Inclusão nas escolas é um processo coletivo, e não individual

Em três dias, Seminário Internacional de Educação Inclusiva SESI debateu sobre a importância de garantir ambientes inclusivos, políticas públicas e trabalho colaborativo

“O conceito de inclusão tem a ver com o ambiente que criamos para que as pessoas possam atingir o melhor daquilo que podem ser.” As palavras do professor doutor David Rodrigues na abertura do 1º Seminário Internacional de Educação Inclusiva SESI fizeram o público refletir que inclusão não é um processo individual, mas interativo e social.  

A conversa teve como tema “Educação e inclusão: lugar de avanços e possibilidades”. David, que é membro do Conselho Consultivo da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação e mora em Lisboa, trouxe conceitos como educabilidade universal, ambientes inclusivos e colaboração.   

Para ele, não é só o professor, o livro ou a escola que ensinam. “O meio em que vivemos é capacitante. Muitas vezes pensamos na inclusão somente de uma pessoa, mas esquecemos que essa é uma pessoa no meio de outras pessoas”, explicou.   

O professor David Rodrigues participou do evento de maneira on-line

Esse ambiente só poderá ser inclusivo com a colaboração de todos. David pontuou que “nenhum professor sozinho, por melhor que seja, pode sustentar uma escola inclusiva, nenhum de nós sabe tudo, por isso precisamos trabalhar em conjunto”.  

Por fim, ele reforçou a importância de recursos, tecnologias e equipamentos para a educação inclusiva, que muitas vezes só são possíveis com políticas públicas. “O bom lugar para educar as crianças é a escola regular, mas precisamos dar financiamento para as escolas especiais”, afirmou. Em Portugal, por exemplo, 99% dos alunos com deficiência estão em escolas regulares.   

O evento começou na quinta-feira (24), no SESI Retiro, em Salvador (BA). Durante três dias, os participantes tiveram palestras, rodas de conversa, bate-papos e oficinas, além de apresentações culturais regionais, como capoeira e dança, da APAE de Salvador.

A unidade do SESI Retiro foi escolhida para sediar o evento porque, além de ser uma escola inclusiva, abraça as pessoas que vivem ali na região. O diretor de operações do SESI, Paulo Mól, falou na abertura do evento sobre a emoção de estar na unidade. 

“É uma escola com uma infraestrutura perfeita, cercada pela comunidade, e isso é inclusão. É dar oportunidade àqueles que não têm. Quando o seminário pousa na Bahia e pousa no Retiro, isso me deixa emocionado. Porque acredito que a inclusão fala por outros sinais, e esse é um deles”, disse. 

Papo aberto: como avaliar?  

“Qual é o sentido que a avaliação tem assumido nas escolas?” foi o questionamento que Eduardo Lannuti, pesquisador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trouxe para o bate-papo do segundo dia de seminário. Para ele, as provas não deveriam ser a finalidade do aprendizado.   


“Se a avaliação está intrínseca à atividade avaliativa, ela não deveria ser entendida como resultado, deveria servir para acompanhar o trabalho que tem sido desenvolvido. Hoje a gente ensina para o aluno ir bem na prova, e a avaliação perde o sentido de acompanhar os processos de aprendizagem”, explica.   


Luzia Lima-Rodrigues, pós-doutora em Educação Especial e Terapias Expressivas pela Universidade de Lisboa, também participou do bate-papo. Ela citou diversas formas de eliminar barreiras na hora da avaliação, como um aluno com dificuldade de prestar atenção que pode precisar de mais tempo na prova, a confecção de testes em braile, colocar um espaço maior entre as linhas para uma pessoa com dislexia ou fazer uma prova no computador. 

Para isso, é necessário mais que esforço coletivo, mas também incentivos financeiros. Ao final da conversa, Luzia resgatou a palestra de abertura e a necessidade de políticas públicas. “Uma boa inclusão se faz com financiamento, porque o que determina que uma escola é inclusiva não é a matrícula, é uma escola que aposta numa altíssima qualidade para todos os alunos”, pontuou.   

O meio de avaliação mais tradicional, a prova, pode ser substituído pela observação direta, trabalhos avaliativos, sem deixar o acompanhamento familiar de lado. A mediação ficou por conta de Dalmo Araújo, coordenador da Educação Inclusiva do SESI-BA, que ressaltou a união entre família e escola: “Elas não podem estar separadas, porque essa parceria também faz parte da avaliação”.  

