CNI apresenta plano de ação para alavancar a bioeconomia no Brasil

Entre as iniciativas prioritárias, está a criação de uma política nacional, incluir a bioeconomia no planejamento governamental e ampliar investimentos públicos e privados no setor

CNI vai realizar missão empresarial com objetivo de impulsionar negócios e discutir temas de interesse do setor industrial brasileiro

A criação de uma política nacional de bioeconomia, a inclusão da agenda no planejamento governamental e a ampliação de investimentos públicos e privados no setor estão entre as prioridades da Agenda de Bioeconomia. Os temas foram apresentados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nesta quinta-feira (26), durante o Fórum Bioeconomia e a Indústria Brasileira, que debateu oportunidades e desafios relacionados à agenda. A entidade pretende avançar na articulação com o governo a partir de 2021 para alavancar o setor.

Marcelo Thomé, presidente do Conselho de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, destacou que 40% da economia global é baseada em produtos derivados da biodiversidade e o Brasil possui grande potencial para participar de forma mais significativa nesse mercado.


“Hoje a bioeconomia ainda é tratada como possibilidade. Precisamos direcionar os esforços, em especial na pesquisa, para alavancarmos o setor”, disse Thomé.


Outras propostas da agenda são estimular a circularidade dos processos industriais para o uso mais eficiente de recursos naturais e as parcerias do setor com a academia para desenvolvimento de tecnologia e inovação com uso de recursos da biodiversidade. Há ainda a previsão de buscar parcerias para mapeamento de espécies regionais e potenciais dos biomas brasileiros para produção de novos produtos.

"Hoje a bioeconomia é tratada como possibilidade. Precisamos direcionar os esforços, em especial na pesquisa" - Marcelo Thomé, presidente do Conselho de Meio Ambiente da CNI

Missão empresarial na COP 15, na China

O primeiro passo para alavancar negócios para a bioeconomia brasileira será dado na 15ª Conferência das Partes (COP 15) da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), prevista para ocorrer em maio, em Kunming, na China. A CNI vai realizar missão empresarial com objetivo de impulsionar negócios e discutir temas de interesse do setor industrial brasileiro, entre os quais a revisão do marco global de biodiversidade. 

“Vamos promover a biodiversidade brasileira e a sustentabilidade das nossas indústrias para aumentar os negócios no exterior”, explicou a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg. Associações setoriais e indústrias interessadas em participar da missão, que inclui ainda uma viagem de negócios a Beijing, podem se informar pelo email [email protected].

O fórum trouxe ainda o ponto de vista de duas grandes potências – China e União Europeia. Da China, o CEO do grupo de empresas Hopefull and Oil, Lin Tan, apresentou o impacto da bioeconomia na cadeia industrial da soja. Referência em Beijing, a empresa tem a capacidade de produzir cerca de 30 mil toneladas de soja por dia. Tan afirma que o Brasil tem um grande potencial de exportação de soja e que, nos últimos dois anos, empresas chinesas aprovaram as importações brasileiras. “É uma das commodities mais importantes do comércio entre a China e o Brasil”, apontou. 

Além disso, o CEO citou alguns produtos feitos na China com a semente, que, por exemplo, já são utilizadas em outros países para asfalto.


“Trituramos a soja e produzimos matérias-primas que são utilizadas na composição de tinta de impressão, detergentes, roupas, plásticos biodegradáveis e até asfalto, que já está em uso no Estados Unidos”, listou Lin.


Na palestra "O papel da bioeconomia na recuperação econômica em bases sustentáveis na União Europeia", o diretor executivo da Bio-Based Industries Consortium (BIC), Dirk Carrez apresentou dados relevantes do bloco europeu. “Em termos de emprego, a bioeconomia representa 18,5 milhões de trabalhadores na União Europeia”, comentou. 

O consórcio dirigido por Dirk é uma organização sem fins lucrativos composta por mais de 240 representantes de setores industriais que investem em inovações de base biológica. Durante o fórum, o palestrante comentou ainda que no início de 2020, foi publicado o The European Green Deal (acordo verde) com 50 ações para incentivar e facilitar a transição da indústria atual para uma economia verde. “A recuperação europeia da crise do Covid-19 tem que estar alinhada a esse tipo de economia”, afirmou Dirk.

"Vamos promover a biodiversidade brasileira e a sustentabilidade das indústrias para aumentar os negócios no exterior" - Mônica Messenberg, diretora da CNI

Bioeconomia tem de estar na estratégia do país

No painel "A bioeconomia como estratégia de desenvolvimento", especialistas defenderam que a bioeconomia já é realidade no Brasil, mas precisa de uma estratégia nacional e que integre os diversos atores. Segundo a gerente de Sustentabilidade da Natura, Luciana Silva, uma política competitiva é fundamental, a exemplo do trabalho que está sendo feito pela União Europeia. 

Ela destacou que o país precisa recuperar os grandes mecanismos de financiamento como o Fundo Clima e deve melhorar o ambiente regulatório para estimular o uso sustentável da biodiversidade. “Entre as prioridades estão a regulação de uma política para a economia de baixo carbono e para a remuneração da conservação ambiental”, afirmou Luciana.

