Ao andar com o uniforme brasileiro pelos corredores da WorldSkills (WS), por onde circulam diariamente cerca de 60 mil pessoas, é comum ouvir um “Brazil, Brazil”. A abordagem vem quase sempre com um pedido de alguma lembrancinha do país, já que as delegações costumam trazer pins, mochilas, chaveiros e outros brindes para trocar.
Tem quem arrisque um passinho ou faça comentários como “Copacabana”, “I love Brazilian funk” e “pão de queijo”. Não há dúvidas de que o Brasil é pop. O país que ainda patina para diminuir a desigualdade social e melhorar os índices de educação da população, tem do que se orgulhar no mundial da educação profissional. E não falo só da simpatia que temos de franceses, portugueses, ingleses e até dos sisudos japoneses e chineses.
Para os integrantes das delegações e a organização da WS, o Brasil tem uma trajetória consolidada e inspira outras nações tanto pelo modelo de educação profissional oferecido pelos serviços nacionais de aprendizagem quanto pelos resultados na competição - e uma coisa está diretamente ligada à outra.
Um exemplo é a ocupação #05 Desenho Mecânico em CAD, que rendeu ao país sete pódios consecutivos: um bronze, duas pratas e quatro ouros. Para o português Dário Pinto, responsável pela ocupação como um todo na função de Skills Competition Manager, esse resultado é fruto de muito trabalho.
“Não só os competidores são muito bons, bem selecionados, mas também têm uma excelente equipe por trás que os preparam como deve ser. E claro, o Brasil tem um conhecimento muito profundo da competição. E isso ajuda em todos os níveis, não só na preparação do competidor, mas também na participação na competição”, acredita.
Grande player industrial
Simon Bartley, que presidia a WorldSkills internacional quando São Paulo sediou o mundial, em 2015, destaca que o Brasil tem influência e um papel relevante desde que se filiou à organização, em 1981. Especialmente para a América do Sul e o Caribe.
“O SENAI, como a organização que apoiou a educação vocacional e tecnológica no Brasil, foi o que escalou o sucesso do país, não apenas para desenvolver a equipe WorldSkills, mas também para ensinar os jovens sobre as habilidades técnicas. Vocês sempre colocaram uma grande equipe, que cobre diferentes áreas, da construção e engenharia à hospitalidade”, observa.
Segundo o presidente honorário da WS, um dos países mais tecnologicamente avançados é também um player industrial global.
“O Brasil sempre tem sido observado por outros países, às vezes com um pouco de inveja, às vezes com admiração”, brinca.
As lições para chegar ao topo
Delegado técnico de Portugal, Carlos Diogo lembra que o Brasil não tinha tradição na ocupação de Carpintaria, quando ele começou sua trajetória na WorldSkills em 1997 como expert. Tanto que ele só teve conhecimento da reputação brasileira quando se tornou delegado técnico assistente e se aproximou do professor José Luis Leitão, que coordenou a delegação brasileira por muitos anos.
“O surpreendente foi que, quando eu comecei a participar, o Brasil estava mais ou menos no nível de Portugal. Mais tarde, sobretudo a partir de 2015, e em 2015 foi a afirmação disso, o Brasil deu um salto qualitativa muito grande. E aí surgiu a questão ‘como’, 'o que é que estão a fazer de diferente?’, recorda.
Além da troca de experiências com a Coreia, que por muitos anos se manteve no topo do pódio da WorldSkills, ele conta que uma boa prática era a do centro de treinamento nacional para manter a equipe concentrada nos meses que antecediam a competição. Vendo que a metodologia de treino contínuo e a integração dos membros da delegação era um diferencial, eles adaptaram a estratégia.
“Em um ano, fazemos quatro encontros de uma semana. Juntamos toda a equipe num local e fazemos uma simulação do que acontece no campeonato internacional. Preparamos todos os postos de trabalho, cada um treinando para o seu papel, do delegado técnico, aos competidores e experts”, conta Carlos Diogo, que coordena a delegação portuguesa com 13 competidores.
Disputa pelos brasileiros
O Brasil tem o segundo maior time da WS Lyon, com 64 competidores e um total de 170 pessoas na delegação. Mas o DNA brasileiro está por toda parte. Se, em 2019, a Rússia, que estava atrás do título em casa, utilizou a expertise do SENAI para treinar os seus competidores; em 2024, são os Emirados Árabes Unidos (UAE, na sigla em inglês) que têm o português praticamente como segundo idioma.
Dr. Ali Marzouqi conta que essa aproximação começou em 2015. Como Abu Dhabi seria a sede da edição seguinte, em 2017, a coordenação da UAE acompanhou de perto a realização do evento na capital paulista.
“Nós trabalhamos com o SENAI há muitos anos, eles nos apoiaram e aprendemos muito. Acho que é um dos melhores sistemas vocacionais que eu já vi, honestamente. Eles aprenderam com a longa experiência, então é um sistema muito maduro. Sabem o que estão fazendo e têm a indústria com eles, apertando as mãos”, avalia o delegado técnico da EAU responsável pelo time de 17 competidores.
Além da qualidade do treinamento dos competidores e da maturidade do sistema, que atua muito próximo do setor industrial, Marzouqi elogia o comprometimento do brasileiro. Hoje, boa parte dos integrantes da delegação da EAU são medalhistas do Brasil de edições anteriores.
“A partir de São Paulo, nós começamos a realmente treinar. Começamos a ganhar medalhas de excelência e, na última competição, que foi a edição especial de 2022, nós tivemos a nossa primeira medalha de ouro, em Cuidados de Saúde”, comemora Dr. Ali Marzouqi. Adivinha quem treinou a campeã? Miriam da Silva, prata pela delegação brasileira em 2019.
Para participar da WS é necessário ser aluno de educação profissional. Este ano, do total de competidores brasileiros, 57 são estudantes de SENAI e 7 são do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).