Escolas transformam comunidades em regiões de vulnerabilidade social

Centros educacionais do SESI fazem a diferença ao oferecer educação de qualidade e mudar expectativas dos estudantes

Duas escolas pulsam em suas comunidades atuando como espaços de transformação social. No bairro do Retiro, em Salvador, a estrutura em alvenaria branca contrasta com as casas coloridas incrustadas nos morros que circundam a unidade educacional. Ao adentrar os portões, a construção ganha vida com as trajetórias que se encontram diariamente, de alunos a professores, de pais a funcionários. A escola Reitor Miguel Calmon, gerida pelo Serviço Social da Indústria (SESI), mantém uma simbiose com a comunidade há quase cinco décadas e vem proporcionando mudanças significativas para quem vive na região, marcada pela violência e pobreza. 

Em Minas Gerais, a Escola Emília Massanti, também administrada pelo SESI, é uma referência para a vizinhança há 55 anos. A instituição fica em Belo Horizonte, localizada no bairro Madre Gertrudes, região altamente industrializada, próxima ao município de Contagem. O local  tem problemas sociais típicos das periferias brasileiras, como tráfico de drogas e violência. A escola atende a 477 alunos de ensino fundamental e médio. 

Além das atividades com a comunidade como a abertura do prédio para reunião de associação do bairro, a direção da escola ainda cuida de uma praça próxima para evitar que ela vire ponto de tráfico. “Estamos em um região que é divisa com um bairro que está sempre em guerra por conta do tráfico. Mas a boa convivência com a comunidade faz com que a nossa escola nunca tenha tido nenhum episódio de violência”, comenta a diretora da escola, Geovana Caldeira Belico. 

 

Escola Reitor Miguel Calmon atende alunos da comunidade do Retiro, em Salvador (BA)

A instituição baiana nasceu para atender os filhos de industriários que trabalhavam na região. Com o tempo, a mancha urbana de Salvador foi crescendo e as indústrias se mudaram para Camaçari, localizada cerca de 50 km de distância. Da época industrial resta apenas um galpão logístico de uma fábrica de refrigerantes. Aos poucos, o endereço foi ocupado por casas e pequenos comércios. A escola permanece no local atendendo 1.564 alunos, sendo 41% deles da comunidade e 59% de dependentes de industriários, que, em sua maioria, moram na vizinhança. A escola tem do 6º ano ao 3º ano do ensino médio. 

PAPEL DA ESCOLA - Estudos mostram que uma eficiente unidade escolar pode suprir carências e ser decisiva na capacidade de aprendizagem do aluno. A pesquisa O desempenho das redes SESI e das demais redes de ensino aponta que, embora a faixa socioeconômica das famílias atendidas pelo SESI seja similar à das escolas públicas municipais e estaduais - renda familiar entre  um e três salários mínimos -, o desempenho dos alunos em exames como a Prova Brasil, do Ministério da Educação, é superior em habilidades como português e matemática. 

No quinto ano do ensino fundamental, por exemplo, a proficiência dos alunos do SESI em matemática foi de 245,1 pontos, enquanto da rede privada foi de 229,2. Apenas os alunos de escolas federais tiveram desempenho melhor, 245,9. Entretanto, as escolas federais representam apenas 0,1% do universo avaliado. 

Atualmente, a rede SESI atende 195.405 alunos em educação básica regular e 98.370 em Educação de Jovens e Adultos (EJA) distribuídos em 505 escolas em todo o país e, com unidades em áreas de vulnerabilidade social em estados como Bahia, Amazonas, Minas Gerais e Rio de Janeiro. “A educação traz benefícios ao país à medida que se traduz em cidadania. Por isso, o SESI vem apostando há mais de 70 anos na educação para transformar a realidade brasileira”, analisa o diretor de Operações do SESI, Paulo Mól. 

De acordo com o coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e responsável pela pesquisa, Naercio Menezes, as escolas da rede SESI têm bom desempenho e chegam a superar escolas privadas no quinto ano do ensino fundamental. Dessa forma, embora a escolaridade da mãe e a renda familiar sejam mais próximas da realidade da rede pública de ensino, os resultados dos alunos do SESI no quinto ano do ensino fundamental são superiores e chegam a ser similares aos das instituições de ensino particulares - que possuem pontuações melhores nos testes aplicados no Brasil. 

Nas escolas do SESI, menos de um terço das mães (28%) têm ensino superior. Na rede privada, o índice é de 42%; na estadual, 12%, na municipal, 9%.  Estudos relacionam que pais com escolaridade alta tendem a valorizar uma boa educação para o filho. Entretanto este não é um fator isolado. “O caso do SESI é um exemplo do chamado ‘efeito escola’, ou seja, a gestão e outros fatores, tais como a qualidade do professor, estão fazendo a diferença nas escolas do SESI do quinto ano”, explica Naércio. 

“A educação traz benefícios ao país à medida que se traduz em cidadania. Por isso, o SESI vem apostando há mais de 70 anos na educação para transformar a realidade brasileira”, analisa o diretor de Operações do SESI, Paulo Mól.

