John Kao é uma espécie de personificação do conceito de inovação. Não apenas por ser considerado um dos principais pensadores do assunto, mas um realizador. O americano explora suas qualidades de maneira quase esférica: é pianista profissional e xodó da Yamaha, a principal fabricante de pianos no mundo; formou-se médico; das provocações enquanto professor na Harvard Business School, ajudou a fazer da inovação uma disciplina na academia; é autor de best-sellers e, como se não bastasse, assinou produções na Broadway e em Hollywood. A versatilidade, com o risco de se engajar em iniciativas tão diferentes, o colocou no banco do piano da casa de Tom Jobim e na mesa de reuniões de líderes empresariais e chefes de Estado, a quem oferece consultoria sobre estratégias em inovação.
Múltiplos também são os nomes e apelidos usados para descrevê-lo. Sr. Criatividade, Guru da Inovação, o Monet da Inovação, Inovador em Série, para citar alguns, é também o presidente e fundador do programa EdgeMakers, cujo objetivo é promover, em várias partes do mundo, a cultura de inovação e oferecer currículos de formação educacional direcionada à educação básica, empresarial e formação de lideranças. “Se você quer inovação, tem de ter gente que saiba fazê-lo. Se quer gente que sabe fazê-lo, elas têm de aprender como”, afirma. Nos próximos meses, o americano espera deslanchar projetos-piloto para implementar a iniciativa no Brasil.
John Kao participou do Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria , realizado em São Paulo, por iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas ( Sebrae ). Ele concedeu uma entrevista exclusiva à Agência CNI de Notícias .
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O senhor diz que é preciso definir inovação para, de fato, inovar. Qual é a sua definição?
John Kao – O dicionário define inovação como “criatividade aplicada a algum motivo para gerar valor” e é uma boa definição. Mas a minha própria definição é que inovação é um conjunto de habilidades que permitem a realização de um futuro desejado. O que isso realmente quer dizer é que a inovação não é seguir um livro ou uma fórmula. É um jeito de fazer as coisas que requer muita prática e experiência, assim como tocar piano não é algo que se faça imediatamente. Tem que haver um motivo. Pensar no futuro desejado, no que você quer ser, torna uma estrela guia ou a motivação para o trabalho inovador. E continuamente. Muita gente pensa: “vou fazer uma estratégia de inovação e depois acabou”, quando, na verdade, inovação é algo que você precisa fazer o tempo todo. A ideia popular de que inovação é um rompante de inspiração não está correta. Inspiração é uma parte do processo, mas uma pequena parte. Inovação não é invenção. Pode ser sobre criar algo novo, mas apenas quando essa coisa nova é posta em prática.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual é o papel da inovação em tempos de crise econômica?
John Kao – Em toda a recessão nos Estados Unidos, o Vale do Silício se tornou extremamente inovador e novas coisas aconteceram. Pense em mídias sociais, computador pessoal. Todos começaram em períodos de recessão. Assim, pode-se dizer que períodos de crise são particularmente especiais para a inovação. Primeiro, há capacidade extra, menos gente trabalhando, mais desempregos, recursos na sociedade que podem não estar sendo utilizados por causa do revés econômico. Então há mais flexibilidade para fazer coisas novas. Segundo, porque quando as coisas estão bem, as pessoas querem fazer aquilo que sabem fazer. Muitas vezes, em tempos difíceis, as pessoas pensam que é preciso apertar (as contas), gastar menos em coisas extras, quando, na verdade, esse é exatamente o momento em que é se deveria gastar mais em inovação.
Em Cingapura, durante a última crise econômica, o primeiro-ministro disse: "o país está em recessão e por isso devemos investir ainda mais em inovação". Esse é um exemplo de liderança que realmente entende o conceito. Atualmente, há cerca de 50 países que têm estratégias e planos nacionais de inovação. Recentemente, estive na China. Os chineses estão gastando meio trilhão na sua estratégia nacional de inovação. Não é apenas um discurso, é real. Os países, assim como as empresas, são diferentes e estão tentando descobrir seu caminho, mas o importante dessa era da história é que a inovação não é mais considerada um luxo ou algo abstrato. Esse Congresso é prova do que está acontecendo, de que inovação é uma realidade. As pessoas podem ver, manusear (a inovação).
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Fala-se muito em reformular a educação dos profissionais para incentivar a inovação. Como o senhor vê esse argumento?
John Kao – Você tem que educar as pessoas para que elas saibam inovar. Não acontece naturalmente. E, para mim, essa é uma das maiores lacunas. Se você quer inovação, tem de ter gente que saiba fazer. Se quer gente que sabe fazê-la, elas têm de aprender como. Até então, não havia nenhum sistema de educação digital integrado direcionado à inovação. Foi nisso em que trabalhei por anos na minha vida para desenvolver, que é o EdgeMakers. O EdgeMakers é tanto para jovens – que ainda têm a mente aberta, mas a escola e o sistema meio que dizem a eles para não serem tão criativos. Para jovens talentos de empresas, oferecemos conhecimento de inovação para empoderá-los a fazer novas perguntas, criar coisas novas. Com líderes, fazemos com que entendam o papel especial que eles têm na agenda da inovação. Se uma organização tem líderes que não entendem a inovação, será muito difícil colher os frutos da agenda da inovação. Para mim, inovação não é apenas criar um novo produto e ter mais lucros, é mais sobre a capacidade de uma organização e mesmo uma sociedade de se transformar na direção que precisam para o futuro. Nada pode ser mais importante para uma companhia.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Há planos para o Brasil?
John Kao – Somos uma companhia jovem, mas já estamos fazendo muito progresso em termos de implementar nosso projeto. Somos muito ativos na Colômbia e nos Estados Unidos e estamos em discussões profundas com outros países. No Brasil, sentimos que, porque o país declarou que inovação é muito importante como uma agenda estratégica, queremos trazer o EdgeMakers para o país. Queremos organizar projetos pilotos em sistemas educacionais. Estamos, por exemplo, conversando com a CNI. Temos maneiras de distribuir o projeto em escolas e em espaços corporativos. Estamos começando a implementação agora, mas, se tudo der certo, nos próximos meses ouviremos muito mais sobre o EdgeMakers.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Por fim, qual experiência de inovação teve mais impacto na sua trajetória?
John Kao – Na minha experiência pessoal, entendi a inovação ao fazer a transição de ser um pianista de música clássica para o jazz. A música clássica requer estudo, alguém te dá as partituras e você toca as notas. Fiz isso por dez anos – meu primeiro objetivo pessoal foi ser um pianista profissional. Toquei Chopin, Mozart, Beethoven. Quando me apaixonei pelo jazz – que é música criada no momento, era muito difícil para mim tocar jazz pois eu já estava tão acostumado a fazer as coisas em uma estrutura. Foi apenas quando esqueci, deixei o piano de lado por alguns anos e pude voltar à mente do principiante, como dizem os zen budistas, é que comecei a explorar tocar notas que não estavam escritas em um papel e fazer com que soasse bem. Isso, para mim, foi aprender profundamente o que é inovação. Por 100 anos, os jazzistas têm sido inovadores, mas exclusivamente na música. Eu levei essa lição para os negócios.
FOTOS - Todas as fotos do 6º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria estão no perfil da CNI no Flickr. Acesse!