Aumento das exportações e investimento privado em infraestrutura podem deslanchar a economia neste momento, afirma Regis Bonelli

Ph.D em Economia pela University of California analisa momento econômico do país e aponta saídas

Com um currículo que reúne passagens por cargos de direção no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) , no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) , o Ph.D. em Economia pela University of California — Berkeley, Regis Bonelli, tem credibilidade para avaliar a situação econômica do país e a perda de participação da indústria na produção nacional.

Em entrevista à Agência CNI de Notícias , o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV) afirma que a tendência é que a economia comece a melhorar, mas ressalta que a recuperação deve ser lenta até 2018, e que o país não pode abrir mão de fazer o ajuste fiscal, de promover as reformas necessárias e de investir em medidas de aumento da competitividade. O especialista analisa ainda a perda de contribuição da indústria na economia nos últimos anos e suas consequências para o país. Entre 2005 e 2015, a participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 17,4% para 11,4%, em preços correntes.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A participação da indústria brasileira no PIB despencou nos últimos anos. Esse processo é precoce ou acontece porque o país já completou o ciclo de desenvolvimento, como ocorreu em outros países?

REGIS BONELLI - Essa perda de participação é uma conjunção de vários fatores, vários deles relacionados entre si. De um lado tem o fato de que o Brasil tinha, em uma determinada fase de sua industrialização, uma indústria um pouco acima do que parecia justificável para os padrões de desenvolvimento econômico. Mas isso foi corrigido, a abertura econômica contribuiu para que a indústria passasse a ter um tamanho relativo de acordo com o padrão internacional. Mas depois daí a queda continuou a ocorrer de forma acelerada, o que tem diversas implicações. Uma delas é que a indústria é pouco competitiva. Quando falamos em competitividade da produção industrial, pensamos em três variáveis: salário nominal médio, taxa de câmbio e produtividade do trabalho. Quanto maior a produtividade, mais competitivo o país. Quanto maior o salário, menos competitivo é o país. Quanto mais valorizada a taxa de câmbio, menos competitivo o país.

Em sua história recente, o Brasil atravessou fases em que a taxa de câmbio esteve bastante valorizada. Por outro lado, os salários na economia pressionaram muito os custos e a produtividade deixou de crescer em 1997. Isso tudo fez a indústria perder competitividade e participação no PIB. Paralelamente a tudo isso, as economias estão se movendo mais e mais na direção dos serviços. Por exemplo, estão aparecendo novos serviços que não existiam antes, como nas áreas de informação e entretenimento.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual o impacto da perda de participação da indústria para a economia brasileira?

REGIS BONELLI - A indústria é fundamental porque é o lócus de criação e difusão de tecnologia para o resto do sistema econômico. Quanto se tem uma indústria menor, tem um motor menos potente para mexer a máquina da produtividade, da inovação. A  indústria nunca foi um setor muito empregador de mão de obra e os últimos 20 anos não são exceção. Como usa muita tecnologia, muito capital, tende a contribuir mais para a geração de valor adicionado do que para o emprego. Exatamente porque usa tecnologia moderna e sofisticada é que tende a poupar mão de obra. Isso significa que a recuperação da indústria, quando vier, dificilmente vai contribuir para baixar consideravelmente os índices de desemprego. Por outro lado, na produção a contribuição será vigorosa. Originalmente, nas décadas de 1960 e 1970, quando se falava em desindustrialização, calculávamos pelo emprego. Hoje, no entanto, mede-se pelo PIB industrial em relação ao PIB total. Isso ocorre porque aceita-se que o emprego industrial tende a ser uma proporção cada vez menor do emprego total, pelo fato de a indústria usar tecnologias poupadoras de mão de obra no mundo inteiro. Mas o que acontece aqui é que a própria produção industrial está indo muito mal. Não há uma causa única ou uma resposta fácil, por isso é difícil imaginar que uma bala de prata poderia resolver.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Essa tendência de perda na participação pode ser revertida?

REGIS BONELLI - Parte desse movimento pode ser revertido. Com o câmbio mais próximo do lugar, é possível e provável que a indústria venha recuperar parte do terreno perdido. Não tudo, mas parte. Mas para que esse movimento seja mais duradouro e não fique unicamente dependendo do nível da taxa de câmbio real, é preciso que a produtividade industrial aumente. Esse é o fator-chave. Todos os países bem-sucedidos em sua estratégia industrial tiveram ganhos de produtividade acentuados. O Brasil não está tendo. Há 20 anos a produtividade da mão de obra da indústria vem diminuindo. Isso é uma âncora que segura a competitividade do país. Enquanto a gente não resolver essa equação da produtividade que não cresce, vai ser difícil retomar o crescimento da indústria de forma semelhante ao que já tivemos no passado, mesmo com o câmbio ajudando. Ele só não está ajudando mais porque a economia está em recessão e o mundo está com uma situação de lento crescimento do comércio desde a crise de 2008.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Falta ao Brasil uma política industrial eficaz?

REGIS BONELLI - A política industrial no Brasil sempre se notabilizou por privilegiar grupos e setores específicos. A política industrial deve agir onde existem falhas de mercado, onde o mercado não consegue resolver por si só as questões que são colocadas. Toda política de intervenção deve ter um sentido, um propósito, e ser temporária para corrigir uma falha de mercado específica. A política industrial deveria ser canalizada para aspectos que o mercado não cobre, como apoio à inovação tecnológica e investimentos em infraestrutura, que têm retorno social, mas nem sempre despertam interesse do setor privado. Nesses casos é preciso que o recurso público seja utilizado, porque o capital privado não entra.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais devem ser as prioridades do governo neste momento?

REGIS BONELLI - Não dá mais para adiar as reformas tributária, previdenciária e trabalhista. É preciso fechar novos acordos comerciais, diminuir os juros e facilitar o ambiente de negócios. Temos que ter uma preocupação com a eficiência econômica que, infelizmente, faltou nos últimos tempos. Há duas coisas que podem deslanchar a economia agora. Uma delas são as exportações e, a outra, é o investimento em infraestrutura. Tem que ter um programa muito bem desenhado para que possa atrair o setor privado e colocar a mola do crescimento para funcionar. Não é fácil, porque o empresário só investe durante uma recessão se vir luz no fim do túnel. Mas certamente não teremos crescimento neste e nem no próximo ano, ao menos que algo que não está atualmente no radar aconteça. Por outro lado, o próprio ajuste das contas públicas é contracionário, por isso a recuperação vai ser tão lenta. Mas tem que fazer. Ou faz o ajuste ou teremos um desastre, que é a alternativa pior. E, pensando a mais longo prazo, a melhoria da qualidade da educação no Brasil é o item principal da agenda de crescimento. Mas tem que começar a agir agora.

REPRODUÇÃO DA ENTREVISTA - As entrevistas publicadas pela Agência CNI de Notícias podem ser reproduzidas na íntegra ou parcialmente, desde que a fonte seja citada. As opiniões aqui veiculadas são de responsabilidade do autor. Em caso de dúvidas para edição, entre em contato pelo e-mail [email protected].

 

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