Um lugar na governança da biodiversidade

Aprovação do Protocolo de Nagoia no Congresso Nacional aproxima o país da mesa de negociações sobre biodiversidade, dizem especialistas e parlamentares

O Protocolo de Nagoia foi concluído durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção (COP-10), em 2010, no Japão, e assinado pelo Brasil no ano seguinte. Para entrar em vigor, contudo, ainda precisa ser regulamentado pelo governo federal

A ratificação do Protocolo de Nagoia, aprovado pelo Congresso Nacional, poderá ampliar a influência brasileira na agenda internacional sobre biodiversidade quando as medidas previstas no acordo forem implementadas pelo governo. 

Gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo explica que, além de posicionar melhor o Brasil num fórum de discussões mais estratégicas, a adesão ao protocolo vai proporcionar
maior segurança jurídica ao país.

Segundo ele, “o protocolo vai permitir, por exemplo, que quando uma empresa de cosméticos localizada na Suíça acesse recursos biológicos no Brasil ela tenha que repartir seus benefícios com o Brasil, de acordo com a legislação brasileira”. O protocolo, nesse caso, daria ao país a segurança de que a Suíça garantisse essa repartição.

Na mesma linha, o advogado João Emmanuel Cordeiro Lima, especialista em direito ambiental e professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP), diz que "enquanto não formos parte do tratado, não poderemos atuar na defesa dos nossos interesses"

O protocolo é um acordo acessório à Convenção sobre Diversidade Biológica, elaborada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Eco-92). Foi concluído durante a 10ª Conferência das Partes da Convenção (COP-10), em 2010, no Japão, e assinado pelo Brasil no ano seguinte. Por ser um tratado internacional, dependia de aprovação do Congresso Nacional. Agora, precisa ser regulamentado pelo governo federal.

O acordo prevê regras para a divisão, entre os países, dos benefícios resultantes de pesquisas genéticas com a biodiversidade e a utilização do conhecimento tradicional de comunidades indígenas e locais. Abrange pontos como pagamento de royalties, financiamentos de pesquisa, compartilhamento de resultados,  transferência de tecnologias e capacitação e acesso de um país a recursos genéticos de outro, como plantas e animais, mediante negociações prévias.

“A regulamentação vai dar uma sinalização para o mundo de que o país, de fato, tem uma agenda de desenvolvimento sustentável”, explica Lima. Segundo ele, medidas relacionadas à biodiversidade ainda estão em fase de implementação e a ratificação permitirá ao Brasil ter voz nos fóruns internacionais. O protocolo já está em vigor em âmbito internacional desde outubro de 2014 e conta, atualmente, com 124 partes, incluindo parceiros relevantes do Brasil como China, União Europeia e Argentina.
 

O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, mas suas propriedades bioquímicas ainda são pouco conhecidas”, diz a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS)

Adriana Diaféria, vice-presidente executiva do Grupo FarmaBrasil (GFB), afirma que a ratificação traz um cenário relevante porque hoje há um movimento no setor farmacêutico internacional para padronização de regras. “Isso abre a possibilidade de expansão da indústria brasileira para novos mercados devido à nossa biodiversidade'', disse ela durante evento do Fórum Bioeconomia e a Indústria Brasileira, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 26 de novembro.

Segundo a executiva, é preciso que as leis e práticas no país estejam em harmonia com as diretrizes internacionais, de forma a permitir a expansão dos mercados. Só assim, diz, o país poderá influenciar as negociações internacionais sobre repartição de benefícios pelo uso dos recursos da biodiversidade. “Tudo isso é fundamental, especialmente para o setor farmacêutico brasileiro, que está com uma lógica de internacionalização cada vez mais forte”, afirmou Adriana Diaféria.

Conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, o país abriga 20% do total de espécies do planeta. São mais de 103.870 animais e 43.020 vegetais já catalogados e espalhados pelos nossos seis biomas e três grandes ecossistemas marinhos, sem contar os inúmeros outros organismos. “Se somos o país mais diverso do mundo, a gente tem muito a ganhar com repartição de benefícios, uma vez que temos muito o que prover'', afirma o advogado João Emmanuel Cordeiro Lima.

Potencial desconhecido

A senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) vai na mesma linha. “O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, mas suas propriedades bioquímicas ainda são pouco conhecidas. Os ganhos também serão imensos para o desenvolvimento da indústria brasileira, considerando que a exploração sustentável desses recursos será facilitada e os benefícios derivados deverão ser repartidos de maneira justa entre quem provê e quem explora. A importância central do acordo é a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade”, afirma.

Segundo ela, apesar do imenso patrimônio genético pouco conhecido, “as principais espécies comerciais exploradas pelo agronegócio nacional, como soja, milho, algodão, eucalipto, bovinos e aves, tiveram origem em outros países”. Thronicke diz que o ser humano depende cada vez mais da diversidade biológica para a sua própria sobrevivência.

“Acredito que é de interesse de todos estarmos nesse acordo. Sempre defendi que o agro e o meio ambiente devem estar juntos, em equilíbrio, nem mais nem menos um do outro! Só assim crescemos economicamente, preservamos com consciência e levamos desenvolvimento para o Brasil e o mundo”, argumenta. “Quanto mais conhecemos tecnicamente nossa biodiversidade, mais conseguimos protegê-la. O desenvolvimento sustentável vem com a fiscalização da biodiversidade existente entre os países que fazem parte do protocolo”, defende a senadora.

Para João Emmanuel Cordeiro Lima, “o Protocolo de Nagoia é um grande livro a ser escrito. Nós temos apenas a moldura; muita coisa ainda precisa ser desenhada”. Segundo ele, governo e setor privado precisam discutir o desenho da regulamentação do protocolo. “A indústria e as entidades ligadas à pesquisa sabem como essa exigência de seguir legislações estrangeiras impactará seus negócios”, diz o advogado.

Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) afirma que, a partir do Protocolo de Nagoia, “as empresas de capital nacional, por meio de parcerias, criarão outro mercado com a possibilidade de agregação de valores e plantas industriais”. Essa associação, diz o parlamentar gaúcho, “é de grande importância para todos nós”. Segundo ele, “a ratificação do acordo também dará mais segurança jurídica às empresas na realização de pesquisas”.

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