiores nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática aumentou 96%

Foi dentro de casa que a engenheira eletricista e tecnóloga em mecatrônica Jorsiele Cerqueira encontrou inspiração para entrar no mundo da ciência. Hoje como gerente da área de automação industrial do SENAI Cimatec, em Salvador, ela é responsável por uma equipe de 62 pessoas que trabalham na primeira planta de segurança cibernética do Brasil.

“Meu primeiro contato foi ver minha irmã se apaixonando pela mecatrônica. Foi minha primeira referência desse mundo robótico, desse ambiente tecnológico, da automação digital", lembra. Ao ver uma menina tão próxima nesse universo, ele pareceu menos distante e uma opção para a vida dela também.

Depois do curso técnico no SENAI veio a graduação tecnológica e a especialização e a docência, antes de ser gerente. É como professora que Jorsiele passou a ser inspiração para outras meninas. “É a primeira ponte de acesso para você se identificar naquele local. Tendo uma mulher em sala de aula, em uma gerência, em um âmbito industrial, com certeza a gente consegue ganhar mais presença feminina daquelas que talvez estão em dúvida ou aquelas que talvez tenham medo de entrar”, afirma.

Mulher de pé em laboratório com planta industrial segurando equipamento
Para a engenheira eletricista Jorsiele Cerqueira, a representatividade feminina é essencial para estimular a presença de mais meninas e mulheres na ciência

Hoje a participação feminina nas engenharias ainda não chega a metade. Elas são 19,6% dos registrados no Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea) e 37,3% dos formandos em cursos de graduação de engenharia, produção e construção, de acordo com o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Outros dados sobre as mulheres na ciência:

  • Elas são 43,7% dos pesquisadores brasileiros, de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);
  • Entre 2010 e 2021, o número de alunas que concluíram cursos superiores nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, na sigla em inglês) aumentou 96%, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep);
  • A média feminina de permanência na graduação desses cursos é de 77,5%, frente a 73% da média masculina, segundo análise Evolução das Mulheres no Ensino Superior, realizada pela Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

É a partir da pesquisa científica que nascem soluções que mudam a vida de muita gente, desde medicamentos até novos equipamentos e é por isso que é tão importante as mulheres estarem nos ambientes de inovação.  

Elaborado pela Accenture, o estudo “Gender Equality Innovation Research, de 2019, mostra que negócios diversos e inclusivos são até 6 vezes mais criativos e que a cultura de inovação pode ser até 600% a mais nessas companhias, comparado a empresas não diversas.Os dados revelam também que as empresas diversas têm menos barreiras para inovar e têm 85% menos medo de errar.

Para a especialista em desenvolvimento industrial do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Monique dos Santos, com um número maior de pesquisadoras, a indústria ganha em representatividade e em diversidade de perspectivas e de talentos. “Com isso, a produção industrial pode alcançar novos resultados e soluções inovadoras em tecnologias, produtos e processos”, afirma.

  • Se você quer saber mais sobre diversidade nas empresas, ouça o podcast Indústria de A a Z aqui.

Diferentes iniciativas apontadas por Monique para impulsionar a participação feminina nas ciências são:

  • bolsas de estudo e vagas profissionais exclusivas; 
  • premiações para reconhecer o trabalho de mulheres nas áreas de ciência e tecnologia; 
  • redes de mentoria com pesquisadoras que conseguiram uma posição de destaque na área, para que possam guiar e inspirar jovens cientistas; 
  • programas de sensibilização, que conscientizem sobre pautas de diversidade, equidade e inclusão.

Na Rede de Institutos SENAI de Inovação, são inúmeros os destaques de atuação feminina. Criada em 2012, a rede com 28 institutos que conta com cerca de 1,2 mil colaboradores já desenvolveu mais de 2,6 mil projetos, mobilizando cerca de R$ 2 bilhões em recursos.

Da licença-maternidade para o laboratório 

Pesquisadora do ISI em Química Verde, no Rio de Janeiro, Bruna Farjun, estava de licença-maternidade quando a pandemia de Covid-19 começou e ela sentiu vontade de contribuir no enfrentamento à doença. Em abril de 2020, a cientista, que tinha experiência com testes de diagnóstico, ingressou na rede de institutos do SENAI. “Foi extremamente desafiador. Tínhamos uma carência de insumos, assim como o mundo todo. Foi um desafio, mas também super gratificante”, afirma. 

No momento atual, Bruna trabalha em diferentes projetos na área de saúde. Um deles é focado no jaborandi, planta brasileira que contém um composto químico muito usado em medicamentos. Quando cultivada em ambientes controlados, como laboratórios, a espécie ameaçada de desmatamento tem uma queda no teor do composto, quando comparada às condições na natureza. O trabalho da pesquisadora é estratégias para maximizar a produção dessa substância.