Para Christian Lohbauer, presidente da Croplife Brasil, entidade que representa 44 indústrias de tecnologias para a produção agrícola sustentável, o país precisa criar uma estratégia própria para a bioeconomia e não importar modelos de fora. Ele destacou que 95% empresas de fertilizantes e defensivos agrícolas já atuam na bioeconomia. “Trabalhamos com o aumento da produtividade das plantas por meio de alterações genéticas que aumentam a resistência e a qualidade de se produzir mais”. aponta Lohbauer.

Outra referência em pesquisas que contribuem para o fortalecimento do agronegócio é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Na visão de Alexandre Alonso, chefe-geral da Embrapa Agroenergia, para ser bem-sucedida, a estratégia de bioeconomia depende fortemente de estímulo à inovação.


“É fundamental estimular institutos de ciência e tecnologia, como a Embrapa, com empresas do setor produtivo”, reforçou Alonso.


A busca de desenvolvimento e tecnologia para aumentar a eficiência e produtividade de espécies também está no cerne do negócio da Raízen, do setor de biocombustíveis. A empresa tem como meta aumentar 15% da energia gerada por cada hectare de cana-de-açúcar plantado nos próximos 10 anos. “A bioeconomia é oportunidade única para trazer mais eficiência na produção de biocombustíveis”, disse Cláudio Oliveira, vice-presidente de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Raízen.

Conforme Fabiana Munhoz, chefe de Pesquisa Avançada da L´Oréal Brasil, outro aspecto importante envolver a cadeia de fornecedores para apoiar o objetivo de se reduzir emissões de gases de efeito estufa e melhorar o uso eficiente de recursos. Na empresa, os fornecedores são responsáveis por 30% das emissões totais e, entre as principais estratégias, está substituir ingredientes petroquímicos por renováveis. “O objetivo é até 2030 ter 95% do portfólio de ingredientes da empresa com recursos da biodiversidade. Hoje esse percentual está em 59%”, informou Fabiana.

Painel “Oportunidades e Desafios para o Brasil nas Negociações da Convenção sobre Diversidade Biológica”

Prioridades nas negociações da Convenção da Diversidade Biológica

No painel "Oportunidades e desafios para o Brasil nas Negociações da Convenção da Diversidade Biológica", foram apontados os principais pontos de atenção das negociações internacionais. Entre eles estão a definição do novo marco global da biodiversidade pós-2020, a regulamentação das sequências genéticas digitais e de repartição de benefícios de recursos biológicos de biomas que integram mais de um país e a tendência de se fazer um paralelismo com metas estabelecidas no Acordo de Paris.

Para Leonardo de Athayde, diretor de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), em relação ao novo marco global da biodiversidade, há uma tendência de países desenvolvidos dar ênfase ao pilar da conservação da biodiversidade em detrimento aos pilares do uso sustentável e da repartição de benefícios. “Precisamos assegurar que nas negociações não se tenha enfoque apenas na conservação, mas nos também nos pontos que ajudam a promover a bioeconomia”, afirmou. 

Outro ponto de alerta, na visão de Athayde, é tentar desvincular as discussões de biodiversidade da questão de metas de redução de emissões de CO2 do Acordo de Paris. Segundo ele, esse debate, também liderado por países desenvolvidos, visa tentar embutir de forma indireta metas de conservação da biodiversidade. 

Beatriz Milliet, secretária de Biodiversidade do Ministério de Meio Ambiente (MMA), compartilha da opinião. De acordo com ela, União Europeia e Estados Unidos recebem juntos cerca de 60% das remessas de patrimônio genético da biodiversidade brasileira.


“A CDB se atém muito na conservação, mas temos de ser cuidadosos e saber que o Brasil tem um Código Florestal consistente e 60% do território preservado”, destacou ela.


Beatriz chama atenção ainda para os meios de implementação dos acordos internacionais na área. “Não podemos fechar os olhos para diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, sobretudo, em capacidade técnica e tecnológica.”

Outro ponto polêmico que será debatido é se informações de origem genética devem ser contemplados na CDB. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda, a lei nacional inclui essas informações no conceito de patrimônio genético, mas isso gera desconforto em outros países. “Deve-se considerar o que agrega realmente valor ao produto. É muito comum produtos biotecnológicos serem desenvolvidos com recursos de diversos países. Se tiver de cumprir a legislação de cada um deles, isso desestimula os negócios”, ponderou Falda.

Em relação ao desafio de repartição de benefícios de espécies transfronteiriças, o advogado ambiental João Emmanuel Cordeiro falou da importância de se criar projetos de cooperação entre países. Como exemplo, citou tratado da década de 70 entre países que compõem a Amazônia.

“A ideia de repartição de benefícios não é o único elemento na equação da bioeconomia. Precisamos criar um hub na Amazônia para estimular investimentos. Se não viabilizar investimentos, eles fogem”, afirmou Cordeiro.

Para Adriana Diaféria, vice-presidente do Grupo FarmaBrasil, é preciso que as leis e práticas no país estejam em harmonia com as diretrizes internacionais, de forma a permitir a expansão dos mercados. Ela, assim como os demais, destacou a importância da ratificação do Protocolo de Nagoia para que o país possa influenciar nas negociações internacionais sobre repartição de benefícios pelo uso dos recursos da biodiversidade. “Tudo isso é fundamental, especialmente para o setor farmacêutico brasileiro, que está com uma lógica de internacionalização cada vez mais forte”, afirmou Adriana.

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