Ana Carolina pretende fazer curso superior na área de exatas, Pedro foi selecionado para a UFMG

BOM DESEMPENHO -  A performance dos estudantes também tem sido destaque: a turma do 3º ano do ensino médio de 2017 da escola Emília Massanti, por exemplo, teve 100% de aprovação para faculdades públicas e privadas. O estudante Pedro Geovanni Barbosa Ribeiro, 17 anos, é um deles. Saiu do 3º ano direto para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para o curso de Ciências da Computação. Ele ainda foi selecionado para outras duas universidades mineiras. “Estudar na Emília Massanti me trouxe melhores perspectivas para o futuro por causa das oportunidades e experiências proporcionadas, como as oficinas de português e matemática e as aulas de robótica”, destaca.

Na mesma escola, a estudante Ana Carolina Carvalho Martins, 16 anos, está no 3º ano, se preparando para entrar em uma faculdade. Para ela, a oportunidade de cursar o ensino superior em seguida ao ensino médio é uma conquista. O pai dela é microempreendedor e trabalha com contabilidade, somente agora, depois dos dois filhos maiores, está conseguindo cursar uma universidade. A mãe terminou o ensino médio. “Quando eu entrei no SESI, eu tinha dificuldades, principalmente em matemática, química e física. Agora não só estou adaptada como planejo entrar na universidade assim que terminar o ensino médio e em alguma profissão nessas áreas”, diz.

Marcos será o primeiro da família a terminar o ensino médio

OBJETIVOS - Ser aluno da Miguel Calmon é o sonho de estudantes da comunidade do Retiro. Marcos dos Santos Souza, 17 anos, mora no bairro de Fazenda Grande, na região do Retiro, o quarto bairro mais populoso de Salvador. Para percorrer o trajeto entre a escola e sua casa, ele demora cerca de 15 minutos a pé. Ele conta que, quando criança, passava em frente à escola e dizia para si mesmo “ainda vou estudar aqui”. Os pais compartilhavam do mesmo desejo: a mãe é dona de casa e o pai trabalha com mecânica industrial. Ao repetir essa frase aos vizinhos, chegou a ser alvo de chacota e de frases desanimadoras de que ele nunca conseguiria passar pela seleção. 

Mas a determinação de Marcos foi superior à qualquer pessimismo. No fim deste ano, ele conclui o ensino médio e será o primeiro da família com o diploma. Todas as gerações anteriores a ele não terminaram o ensino fundamental.  “Me pergunto: qual é o nosso papel como cidadão? Só existir ou ser protagonista? Quando eu vejo o orgulho que a minha mãe tem ao me ver com a farda do SESI, quando vejo a dificuldade de romper barreiras por ser negro e de bairro popular, e vejo onde estou e onde posso chegar, vejo que estou no caminho certo”, comenta.

Estudar na Miguel Calmon fez Luciana Carvalho Santos, 37 anos, recuperar a confiança em si mesma. A história de Luciana com a escola sempre foi de idas e vindas. Ela lembra que ficou sem estudar dos sete aos 14 anos porque a mãe não julgava que a escolaridade pudesse ser decisiva na mudança de vida da família. Quando retornou à escola, Luciana teve dificuldades de adaptação porque era mais velha que a média da turma, com isso, acabou deixando a sala de aula. “Eu não sonhava. Ia vivendo”, comenta. 

Com 36 anos, Luciana terminou o ensino fundamental. Três fatos foram importantes para impulsioná-la de volta aos estudos: o primeiro foi a dificuldade que ela vinha enfrentando para ajudar o filho nos deveres escolares, o segundo foi o incentivo de uma amiga e, por fim, a dificuldade em arrumar emprego pela falta de qualificação. Agora, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), está em busca de um diploma do ensino médio e sonha cursar psicologia. “Antes eu sentia inferioridade pelo o que as pessoas me diziam. As palavras dirigidas a mim eram sempre de desânimo. Aqui na escola eu senti algo diferente: fui acolhida e respeitada”, afirma. 

PERTENCIMENTO - A vontade de pertencer à Miguel Calmon não vem somente de alunos. A diretora da escola, Eleonice Caldas, lembra que quando tinha 9 anos foi à escola com o pai industriário para uma festa da empresa. Na memória, ficou o deslumbre pelo local. “Eu me lembro de dizer: que escola linda”.  Anos depois, Eleonice foi selecionada como professora da educação infantil e está há 31 anos no SESI, sendo 28 deles na escola do Retiro.  “Eu tinha me esquecido que já tinha vindo aqui. Quando eu já estava na coordenação pedagógica, eu estava na ala B, toquei na grade e lembrei da escola e fiquei muito emocionada e feliz de trabalhar em um lugar que eu desejei estar”, diz.

Para ela, a escola tem uma importante missão com a comunidade do Retiro. “Esse espaço tem uma importante responsabilidade social. Nós temos que investir nas pessoas. Cada oportunidade que a gente cria, é uma porta diferente que se abre, um futuro que se constrói”, complementa.

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