Sem elas, não teria wi-fi. A computação não seria o que é, pois delas vieram o primeiro software amigável, os algoritmos de computador, o identificador de chamadas. Imagine o frio dentro de casa na falta do sistema de aquecimento central. Ainda conservaríamos alimentos dependendo apenas das propriedades do sal, pois sem elas não teria geladeira. Sem elas, todos os acidentes náuticos seriam completas tragédias, pois também não teria bote salva-vidas. Ou escadas de incêndio.
Você talvez não goste nada, nada de seringas, mas provavelmente gosta de cerveja. Cada uma dessas invenções é obra de uma mulher. Reconhecer o trabalho de quem inova e proteger esse conhecimento é a missão da propriedade intelectual. Hoje (26), o Dia Mundial da Propriedade Intelectual tem como tema o fortalecimento e reconhecimento das mulheres na inovação.
No mundo, em geral, as mulheres experimentam um crescimento significativo na ciência, que é a base do desenvolvimento da inovação. De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) e o relatório Elsevier Gender in The Global Research Landscape (Gênero no cenário da pesquisa global, em tradução livre), de 2017, mulheres respondem por 40% dos pesquisadores em nove das 12 regiões geográficas analisadas - União Europeia (28 países considerados em bloco), Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, França, Brasil, Dinamarca e Portugal.
No Brasil, a relação de gênero, em número de pesquisadores, está mais próxima da igualdade: 49% dos autores de pesquisa e artigos científicos são mulheres. Só entre 2011 e 2015, a participação das mulheres cresceu 11% no país - índice semelhante ao da Dinamarca.
Quando o assunto é patente - que, ao lado de marcas, desenho industrial, indicação geográfica, programa de computador e topografia de circuito integrado, compõe formas de proteção à propriedade intelectual no Brasil -, as mulheres brasileiras ostentam representatividade superior à média internacional e de países desenvolvidos: entre 2011 e 2015, 21% dos depósitos de patente no Brasil foram feitos por mulheres, contra 19% na União Europeia, 18% no Reino Unido, e 15% no Japão.
INVENÇÃO - No Brasil, 19% dos inventores são mulheres. Aqui, a marca é significativamente maior do que em países ricos, como Dinamarca (13%), União Europeia (12%), Austrália (12%) e Japão (8%). "Incentivar a participação feminina na ciência e encorajar a busca por patentes é mais um passo em direção à redução das desigualdades de gênero na sociedade e na economia", afirma João Emílio Gonçalves, gerente-executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que mantém o Programa de Propriedade Intelectual para o Desenvolvimento Industrial.
A melhor materialização das estatísticas é a história de Joana D'Arc Felix, 54 anos. Formada pela Unicamp e pós-doutora em química pela Universidade de Harvard, Joana soma 15 patentes concedidas no Brasil e em 30 países - leia entrevista publicada na Agência CNI de Notícias. Ela espera a decisão de outras duas, em análise no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão brasileiro responsável pela concessão de patentes.
A professora e seus alunos da Escola Técnica Estadual Professor Carmelino Corrêa Júnior (ETEC), de Franca (SP), desenvolvem pesquisa de ponta e criam novos produtos a partir de resíduos industriais, sobretudo dos setores calçadista e de couro, bastante tradicionais na região.
PATENTES - De vez em quando - mais frequentemente do que nos damos conta, a inovação resolve um problema que, até então, era insolucionável. Foi assim que nasceu o cimento ósseo, composto pelo colágeno extraído de resíduos do couro somado ao hidróxido apatita, presente nas escamas de peixe descartadas em fazendas de tilápias de cidades próximas à Franca.
"O cimento ósseo pode ser usado para reconstituir a parte perdida e ainda estimula o crescimento do próprio osso humano. Na medida em que a pessoa se recupera, o organismo absorve o cimento. Ou seja, não há rejeição ao enxerto", explica Joana. As vantagens vão além. Enquanto o quilo do hidróxido industrializado chega a R$ 3 mil, a extração a partir das escamas derruba o preço para R$ 0,50. Com o colágeno, o quilo baixa de R$ 150 para R$ 0,80. A tecnologia foi transferida a uma empresa privada e está em fase de implementação.
Com os estudantes, que têm entre 14 e 20 anos, Joana também criou o que chama de pele humana artificial. Ao estudar as características da pele suína, que é 78% compatível com a humana, a equipe descobriu que o que fazia com que os enxertos fossem rejeitados pelo corpo humano são as células do epitélio suíno.
Os pesquisadores conseguiram isolar essas células e, assim, a pele criada por eles se tornou 100% compatível à humana. "Vítimas de queimaduras, acidentes e mesmo testes hoje feitos em animais poderão utilizar a pele artificial de maneira definitiva", explica Joana. Assim como o osso, a tecnologia também foi transferida para a iniciativa privada e deve ser produzida em escala em breve.
"A ciência e a educação realmente transformam a vida das pessoas. Quando a gente deposita uma patente - e a academia brasileira é muito pouco direcionada nesse sentido - devolve para a sociedade tudo o que recebeu para chegar até aqui. Estudei na melhor universidade da América Latina, que é pública. Não adianta nada produzir conhecimento que não é de interesse da sociedade", crava Joana. Hoje, há uma lista de espera de alunos que querem integrar o grupo de pesquisa da cientista.