Do trabalho informal ao estrelato

Ex-instrutor do SENAI em Panificação e Confeitaria começou a trabalhar aos nove anos como ajudante de copeiro e, atualmente, é chef de cozinha conhecido internacionalmente

"Sou cozinheiro e professor com muito amor e orgulho" - Deocleciano Brito

Nascido no Acre, Deocleciano Pereira Sá de Brito, 51 anos, é um embaixador da gastronomia brasileira. Mas quem o vê hoje, não imagina como a infância no interior do estado foi difícil. No início, cozinhar era uma brincadeira de criança que logo deu lugar ao trabalho precoce. Aos nove anos, começou como ajudante de copeiro em uma cozinha de comissaria para empresa aérea. Três anos depois, em meio a uma crise econômica, perdeu o emprego justamente por ser menor de idade. Então, fez de tudo um pouco. Engraxou sapatos, vendeu picolé e refresco, lavou carros e foi office-boy.

Em função do trabalho, ele ficava cada vez mais atrasado no processo de aprendizagem e, aos 18 anos, o jovem ainda cursava o quinto ano do ensino fundamental numa escola pública de Rio Branco. Não demorou muito para Deocleciano decidir abandonar os estudos. A justificativa era se dedicar integralmente à busca por um emprego, sair de casa e ter autonomia.

A realidade de Deocleciano não é estranha à estatística oficial. Em 2018, quase quatro em cada dez brasileiros com 19 anos não concluíram o ensino médio, idade considerada ideal para esta etapa de ensino. Entre eles, 55% pararam de estudar ainda no ensino fundamental, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Em 2017, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Brasil tinha 11,1 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos que não trabalhavam e também não estavam matriculadas em uma escola, faculdade, curso técnico de nível médio ou de qualificação profissional. Conhecidos como o grupo dos nem-nem: nem estudam e nem trabalham. 

É uma dura realidade brasileira, principalmente na região Norte, onde Deocleciano mora. Mas ser um nem-nem nunca fez parte dos planos dele. Proativo e dedicado, foi contratado como entregador de pão. Sua empregadora, Dona Lourdes, decidiu investir em seu potencial. Até porque, a esta altura, a filha dela, Maria Jurany, já estava apaixonada e se casaria com Brito.

Acompanhado dos filhos e da mulher, Deocleciano se formou em Administração em 2007

“Minha sogra foi peça fundamental de incentivo para meus estudos. Ela e a filha, que até hoje é minha esposa, me incentivavam muito a voltar a estudar e investir no conhecimento para que eu pudesse construir uma carreira sólida”, conta o chef.

Promovido no emprego e de olho numa nova oportunidade, foi indicado para fazer o curso de aperfeiçoamento em Panificação no Rio de Janeiro e depois levar os conhecimentos adquiridos para Rio Branco. Empolgado com a chance de crescimento, Brito tentou ainda uma vaga em um curso de graduação em Administração e foi aprovado. Mas, para assumi-la, ele precisava do diploma do ensino fundamental e médio. 

Era a hora de correr atrás do prejuízo. No Centro de Educação do Trabalhador do Acre, Deocleciano soube da oportunidade que o Serviço Social da Indústria (SESI) oferecia e, em 2003, fez a matrícula gratuita na Educação para Jovens e Adultos (EJA). Com uma severa jornada de 6h às 21h, era complicado estudar. Por isso, negociou um horário flexível no emprego. “Minha sogra me liberou para estudar. Levava livros e vídeos aula para casa. Passava o dia todo no SESI fazendo provas e tirando dúvidas com professores. Ela queria me ver formado. Dizia: foca em você!”, conta. Deu certo! Ele concluiu o EJA e entrou na faculdade. Hoje é formado em Administração.

Em 2005, Deocleciano foi convidado para trabalhar no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e logo passou a ser instrutor de Panificação e Confeitaria. Além disso, o acreano era consultor e coordenador de alimentos do SESI Rio Branco. 

“Sou extremamente grato pelas oportunidades e pelo crédito que o SESI e o SENAI sempre me deram. Eles não só investiram em mim e transformaram a minha história de vida, como acreditaram no meu potencial. Isso me fez querer investir em mim também”, explica Deocleciano.

Deocleciano deu aulas no SENAI até 2015 e pouco tempo depois criou o “Espaço de Inspiração Gourmet”, onde ministra cursos e realiza workshops

O NASCIMENTO DE UM CHEF - Brito descobriu os prazeres da cozinha, passou a aperfeiçoar técnicas e receitas e não demorou muito para ser destaque na arte culinária. Por isso, iniciou outra graduação, desta vez à distância, no curso de Gastronomia da Faculdade Anhembi Morumbi, de São Paulo.

A paixão se transformou em negócio e rendeu frutos como o Prêmio Nacional Dólmã, reconhecimento aos chefs de cozinha de todos os estados brasileiros, conquistado em 2015. No ano seguinte, a fama veio à tona, pois o chef foi convidado para fazer uma participação no reality show de culinária brasileiro MasterChef, em 21 de julho. 

"Dia 21 de julho. Eu nunca vou esquecer esse dia” - Deocleciano Brito

Hoje, ele segue carreira autônoma sem nunca esquecer as lições aprendidas na caminhada. O chef leva para festivais mundo a fora o cupuaçu e o jambu, com orgulho da própria história. Entretanto Deocleciano diz que isso não o faz melhor do que ninguém. Inclusive corrige quando perguntam sua profissão.

“Chef não, né? Porque chef é um status que a sociedade criou. Eu sou mesmo é cozinheiro! A humildade precede a honra, se você sabe reconhecer o seu lugar entre as pessoas, Deus te ajuda a conquistar teus objetivos”, afirma Deo.

Com tanto talento, seria um desperdício não disseminar conhecimento. Por isso, criou em Rio Branco o Espaço de Inspiração Gourmet, onde ministra cursos e realiza workshops. Ele instrui e ainda busca oportunidades de inserção no mercado para todos os alunos. “Me sinto realizado em passar o que sei para aqueles que não tem acesso, como um dia não tive. E privilegiado por poder exercer a profissão que tanto amo. Sou cozinheiro e professor com muito amor e orgulho”.

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