Salas temáticas: diversos olhares para a inclusão

A programação também contou com oito salas temáticas sobre: tecnologia assistiva, Transtorno do Espectro Autista (TEA), deficiência intelectual, superdotação, audiodescrição, psicomotricidade e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Denise de Oliveira Alves, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Coordenadora do Núcleo de Acessibilidade da instituição, ministrou a oficina sobre “Deficiência Intelectual – do diagnóstico ao acolhimento – protagonizando o sujeito aprendente”.  

Segundo a especialista, existe uma delicadeza ao falar de inclusão para esse público, porque é mais fácil construir o recurso externo, como uma rampa para uma pessoa com deficiência física. Por isso, ela quis trazer o protagonismo para esse tipo de deficiência e enfatizar as formas de acolhimento.  

“Para que o estudante se sinta acolhido, é preciso sensibilização ao tema, informação, escuta sensível e criar uma rede de apoio”, ponderou. “Pessoas com deficiência intelectual precisam sair de um lugar de invisibilidade para se emanciparem como sujeitos de aprendizagem."  

Taiala Ferreira, 35 anos, é assistente social, trabalha no SESI-BA e acredita que a inclusão é um tema que precisa ser discutido para sair do papel e acontecer dentro e fora das escolas. 

Taiala Ferreira é assistente social e trabalha no SESI-BA

Ela participou da sala temática sobre o TEA e achou muito enriquecedor a troca de conhecimento. “O palestrante trouxe muitas coisas relevantes, e as pessoas da sala tinham vivência com o tema. Tinha uma professora autista e ele nem conseguiu passar todos os slides, porque houve muita interação”, comentou.  

Confira imagens das oficinas e também do evento:

Quem educa, muda o cérebro 

Em uma das rodas de conversa da programação, sobre “A importância da neurociência para o desenvolvimento da aprendizagem – como o cérebro aprende”, os convidados foram Ana Luiza Neiva Amaral, doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista de Desenvolvimento Industrial do SESI Departamento Nacional, e o neurocientista Fernando Lauria, fundador do Instituto Limbios de Neurociência e Educação.  

Autora do livro Neurociência e Educação: olhando para o futuro da aprendizagem, Ana Luiza explicou o porquê um educador precisa saber como o cérebro aprende: “O que mais impacta o desenvolvimento do sistema nervoso é a aprendizagem, as experiências e os estímulos”. 

Com mediação de Thaís De Luca, a roda de conversa contou com a doutora em educação Ana Luiza Amaral e o neurocientista Fernando Lauria

Portanto, quem educa precisa conhecer o cérebro e estar mais preparado para preparar aulas com intenção.  Nem todas as práticas vão ter o mesmo impacto no desenvolvimento cerebral. E todo desenvolvimento requer contato humano. "Eu preciso do outro para aprender. A aprendizagem só faz sentido na troca e no olho no olho. A neurociência diz que a qualidade da relação é determinante", afirmou a  especialista de Desenvolvimento Industrial do SESI-DN.  

Além de práticas mais intencionais, Fernando Lauria acredita que os educadores têm um importante papel como agentes transformadores, principalmente na educação inclusiva. “Podemos nos deparar com estudantes com diversos transtornos. E está aí a necessidade de entender como o cérebro processa e recebe informações. O primeiro ponto para qualquer tipo de luta para permitir a inclusão é entender os perfis sensoriais dos alunos”, relatou.  

Hipersensibilidade no TEA 

Para finalizar o segundo dia de evento, a palestra sobre Transtorno do Espectro Autista foi ministrada pelo médico psiquiatra e doutor em Ciências da Saúde, José Belizário. “TEA - ideias e ideais nas possibilidades de aprendizagem” discutiu o estigma acerca do transtorno e os níveis de gravidade em uma conversa cheia de exemplos do cotidiano. 

Um dos aspectos abordados por Belizário foi a dificuldade sensorial que crianças dentro do TEA têm. O corpo humano recebe vários estímulos tanto do meio externo quanto do interno. Escovar os dentes, lixar uma unha ou escrever com um grafite ruim podem incomodar. O lápis que seria usado para um simples dever de casa, se arranha, pode irritar uma criança com sensibilidade. 

“Coisas que seriam lúdicas se transformam em irritação e quanto mais você insiste, mais irrita. E vão aparecer cada vez mais em sala de aula”, explica. “A gente tem que pensar escolas que ajudem nessas dificuldades sensoriais.” Para manejar as alterações sensoriais, é preciso ser um detetive e criar estratégias que acessem as áreas com maiores dificuldades na criança.  

O primeiro Seminário Internacional de Educação Inclusiva SESI contou com transmissão ao vivo pelo YouTube. Perdeu as lives? Clique aqui e confira todas as palestras gravadas.  

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