OMC tem o desafio de se tornar mais ágil e dinâmica, diz Roberto Azevêdo

Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) explica que diz que organização dá transparência às regras, e que regras globais dão mais eficiência para a economia e beneficiam particularmente as pequenas e médias empresas

A Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão máximo do comércio internacional, estava estagnada quando o embaixador brasileiro Roberto Azevêdo assumiu a direção-geral em setembro de 2013. A falta de consenso entre os 162 membros para atualizar as regras de comércio globais empurraram as economias desenvolvidas e emergentes para acordos regionais e deixou a dúvida se a instituição voltaria a ser relevante e capaz de se adaptar à nova estrutura da governança do comércio mundial.

Quase três anos depois, Roberto Azevêdo, que foi eleito por ser um “construtor de consenso”, conseguiu destravar a agenda do comércio internacional. Em entrevista exclusiva à Agência CNI de Notícias, ele defende o papel da OMC para o bom andamento da economia mundial. Azevêdo explica que a organização dá transparência às regras e permite aos países monitorar as práticas comerciais uns dos outros. Além disso, diz, regras globais dão mais eficiência para a economia e beneficiam particularmente as pequenas e médias empresas.

Até dezembro de 2015, mais de 400 acordos regionais e bilaterais estavam em vigor. E, recentemente, os Estados Unidos concluíram a Parceria Transpacífico, com outras onze economias, criando um bloco que representa 40% do PIB e 30% da corrente de comércio mundial. Essas negociações preocupam os países que ficaram de fora do mega-acordo, como o Brasil, pelo impacto na agenda global de negociações de bens, serviços, investimentos e até de pessoas e informações. Mas Roberto Azevêdo tranquiliza: “nenhum acordo regional tem a capacidade de substituir a OMC”. E complementa: “soluções encontradas em acordos regionais podem servir de inspiração para um debate global”. Confira a entrevista completa:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o senhor avalia o atual papel da OMC?

ROBERTO AZEVÊDO - Ela tem um papel fundamental para a economia global, afinal, reúne 162 países em torno de um conjunto de regras comuns, que ajudam a dar previsibilidade ao comércio internacional. Acredito que, se a OMC não existisse, ela teria de ser inventada. Além disso, ela é cada vez mais importante para solucionar disputas comerciais entre países – mais de 500 casos já foram trazidos à Organização – e é fundamental para permitir que os países membros monitorem as práticas comerciais dos demais, algo muito importante para a transparência em nível global. Nos últimos anos, a OMC tem se mostrado capaz de viabilizar novos acordos comerciais. Finalizamos, em 2013, o Acordo sobre Facilitação de Comércio, que vai reduzir os custos das transações comerciais em 14,5%, em média. Em 2015, concluímos um acordo sobre bens de tecnologia da informação que eliminará tarifas sobre um comércio de US$ 1,3 trilhão por ano. Além disso, fechamos um acordo para eliminar a prática de concessão de subsídios à exportação de produtos agrícolas. Ou seja, a OMC voltou a ser um foro que viabiliza a conclusão de acordos comerciais e acredito que há mais interesse nela em função desses sucessos recentes.Temos que aproveitar este momento positivo para que ela possa entregar mais resultados, em menos tempo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A estrutura da governança de comércio tem passado por muitas transformações, com a negociação de mega-acordos regionais e o crescimento de acordos bilaterais, o que tem desafiado a OMC. Como a organização encara esse desafio?

ROBERTO AZEVÊDO - O sistema multilateral de comércio, hoje sob o guarda-chuva da OMC, sempre coexistiu com acordos regionais. Nenhum acordo regional tem a capacidade de substituir a OMC.  O desafio não decorre da conclusão de acordos regionais, mas sim da falta de progresso das negociações na organização, o que durou vários anos. Isso começou a mudar mais recentemente, com os acordos de Bali (2013) e Nairóbi (2015). Mas a OMC tem que avançar com mais velocidade, e pode inclusive se beneficiar de discussões que estão ocorrendo em outros foros. Às vezes, soluções encontradas em acordos regionais podem servir de inspiração para um debate global. Isso, aliás, não seria novidade. As próprias regras da OMC foram em parte baseadas em acordos existentes ou que estavam sendo negociados à época. De maneira geral, é importante ter presente que a multiplicidade de regras em diferentes acordos regionais aumenta os custos para negócios, especialmente para as empresas de pequeno porte. Regras globais trariam mais eficiência para a economia mundial, beneficiando particularmente pequenas e micro empresas (PMEs) e países que não fazem parte dessas negociações regionais. O nosso desafio é fazer o multilateral mais ágil, mais dinâmico.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como os mega-acordos podem impactar na regulação multilateral?

