Iniciação científica: entrada pro mundo da pesquisa abre caminhos para mais jovens cientistas

Mais que inovar e criar soluções, programas de incentivo à pesquisa científica têm o poder de transformar vidas e carreiras de jovens brasileiros. Confira histórias e programas que vão além da ciência

Aprender a questionar, ter pensamento crítico-social e criar soluções para problemas reais. É isso que a iniciação científica (IC) proporciona aos estudantes. Afinal, tudo ao nosso redor tem um porquê e as pesquisas são o caminho para explorar o mundo e encontrar as respostas. 

Em meio a esse universo de descobertas, os estudantes se tornam mais criativos, ganham autonomia, se transformam em protagonistas da aprendizagem, conhecem diferentes áreas de pesquisa e, claro, se divertem. 

Foi assim com os baianos Gabriel, Aline e João, exemplos claros de que a iniciação científica pode levar você muito longe! 

Quando entrou no Serviço Social da Indústria (SESI) Piatã, na Bahia, aos 15 anos, Gabriel Negrão não imaginou que estudaria nos Estados Unidos um dia. Hoje, aos 22 anos, ele cursa o segundo ano de faculdade. Vem, vou contar como tudo aconteceu... 

O jovem começou a se interessar pela ciência por causa da irmã, diagnosticada com Transtorno de Borderline. O tratamento é feito com medicamentos caros, segundo Gabriel. Além de questionar os preços, ele pesquisava sobre a produção farmacológica. Assim, surgiu um jovem cientista. 

Na 2ª série do ensino médio, o baiano entrou em um dos grupos de iniciação científica da escola, dedicado a tecnologias verdes. 

Ao sair do ensino médio, Gabriel buscou oportunidades em países com fortes investimentos em pesquisas. Optou pelos Estados Unidos. Mas não foi tão fácil assim... filho de costureira e sem condições de pagar uma faculdade particular, ele começou a estudar inglês e a se preparar para conseguir uma bolsa de estudos. 

Fez uma prova, enviou histórico escolar, cartas de recomendação de professores e escreveu redações sobre projetos acadêmicos, extracurriculares e pessoais. Foi um longo processo, mas Gabriel conseguiu ser aprovado na Oberlin College, com bolsa de estudos integral, que custa em média US$ 77 mil por ano, o que equivale a 414,2 mil reais. Lá, ele cursa química e biologia ao mesmo tempo. 

“Escolhi os dois porque tenho um interesse muito grande em química, mas também gosto de entender um pouco mais sobre os medicamentos, como uma molécula vai interagir com o sistema biológico”, explica. 

Na faculdade, ele aprende, mora e trabalha. Para se manter e não sobrecarregar a mãe financeiramente, Gabriel já trabalhou no refeitório servindo comida e, agora, é tutor de química da biblioteca. 

Para o futuro, o jovem pretende seguir a área de farmacologia e, talvez, faça dos Estados Unidos o seu lar permanente. 

Moradora de Salvador, Aline Cezar faz jus à expressão baiana arretada. Ela quer ser a melhor em tudo que faz. Aline tem 24 anos e, assim como foi com Gabriel, a iniciação científica abriu a fronteira do Brasil para que ela pudesse estudar. 

Entrou no SESI Piatã aos 15 anos e foi uma das primeiras estudantes a fazer parte do programa de iniciação científica do SESI Bahia. Como Aline mesmo brinca, ela foi uma das pesquisadoras raiz. 

“O SESI foi um divisor de águas na minha vida. Existe a Aline antes e depois do SESI”, conta. 

Integrante do grupo de tecnologias verdes, ela desenvolveu um saquinho de fécula de mandioca para substituir as embalagens em que as plantas são comercializadas. 

Química foi a primeira disciplina que trouxe a tinta vermelha para o boletim. Em vez de desistir, a meta virou ser muito boa naquilo.  

O pai, aposentado dos Correios, e a mãe, dona de casa, sempre buscaram dar a melhor educação para a filha, que se formou no ensino médio, fez curso de eletrotécnica, mas não parou por aí., Aline quis mais. 

