Foram dois anos de debates entre várias instituições, para definir o que era preciso mudar no currículo dos cursos, para melhorar a formação dos engenheiros nas universidades brasileiras.
Além da Associação Brasileira de Educação em Engenharia (ABENGE), várias outras entidades participaram das conversas e apresentaram propostas. Entre elas, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e representantes de universidades de todo o país.
As mudanças foram homologadas pelo Ministério da Educação (MEC) no mês passado. A partir daí, os cursos terão prazo de três anos para se adequarem, gradativamente, às novidades.
Em entrevista à Agência CNI de Notícias, o presidente da Abenge e ex-professor da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), Vanderli Fava de Oliveira, conta como foi o processo para se chegar às propostas que vão entrar em vigor e o que o mercado e a sociedade esperam dos engenheiros nos dias de hoje. Vanderli de Oliveira é mestre e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) e pós-doutor em Educação em Engenharia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele participou de todo o trabalho para as mudanças na base curricular de engenharia.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais as principais mudanças na nova base curricular dos cursos de engenharia?
VANDERLI DE OLIVEIRA – Quando se fala em base curricular, isso se refere ao que o aluno deve aprender, em termo de conhecimento e de competências específicas da área que ele está estudando. É uma mudança de concepção dos cursos que hoje trabalham com conteúdo para o desenvolvimento de competências. Os cursos vão mudar, aos poucos, da aula tradicional para atividades com base em metodologias ativas e substituir a grade curricular por projeto de curso que envolva pessoal e infraestutura. O que se quer é que o aluno, além de aprender, saiba fazer.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O que mais você destaca dessa nova base curricular?
VANDERLI DE OLIVEIRA – Ela vai incentivar a troca de aulas tradicionais por ambientes de aprendizagem. Uma atividade que forma competências tem que englobar teoria, prática e competências. Ao invés de aulas tradicionais, os alunos vão participar mais do processo e trabalhar em ambientes que integrem teoria, prática e contexto de aplicação. Isso é desenvolvido através das chamadas metodologias ativas. Isso diminui o tempo na tradicional sala de aula. A formação tem que pressupor desenvolvimento de habilidades atitudinais: o profissional precisa saber se relacionar bem com as pessoas, trabalhar em equipe, com as mídias e saber escrever. Também existe a preocupação com a sustentabilidade: responsabilidade social e compromisso com o ambiente.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o setor de engenharia sentiu a necessidade dessa atualização?
VANDERLI DE OLIVEIRA – As empresas querem saber o que o engenheiro vai fazer com o que o aprendeu. Não basta saber cálculo, tem que saber resolver os problemas do dia a dia. As empresas não querem o profissional que saiba muita coisa mas que não saiba usar. Elas precisam ter profissionais mais próximos do que a sociedade espera.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – De que forma os futuros profissionais serão impactados?
VANDERLI DE OLIVEIRA – O mercado de trabalho exige, há algum tempo, um profissional inovador, empreendedor e que aprenda constantemente. Então o engenheiro precisa estar sempre se atualizando. Não basta que ele chegue com grande conhecimento de conteúdo. Ele deve estar sempre disposto a aprender, treinar os profissionais da empresa e ir em busca de inovação. Inovando sempre.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quanto tempo levou e como foi o processo para esta mudança?
VANDERLI DE OLIVEIRA – A insatisfação vinha há uns sete anos, quando se comparava as diretrizes dos cursos de engenharia do Brasil com a dos países desenvolvidos. Em janeiro de 2017, começaram as conversas com a Secretaria de Educação Superior do MEC, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a CNI, através da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). Aí foi formada uma comissão, começaram as reuniões com entidades envolvidas com engenharia. CAPES, CNPq. Confea, representantes de instituições que têm cursos de engenharia e pesquisadores.
Nestes encontros, as pessoas apresentavam propostas do que deveria ser mudado nas diretrizes curriculares. Houve, por exemplo, um questionamento se o curso deveria passar a ter 4 anos de duração. Mas, em janeiro de 2018, ficou decidido que vai continuar com 5 anos mesmo. Em agosto de 2018, o CNE colocou as propostas em consulta pública. E o texto final foi fechado em dezembro de 2018. Em janeiro deste ano, a proposta foi aprovada no CNE, em março foi enviada para o MEC e agora tá em vigor.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E qual a avaliação depois de todo trabalho?
VANDERLI DE OLIVEIRA – Só tenho ouvido comentários favoráveis. O pessoal está animado. Fizemos um bom trabalho. Quando junta a turma da academia com o pessoal das empresas, o resultado é bacana. Foram 2 anos de muita discussão, foi um processo de construção coletiva. Ninguém é dono das novas diretrizes.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como será a adaptação das universidades?
VANDERLI DE OLIVEIRA – A primeira providência será valorizar as atividades dos professores, que hoje são pesquisa e pós-graduação. Na Europa, por exemplo, a partir de 2020, para ser professor universitário, terá que ter formação didática–pedagógica. A Comunidade Européia já está trabalhando em diretrizes: atividade de graduação com o mesmo valor da atividade de pesquisa. Aqui no Brasil, a adaptação para as novas diretrizes será gradual. Aos poucos, as instituições passarão a adotar as propostas. Elas têm um prazo de 3 anos para isso. Algumas universidades já estão fazendo isso, como a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Guaratinguetá (SP) e o Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Você comentou sobre o engenheiro ser um profissional inovador. Por que a formação dos engenheiros é tão importante para a inovação em um país?
VANDERLI DE OLIVEIRA – Não tem como ter inovação tecnológica se não tiver engenheiro. Ele é agente fundamental para a inovação. Um país, para se desenvolver, tem que formar engenheiros para além da atividade profissional. Porque as políticas públicas e gerais, para o desenvolvimento tecnológico, precisam de engenheiros. Os países que se desenvolveram tecnologicamente, tiveram pessoas da área tecnológica em cargos de decisão. É preciso ter engenheiros em cargos de decisão. A formação em engenharia, tem que levar o engenheiro a pensar que tem responsabilidade no destino do país. E tecnologia é feita por engenheiro.
SAIBA MAIS - Conheça as novas diretrizes para os cursos de engenharia no documento do Ministério da Educação (MEC).