  • Conheça aqui outros exemplos de bioeconomia que estão no seu dia a dia
Mulher branca com crachá sentada em laboratório sorrindo
"Tento estar atenta às mulheres que chegam, para também oferecer esse acolhimento e segurança", conta a pesquisadora Bruna Farjun

Um outro projeto em que Bruna trabalha foca na análise de grandes conjuntos de dados relacionados ao impacto dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) sobre os sistemas de saúde e previdenciário e a qualidade de vida dos pacientes. A pesquisa é desenvolvida em uma parceria entre o SENAI e o SESI (Serviço Social da Indústria).

Uma terceira linha de atuação da pesquisadora é o uso de bacteriófagos (vírus que infectam bactérias) para o controle de doenças causadas em bovinos. 

Sobre a participação feminina na área das ciências, a bióloga reconhece as dificuldades, mas também reforça a importância da união e diz não perceber “um clima de competição tão grande entre mulheres, mas, sim, um trabalho de acolhimento”. Nesse cenário, Bruna tenta cumprir sua parte na mudança.


“Tento estar atenta às mulheres que chegam, para também oferecer esse acolhimento e segurança. Acho importante que, uma vez que nós ocupemos esses lugares, façamos o trabalho de trazer mais mulheres para perto, de uma maneira mais segura e acolhedora”, ressalta.


Vinda de uma família com diversos professores, o estímulo nos estudos sempre esteve presente, mas o interesse pela ciência surgiu de forma autônoma. “O núcleo familiar proporcionou esse arcabouço de valorização do conhecimento, porém o entendimento do que era o ambiente acadêmico e a área da ciência, foi construído ao longo da minha trajetória”, conta. Enquanto estava no ensino médio, Bruna participou de um curso técnico em biotecnologia. A partir daí, veio a graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, esse último nos Estados Unidos.

Primeira cientista da família e com muitas pesquisas pela frente

Aos 14 anos, Bárbara Viveiros, também pesquisadora do ISI em Química Verde, tinha o desejo de seguir carreira na administração. Na mesma época, teve contato com a disciplina da química e foi lá que  surgiu o fascínio por entender como funcionam os fenômenos e processos ao nosso redor. Fez um curso na área e hoje é graduada, mestre e doutoranda em química, além de especialista em tecnologias industriais farmacêuticas. 
 
Primeira cientista da família, ela ressalta como os parentes demoraram para entender sua paixão. “Foi algo realmente muito novo, tanto para mim quanto para minha família. A minha mãe, no meu primeiro ano de curso técnico, falou ‘olha, se você não gostar, você pode desistir a qualquer momento’. Depois de um ano, ela questionou ‘tem certeza ainda?’”, lembra a pesquisadora.

Hoje, com 10 anos de formações acadêmicas e experiências profissionais, a família enxerga a escolha de Bárbara de outra forma. “Meus familiares, especialmente minha mãe, sentem orgulho ao me ver dedicada aos estudos e alcançando meus objetivos. Sinto uma imensa gratidão por todo o apoio que meus pais me deram para chegar até aqui e fico extremamente feliz por poder compartilhar cada conquista com eles”, conta com entusiasmo, e acrescenta que esse é só o começo, pois pretende “estar idosa e ainda trabalhar com pesquisa”. 

Mulher branca com crachá sentada em laboratório
“Muitas vezes, as alunas são incentivadas aos cuidados, ou às áreas de estética, cosméticos e enfermagem, mas não às áreas de pesquisa, como engenharia ou química”, afirma Bárbara Viveiros

Em 2021, quando pretendia iniciar o doutorado, Bárbara decidiu que o próximo diploma iria esperar mais um pouco. O foco dela seria direcionado para os projetos do novo cargo como técnica em serviços tecnológicos no ISI em Química Verde. “A vaga me chamou muito a atenção por oferecer a possibilidade de atuar com pesquisa aplicada. No meio acadêmico, eu não via a aplicação real daquilo que estava constituindo. Como era exatamente isso que eu queria, eu decidi aproveitar essa oportunidade”, explica a cientista. 
 
Como pesquisadora do ISI, Bárbara colabora em projetos voltados para a exploração consciente de recursos da biodiversidade brasileira, os quais podem ser empregados em novas formulações de medicamentos ou cosméticos. Além disso, a cientista atua no desenvolvimento de metodologias que visam à identificação e quantificação de diferentes compostos químicos. 

Ao mesmo tempo, Bruna se dedica ao doutorado voltado para seleção, obtenção e avaliação farmacológica de potenciais inibidores para o tratamento de doenças cardiovasculares. 

Desde a graduação, quando participou de um projeto de extensão para incentivar meninas a seguirem carreira na química, a pesquisadora enxerga a presença feminina na área das ciências como um ponto que precisa de atenção. “Muitas vezes, as alunas são incentivadas aos cuidados, ou às áreas de estética, cosméticos e enfermagem, mas não às áreas de pesquisa, como engenharia ou química”, afirma.

Para Bárbara, esse cenário deve mudar, porque “com mais mulheres ocupando lugares de destaque no campo das ciências, elas poderão contribuir significativamente para o avanço de diversas áreas de pesquisa, inclusive na área da química”. 

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