A baiana, que pretendia fazer engenharia elétrica, caiu de paraquedas no curso de engenharia de materiais no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) Cimatec. No entanto, esse paraquedas estava acoplado com uma bolsa de  100%, conquistada com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)

Integrante do grupo de tecnologias verdes, ela desenvolveu um saquinho de fécula de mandioca para substituir as embalagens em que as plantas são comercializadas

“Quando fui fazer a semana de integração no Cimatec, vi que engenharia de materiais era tudo que eu tinha trabalhado na iniciação científica, estava tudo conectado”, explica. 

Já na faculdade, Aline fazia parte de um movimento estudantil para incentivar mulheres na engenharia. A experiência mais marcante foi quando visitou uma escola pública e uma das crianças a desenhou como inspiração. 

Aline sempre sonhou em fazer intercâmbio. Em 2019, surgiu a chance de ir para a França estudar engenharia de materiais por um ano, com tudo pago.    

“Comecei a estudar francês sozinha, do zero. Estudava pela internet, usava aplicativo, pegava texto em inglês e fazia correspondência, participava de clube de conversação.  Só dois meses antes paguei uma professora particular”, conta. 

Aline não só foi aprovada, como tirou as maiores notas do SENAI Cimatec, tanto da prova quanto da entrevista e ficou por um ano estudando na Polytech de Montpellier, faculdade no Sul da França. De 60 pessoas da sua turma, ela era a única estrangeira e, muitas vezes, a única negra ou mulher na aula. 

“Apanhei muito, porque era outra língua, outra cultura. Às vezes, não falava que era brasileira, porque tem um estigma de sexualização. Quando você fala que é brasileira, muda completamente a conversa”, lembra. 

A menina apaixonada por ciências fez estágio na Fortlev e, hoje, trabalha como estagiária na Boticário, enquanto cursa o 9º semestre de engenharia de materiais. Ela quer ser inspiração.  

“Nos cobramos tanto, mas esquecemos do que já passamos para chegar até aqui. Se eu desistir, outras pessoas podem desacreditar de chegar nesses lugares”, finaliza. 

Do SESI Piatã para o técnico em petroquímica, do técnico para a Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e, de lá, para a Flórida. Calma, o João Vitor, de 22 anos, tem muita história para contar. Vamos por partes. 

João cursou o ensino médio no SESI. Na 2ª série, entrou para a iniciação científica e desenvolveu um projeto com microalgas para reduzir a emissão de gás carbônico. Pela qualidade, o projeto conquistou o primeiro lugar do Prêmio Jovem Cientista e da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace)

Cursar engenharia de materiais em uma federal era o grande desejo desse baiano. Por ter familiares em São Paulo, as universidades de lá se tornaram o alvo. Em 2019, ele foi aprovado na UNESP. 

O menino, que morava perto de um aeroporto e cresceu vendo os aviões passando por cima da sua cabeça, se encantou pelo universo das aeronaves. Na faculdade, integrou um projeto de extensão em aerodesign, onde conseguiu investigar o que era curiosidade de infância: como os aviões voam. 

“Construímos aviões de rádio controlado. Em 2019, participamos de uma competição nacional e ficamos em segundo lugar, que nos rendeu uma credencial para participar do internacional, que acontece na Flórida, nos Estados Unidos”, conta. 

Filho de costureira e pai lojista, João foi o primeiro da família a ter acesso à universidade pública. Hoje, está no 8º semestre da graduação e vai iniciar estágio na área de aerodesign da Embraer. 

A iniciação científica por todos os cantos 

Essas três histórias nasceram no programa de iniciação científica do SESI Bahia. Mas, assim como esse, existem diversos outros espalhados pelas escolas brasileiras. Reunimos quatro programas inspiradores, desenvolvidos em unidades do SESI, que você não pode deixar de conhecer! 

Oxente, na Bahia tem pesquisa 

Já que estamos falando da Bahia, vamos começar com o Programa de Iniciação Científica SESI Bahia, que conta com 74 professores e tem, em média, 1,2 mil estudantes, sendo 55% meninas. 

