O jovem reclama que o currículo das escolas está longe da vida real dele, afirma presidente de ONG educacional

Lúcia Dellagnelo,responsável pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), diz que a tecnologia educacional, quando utilizada como suporte a práticas pedagógicas inovadoras, torna o aluno mais ativo e engajado, estimulando o protagonismo em seu processo de aprendizagem.

Lúcia Dellagnelo é a responsável pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), uma organização sem fins lucrativos criada em 2016 que formula conceitos, desenvolve protótipos e dissemina conhecimentos e boas práticas de uso de tecnologias nas escolas.

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, a diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), Lúcia Dellagnelo falou da importância do uso da metodologia STEAM (sigla em inglês que contempla ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática) no ensino brasileiro. 

Para ela, a abordagem - que envolve resolução de problemas via projetos com ênfase em ciências exatas - pode ajudar o Brasil a melhorar os índices educacionais. Entretanto, há desafios: como o da formação do professor e da aplicação do método ainda nos anos iniciais da vida escolar do aluno.

Lúcia é doutora e mestre em educação pela Universidade de Harvard (EUA), foi secretária de Desenvolvimento Econômico Sustentável em Santa Catarina e atua também como consultora de organizações nacionais e internacionais na área de educação e desenvolvimento territorial.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A abordagem educacional que utiliza a Ciência,Tecnologia, Engenharia, Artes e a Matemática, conhecida como STEAM, pode trazer melhorias para o ensino brasileiro? Há espaço para essa metodologia na educação brasileira?

LÚCIA DELLAGNELO –
Hoje, a maior parte das atividades cotidianas envolve questões de ciência e de tecnologia. O modo como nos comunicamos, como nos divertimos, as soluções para os desafios nos campos de saúde, ambiental... E são essas áreas do conhecimento as que apresentam os piores desempenhos dos estudantes brasileiros, de acordo com as avaliações internacionais. Daí a importância do STEAM, que reúne conteúdos fundamentais para fazer a educação do Brasil avançar, principalmente porque coloca os alunos em contato com suas realidades de vida, dando significado à aprendizagem. A tecnologia educacional, fortemente presente no STEAM, é capaz de tirar o estudante do lugar de receptor passivo, levando-o a se apropriar das ferramentas que lhe permitam participar ativamente da construção do próprio conhecimento.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais seriam hoje as principais dificuldades para implementar o STEAM de uma forma mais robusta no Brasil? A escola pública teria condições de abarcar essa abordagem?

LÚCIA DELLAGNELO –  O STEAM tem, sim, espaço na educação pública. A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017, reconhece a importância do tema da tecnologia e a inclui entre as dez competências gerais a serem desenvolvidas por todos os estudantes brasileiros. Mas há muitos desafios, pois a educação brasileira, durante muito tempo, se ateve a um ensino predominantemente teórico e abstrato, distante da prática do dia a dia, com enfoques pouco relacionados à vida dos estudantes. Porém, as metodologias inovadoras, o uso de tecnologia educacional e o STEAM podem mudar esse cenário.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Em sua análise, o exagero na teoria no ensino brasileiro contribui para o aluno achar que a matemática e a ciência são conteúdos difíceis?

LÚCIA DELLAGNELO – Exatamente. É comum os alunos se queixarem de que os conteúdos do currículo são abstratos, desconectados de suas realidades. Eles não veem relevância naquilo que aprendem, pois os conteúdos não são apresentados como meios para se chegar a soluções de problemas individuais ou da sociedade. A tecnologia educacional tem um importante papel nesse sentido. Quando utilizada como suporte a práticas pedagógicas inovadoras, a tecnologia torna o aluno mais ativo e engajado, estimulando o protagonismo em seu processo de aprendizagem.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Uma crítica ao STEAM é que a abordagem pode ser excessivamente tecnicista e positivista, uma vez que não privilegia matérias de humanas. Qual a sua opinião sobre isso?

LÚCIA DELLAGNELO –
Tudo depende da maneira como se insere o STEAM nas práticas pedagógicas. Fazer um trabalho mais prático não significa dispensar os fundamentos e os conceitos que estão por trás do que está sendo estudado. Por exemplo, na área de tecnologia, o pensamento computacional é uma habilidade essencial. Esse conteúdo pode ser trabalhado de maneira teórica, abstrata, completamente conceitual, ou, de forma mais prática, executando um protótipo robótico, por exemplo – o que vai trazer mais relevância às informações e estimular os alunos a aplicar os conhecimentos na solução de problemas reais. Ou seja, não se deixa de trabalhar os conceitos, a teoria, mas se alia a teoria à prática.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como funciona a interdisciplinaridade no STEAM?

LÚCIA DELLAGNELO – A interdisciplinaridade é uma prática intrínseca ao STEAM. O professor não precisa, necessariamente, ficar preso a uma disciplina. É possível, por exemplo, trabalhar matemática usando música. Com isso, o aluno compreende a aplicação prática do conhecimento.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Os professores dizem que não têm formação para esse tipo de abordagem porque não aprendem na faculdade. Você acha que formação continuada é o caminho para capacitar esse profissional?

LÚCIA DELLAGNELO –
Os professores enfrentam um grande desafio. Eles não recebem formação adequada para a inovação educacional, para adotar metodologias que usem tecnologia com eficácia. E, portanto, têm dificuldades em mudar suas práticas pedagógicas. No Brasil, em geral, a formação de professor privilegia aspectos teóricos que não são suficientes para desenvolver as competências necessárias a uma ação pedagógica eficaz. As Secretarias de Educação,
municipais e estaduais, têm limitações para oferecer formações continuadas de qualidade, formações que permitam aos professores a atualização profissional necessária para acessarem e utilizarem materiais e práticas pedagógicas inovadoras.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - No STEAM, há mais autonomia do aluno e menos protagonismo do professor?

LÚCIA DELLAGNELO –
A prática pedagógica tem que estar centrada no aluno, ele tem que ser o protagonista do processo de aprendizagem. O professor tem um importante papel como mediador desse processo, trazendo os conceitos, orientando as reflexões. No STEAM, professor e aluno trabalham em estreita relação, cada um exercendo seu papel em um processo de construção conjunta.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Hoje tem alguma abordagem de STEAM que você considera importante, que pode ser exemplo para o país?

LÚCIA DELLAGNELO –
O movimento Maker, que alguns chamam de mão na massa, é uma prática que vem ganhando as salas de aula em todo o mundo. A ideia é que, a partir da experimentação, os alunos se apropriem de conceitos de ciência, tecnologia. Aqui no Brasil, já existem experiências muito interessantes nesse sentido, em todos os níveis de ensino.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O STEAM pode ser usado em todas as etapas de ensino, como no fundamental e médio?

LÚCIA DELLAGNELO –
Sim. Aliás, quanto mais cedo o aluno tiver contato com essa visão conjunta dos conteúdos e compreender a relação que existe entre eles, melhor. Além disso, a criança já tem o ímpeto natural de explorar e de descobrir as coisas com que tem contato. Porém, infelizmente, a escola muitas vezes ignora essa característica, em vez de aproveitá-la. A criança vai para a escola com curiosidade, com vontade de entender, mas é submetida a um processo de educação passivo, em que o professor transmite e o aluno recebe o conhecimento.
 

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