Câmbio não é solução mágica para problemas de competitividade, diz Flávio Castelo Branco

Elevada taxa básica de juros aliada à instabilidade do câmbio causa danos à economia brasileira e inibe os investimentos no país. A avaliação é do gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI) , Flávio Castelo Branco

A elevada taxa básica de juros aliada à instabilidade do câmbio causa danos à economia brasileira e inibe os investimentos no país. A avaliação é do gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. Nesta entrevista à Agência CNI de Notícias, ele diz que a estabilidade no valor da moeda é imprescindível para que empresários definam estratégias de exportação e de competição com o produto importado. 

De acordo com Castelo Branco, a retração da economia chinesa tem impactado o Brasil, na condição de exportador de commodities. Ele, no entanto, destaca que os problemas da economia nacional são “fundamentalmente internos”. Ainda segundo ele, “é preciso gerar um equilíbrio fiscal crível e permanente, sem exigir aumento de tributação, através da racionalização, do corte de gastos e do controle do ritmo de crescimento das despesas públicas”, diz. Outras medidas imprescindíveis, afirma o economista, são as reformas tributária e trabalhista, a redução na burocracia e o investimento em melhorias da infraestrutura. Leia a entrevista na íntegra: 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A manutenção dos juros em 14,25% pelo Banco Central foi uma medida acertada para a economia brasileira? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – O controle da inflação e a geração de expectativas favoráveis à estabilidade da economia são extremamente importantes para a reversão do clima de incerteza que tem predominado e, também, para a atividade produtiva. Outro aspecto é que uma política monetária apertada, com juros elevados, causa um dano muito grande à atividade econômica pela contração de demanda, tanto do consumo quanto de decisões de investimentos das empresas. Isso afeta diretamente a atividade produtiva e o nível de emprego. Portanto, juros altos são danosos à economia. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O ideal é que a taxa Selic caia gradativamente? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – A política monetária é um dos instrumentos, não o único – tem a política fiscal para lidar com a inflação –, mas, evidentemente, levar a taxa de juros para níveis compatíveis com o cenário internacional é um objetivo, uma expectativa do setor produtivo. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – De que forma os reflexos internacionais, como a queda no valor do petróleo e a retração da economia chinesa, impactam o Brasil? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – Como um país emergente e exportador de commodities, cujo maior demandante é a China, o Brasil sofre com oscilações em razão do ritmo do crescimento chinês. Esse, sem dúvida, é o fato externo mais importante e aquele em que mais estamos atentos. Agora, os problemas da economia brasileira são fundamentalmente internos. Basta ver que neste ambiente internacional o nosso desempenho em termos de inflação e de incerteza é bem mais intenso e negativo que o dos demais países. Não há dúvida de que a desorganização fiscal dos últimos anos e a geração de um déficit fiscal elevado estão na base da incerteza da economia brasileira. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual o impacto da flutuação do dólar para a indústria brasileira? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – O câmbio é extremamente importante para a indústria, principalmente a manufatureira, que é integrada ao cenário internacional. O real permaneceu muito valorizado nos últimos anos e isso causou diversos danos à competitividade dos produtos brasileiros. A desvalorização mais recente recolocou um patamar de normalidade, melhorando, portanto, as condições de competitividade. No entanto, o câmbio não é tudo. Não é a solução mágica para resolver os problemas de competitividade da economia do país. A CNI tem trabalhado uma agenda ampla na área tributária, de logística, de custos de capital, de relações de trabalho e de burocracia. Não podemos ficar esperando que o câmbio vá resolver todos os nossos problemas de competitividade. Ele só é positivo quando não gera instabilidade. Precisamos de um câmbio competitivo, mas com determinado grau de estabilidade para que as empresas possam se programar e realizar as suas estratégias de vendas externas, de competição com produto importado e de investimentos voltados a esses mercados com mais segurança. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Na sua opinião, o que deve ser feito para o Brasil voltar a ser competitivo? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – No curto prazo, é preciso reverter a incerteza que paira na economia, principalmente no que diz respeito às contas públicas. Ou seja, gerar um equilíbrio fiscal crível e permanente, sem exigir aumento de tributação, através da racionalização, do corte de gastos e do controle do ritmo de crescimento das despesas públicas. É preciso também atacar as causas básicas da perda de competitividade, que não está associada diretamente ao câmbio. Trata-se do chamado Custo Brasil, que envolve a complexidade tributária, o custo de adequação das empresas para cumprir exigências tributárias e trabalhistas, que imputam custos às empresas, penalidades e multas. Tem ainda a infraestrutura inadequada – precisamos de recursos, que hoje o setor público não tem. A solução é atrair o capital privado, mas isso só virá com regras claras, estáveis e com uma regulação eficiente. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – As reformas são urgentes para o país? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – Sim, mas estão muito atrasadas, em grande parte pelo abandono de uma agenda de reformas na década passada. Do ponto de vista econômico, as mais urgentes são a tributária e trabalhista. Os altos preços das commodities e o sucesso do Brasil na incorporação de parcelas da população no mercado de consumo levaram ao crescimento mais forte da economia e achamos que os problemas estruturais brasileiros estavam resolvidos. Mas muito pelo contrário. Na verdade, houve uma estagnação e a baixa produtividade tem se mostrado extremamente danosa, especialmente para o setor industrial, que está exposto à competição internacional e sofre com o diferencial de crescimento da produtividade aqui e nos demais países, principalmente em relação aos emergentes asiáticos. Com isso, perdemos mercado tanto de exportação quanto interno. Outra reforma fundamental, mas com efeito pequeno no momento, porque tem impacto mais defasado, é a da Previdência. Temos uma população que está envelhecendo muito rapidamente, com perspectiva de vida crescente, o que é muito positivo. Mas se não ajustarmos a Previdência Social às mudanças demográficas, o sistema ficará inviável. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A indústria está perdendo participação no PIB. Qual o caminho para a recuperação desse espaço? 

FLÁVIO CASTELO BRANCO – Isso é responsabilidade do governo nas políticas públicas e econômicas, mas também da sociedade e do próprio setor industrial. A sociedade tem que entender que é importante ter uma indústria competitiva, produtiva, que esteja inserida no mercado internacional, porque ela é fonte de crescimento. Na década atual, a queda da indústria é até mais forte que da economia. A agenda da competitividade deve ser uma prioridade do governo. Por outro lado, o setor industrial tem que buscar ser mais eficiente, embora essa tarefa se torne tão mais fácil quanto melhor o ambiente em que ele opera. Não se pode esperar que todas as mudanças venham de fora do setor para dentro das empresas. É preciso buscar mais eficiência, racionalização, aumento de produtividade e inovação para atender o mercado cada vez mais exigente e com a competição mais acirrada. 

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