O programa, iniciado em 2014, disponibiliza, 500 vagas por ano, distribuídas nas áreas de: engenharia e matemática; ciências humanas; ciências da natureza; e linguagens. Para participar, o estudante deve acessar o portal e passar por um processo seletivo. Ah, eles ainda fornecem 50 bolsas para os alunos no valor de 100 reais. As bolsas também contam com seleção específica, em parceria com o Instituto Euvaldo Lodi (IEL)


“Desde o edital, a gente já trabalha essa questão do protagonismo do estudante, porque ele que vai escolher o grupo de pesquisa que quer participar, de acordo com o interesse dele, na área em que se identifica”, destaca Fernando Moutinho, coordenador do programa. 


Só esse ano, mais de 30 projetos foram desenvolvidos por estudantes do programa. O SESI Bahia sempre está presente nas feiras científicas que acontecem pelo Brasil e, segundo o coordenador, elas são as responsáveis pela propagação da ciência no país. 

“As feiras fazem com que exista iniciação científica no país. Elas deveriam ter mais divulgação e valorização”, pontua Fernando. 

Em Sergipe tem pesquisador pra peste 

Ainda no Nordeste, você precisa conhecer o Programa de Iniciação Científica do SESI Sergipe, que surgiu em 2017 e já tomou conta da região. Mais de 50 alunos participam e desenvolvem seus projetos em qualquer área de pesquisa. 

No começo, os próprios professores escolheram os estudantes para o projeto piloto. Agora, o programa já tem processo seletivo com duas etapas: prova e entrevista. O diferencial aqui é que a entrevista é realizada pelos alunos que já integram o programa e a preferência de público é de estudantes a partir do 8º ano do ensino fundamental. 


“Com o programa, nós aprendemos coisas que, com o estudo comum, em sala de aula, não teríamos. Além disso, a atividade é mais lúdica, dinâmica e aprendemos a questionar”, conta a estudante Anne Beatriz, de 14 anos. 


Já o professor e orientador, Matheus Liniker, chama a atenção para o trabalho interdisciplinar que a iniciação científica estimula nos estudantes. "Quando falamos em iniciação científica estamos falando em quebrar as paredes das disciplinas, porque tudo é ciência, a nossa vida é um próprio laboratório”, conclui. 

Uai, no Goiás tem pesquisa por demais 

A Liga de Ciências da unidade SESI Planalto surgiu há pouco tempo, em agosto desse ano, mas já está dando o que falar. O professor Lucas Salvino decidiu criar o programa por sentir a necessidade de explorar projetos na área de ciências da natureza. 

Com equipes formadas por estudantes do ensino fundamental ao médio, o programa já soma 20 participantes e conta com três projetos em andamento, com temas de microbiologia, robótica e tecnologia e inovação. 

“A Liga tem me ajudado muito, porque em sala de aula aprendemos mais o básico e, aqui, nós conseguimos ir além, nos entregamos mais a ciências da natureza”, declara Marina da Silva, estudante de 14 anos.

Lucas explica que a ideia é servir de inspiração para outras unidades, já que a iniciação científica é uma grande oportunidade de os estudantes vivenciarem novas maneiras de construir o conhecimento. 


“Quando tiramos o estudante do chão da sala de aula, daquele currículo já definido, nós enriquecemos a sua formação. Esses jovens, que participam do programa hoje, no futuro, vão trazer isso que construíram e devolver de alguma forma para a sociedade”, pontua. 


Bah, os guris do Rio Grande do Sul amam ciência 

Chegamos à região Sul, onde a rede SESI do Rio Grande do Sul conta com o Programa Jovem Cientista. Mais de 1,2 mil estudantes a partir da 2ª série do ensino médio participam, desenvolvendo projetos nas áreas de ciências da natureza ou matemática. 

O objetivo do Jovem Cientista é fortalecer a iniciação científica e tem como diferencial a resolução de problemas com o uso da tecnologia. 


“Trabalhamos com a metodologia STEAM, então o programa conversa com essa metodologia, pensando em competências para o século XXI. Os estudantes devem criar projetos voltados para o mundo do trabalho ou que solucionem problemas de desenvolvimento socioeconômico local, estadual ou nacional”, destaca Danielle Rockenbach, coordenadora do programa. 


Por ano, 150 bolsas são distribuídas nas unidades SESI da região, com um valor que equivale a 50% do salário-mínimo. 

Incentivo e oportunidade são o que esses jovens e promissores talentos precisam para mostrar que o Brasil tem muito a contribuir com o mundo por meio da ciência.

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