ROBERTO AZEVÊDO - Recentemente, realizamos um estudo que mostra que acordos regionais têm, no seu DNA, na sua estrutura, as regras da OMC. Ou seja, acordos regionais partem da base já existente na organização e avançam a partir daí. Isso ocorre nos temas já cobertos pelos acordos da OMC, como barreiras técnicas e medidas sanitárias e fitossanitárias. Já nos temas em que praticamente não há regras multilaterais – como economia digital, por exemplo – os acordos regionais com frequência não têm uma base comum. Mas começamos a notar que, cada vez mais, países querem discutir esses temas também na OMC. Vejo interesse crescente para avançarmos no marco regulatório de alguns temas de interesse global. Tenho ouvido falar, por exemplo, em comércio eletrônico, PMEs, facilitação de investimentos, facilitação na área de serviços, subsídios à pesca, entre outros.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A diplomacia brasileira sempre apostou no multilateralismo. Como fica agora que a inserção via multilateralismo não é a principal estratégia?

ROBERTO AZEVÊDO - Na visita ao Brasil conversei com autoridades e estou convencido da importância que elas atribuem à OMC. Em primeiro lugar, há o reconhecimento da relevância dos acordos concluídos recentemente na organização. Além disso, há perspectivas de que se consiga fazer mais no curto prazo. Finalmente, vale ressaltar que as negociações na OMC não ocorrem em detrimento de outras negociações, regionais ou bilaterais. Praticamente todos os países do mundo negociam em várias frentes ao mesmo tempo. Faz sentido que o Brasil busque oportunidades comerciais onde elas existam. Não há uma escolha a fazer – um país como o Brasil pode ganhar em negociações em diferentes formatos que ocorram em paralelo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Se a ALCA e o acordo MERCOSUL-UE fossem lançados hoje, provavelmente seriam chamados também de acordos megarregionais. Nesse sentido, o Brasil errou em não ter avançado nessas negociações quando poderia? Nós perdemos uma década dessa agenda?

ROBERTO AZEVÊDO - Essa é uma avaliação que apenas o setor privado e o Governo brasileiro podem fazer. O importante é que essa vertente negociadora permanece disponível e pode ser explorada com mais afinco e determinação. Se os dois lados estiverem verdadeiramente prontos e dispostos a negociar, resultados expressivos podem ser alcançados num futuro próximo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o Brasil pode tirar o máximo proveito da OMC?

ROBERTO AZEVÊDO - O Brasil já é um dos principais usuários do sistema de solução de controvérsias da organização, e continua muito ativo nesta área. Historicamente, o país obteve vitórias muito importantes para vários setores, como o de aviões, carnes, suco de laranja, açúcar e algodão. Aliás, o Brasil foi o país que se beneficiou da maior compensação financeira da história da OMC, ao vencer o contencioso do algodão e garantir ao setor privado cerca de US$ 1 bilhão em compensação. Além disso, o Brasil se beneficiou muito dos acordos recentes da OMC, como o Acordo de Facilitação de Comércio e a decisão para eliminar subsídios às exportações agrícolas. Olhando adiante, o país pode se beneficiar ainda mais promovendo, em nível global, entendimentos sobre temas de interesse.

A discussão sobre subsídios domésticos na área agrícola, por exemplo, tem grande importância ao Brasil, e este tema apenas pode ser tratado na OMC, porque exige a participação de um grupo amplo de países que tem apenas na entidade um foro comum. O Brasil também pode se beneficiar da discussão, no plano global, de marcos regulatórios para temas de seu interesse, como comércio eletrônico e PMEs. É muito positivo que o comércio exterior receba cada vez mais atenção no Brasil, e acredito que a OMC pode contribuir para que o país aumente sua inserção externa.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O que falta para o Brasil ampliar sua participação no comércio internacional?

ROBERTO AZEVÊDO - Para as exportações, competividade é o elemento chave. E nessa equação entram muitas variáveis, incluindo custos tributários, infraestrutura, câmbio, ambiente regulatório, capacidade de inovação, de gestão etc. A política comercial precisa contribuir para este esforço. Conclusão de acordos comerciais, questionamento de barreiras indevidas, promoção comercial – todos esses elementos precisam estar alinhados. E é importante lembrar que inserção internacional é uma via de mão dupla – envolve exportação e importação, sem falar em fluxos de investimentos nos dois sentidos. É preciso haver a convicção do setor privado, do governo e da opinião pública em geral de que a inserção internacional é fundamental para competitividade da economia no médio e longo prazos. Nenhum modelo autocentrado prosperou por muito tempo. O comércio e a abertura para o mundo precisam fazer parte da estratégia do país e das empresas brasileiras.

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