Nova tendência na área de educação pode melhorar ensino básico no Brasil

Para o pesquisador da USP Gustavo Pugliese, o STEM - movimento que enfatiza determinadas áreas do conhecimento como Ciências e Tecnologia - traz um currículo contextualizado com o mundo real e menos disciplinar

Gustavo Pugliese tornou-se um dos mais expoentes pesquisadores no estudo de STEM Education no Brasil. O movimento educacional enfatiza áreas de conhecimento como Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, e em algumas versões também abrange Artes e Design (STEAM). O pesquisador cursou Letras e Ciências Biológicas na Universidade de Campinas (Unicamp). Fez mestrado no Instituto de Biologia da Unicamp com um período na Universidade de Washington (EUA), com ênfase em STEM education para minorias. Atualmente cursa doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e é consultor na empresa Foreducation EdTech.

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Gustavo Pugliese defende que o STEM/STEAM é uma tendência educacional que pode ajudar na melhoria do ensino básico e na oferta de mão de obra qualificada para um futuro desenvolvimento tecnológico e industrial. Em sua análise, o movimento traz um currículo contextualizado com o mundo real, menos disciplinar e com elementos da tecnologia. Por isso, se for incorporado nos currículos educacionais brasileiros com uma perspectiva crítica de Ciências, incorporando elementos de História, Filosofia e Ciências da Natureza, o Brasil fará grandes avanços educacionais. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - No seu ponto de vista, o STEAM/STEM é uma metodologia, uma abordagem ou uma técnica de ensino? 

GUSTAVO PUGLIESE - Defendo que STEM é um movimento, uma tendência. Isso porque faz parte de um contexto mais amplo de políticas educacionais, de uma concepção de escola e educação. Quando se fala em metodologia, no sentido popular da palavra, a expectativa é de que haja um método STEM que pode ser literalmente aplicado. Na verdade, isso não existe, pois se trata de um pensamento, um conjunto de ideias que carrega uma concepção de escola, de aprendizagem e de currículo. Não há uma metodologia universal ou estável de STEM, algo pacificamente aceito entre os diferentes agentes envolvidos nas propostas STEM. 

Trata-se de um movimento cujas ideias, significados e abordagens estão em constante disputa. Há quem defenda que STEM existe desde a época da Guerra Fria. Mas o fato é que nomeadamente e com o sentido de política educacional como tem sido nos EUA, é algo mais recente. Mas não nasce como uma metodologia, em qualquer que seja o caso. 

"Não há uma metodologia universal ou estável de STEM, algo pacificamente aceito entre os diferentes agentes envolvidos nas propostas do movimento"

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Por que apenas nos últimos anos o modelo vem crescendo no Brasil? 

GUSTAVO PUGLIESE - Os autores da área apontam algumas razões interessantes para isso. Uma delas, é que a ideia de STEM education como uma necessidade talvez não se concretize em algumas culturas econômicas. Ou seja, o Brasil, como é um país que muito consome, mas pouco produz em tecnologia, não opera sob essa mesma demanda de profissionais STEM que outros países, como os EUA. E aí, no caso do Brasil, a retórica STEM tem sido muito mais no sentido de melhoria do ensino básico e oferta de mão de obra qualificada para um futuro desenvolvimento tecnológico e industrial.

Já em outros países, como Inglaterra e EUA, a retórica é muito mais no sentido de crise nacional em STEM (econômica, educacional, política..), algo de maior dimensão e com um sentido mais de catástrofe no caso da não adoção. É preciso levar em conta que uma das razões pelas quais STEM se tornou uma febre nos EUA foi a constatação de uma suposta falta de mão de obra qualificada nas áreas STEM, além de um baixo desempenho e interesse dos alunos pelas áreas do acrônimo. Então há aí uma relação direta com a economia do país.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Há alguma resistência no Brasil em relação à aplicação do STEAM/STEM ou ele ainda é pouco difundido porque os movimentos educacionais são processos mais lentos (devido à formação dos professores, chegada nas escolas, etc)? 

GUSTAVO PUGLIESE - Em relação à resistência, isso é muito relativo. Pois não é a primeira vez na história da educação brasileira que há um certo modismo ao importar tendências de outros países. Então, nesse sentido, as políticas educacionais eventualmente se mostram favoráveis a essas propostas estrangeiras.

Por outro lado, é claro que como qualquer outra proposta educacional apresentada aqui, há a barreira da formação de professores. Infelizmente, no Brasil, a formação continuada não é exatamente algo que faz parte essencial das políticas de educação. Além disso, essas propostas enfrentam falta de continuidade por serem políticas de governo e não de Estado.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Uma das críticas ao STEAM/STEM é a maior valorização das matérias exatas frente às humanas, o que poderia indicar que o movimento seria muito positivista e tecnicista. Qual a sua posição sobre essa questão?

GUSTAVO PUGLIESE - Esse é um ponto que merece muita atenção, pois é comum a ideia de que a escola deve focar em formar mão de obra para o mercado de trabalho, apenas. Considerando, principalmente, que o mercado de trabalho é formado somente pelas áreas STEM. É claro que a formação de mão de obra importa e que a escola precisa ajudar nesse processo de formação de profissionais qualificados.

Todavia, está equivocado o pressuposto de que apenas áreas STEM importam para a formação humana, para o mercado e para os avanços da sociedade. Ou que a tecnologia e a Engenharia vão resolver todos os problemas sociais, porque tudo seria apenas uma questão de inventar a máquina certa. Essa ideia é chamada de otimismo tecnológico e traz uma visão ingênua do valor das áreas STEM. O problema dessa supervalorização das áreas STEM é que isso está ocorrendo em detrimento das Ciências Humanas e Sociais, como se elas não devessem ter a mesma importância na escola ou na sociedade, ou não devessem ter a mesma atenção na implementação das políticas educacionais.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O STEAM/STEM tem sido aplicado de maneira muito híbrida no ensino brasileiro. Isso de alguma forma não deixa o movimento esparso e difícil de conceituar? Não dificulta o entendimento da sociedade sobre o assunto (como os pais, por exemplo) e a formação de professores? 

GUSTAVO PUGLIESE - Acredito que não. Acho inclusive interessante que seja esparso, pois permite ressignificações. E é também um ponto positivo: permite que boas práticas já existentes sejam somadas, sem que a roda seja inventada duas vezes. Um autor faz uma constatação interessante: se você perguntar para alunos, pais, professores e agentes das políticas educacionais, cada um trará uma definição própria de STEM. E outro diz que dentro das escolas, STEM é na verdade SteM. Fora delas, é apresentado como sTEm.

Embora muitas instituições e organizações proclamem a utilização de STEM nas escolas, não há quem seja dono ou autor principal na área.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Na questão de formação de professores, você acha que o Brasil forma corpo docente para aplicar o STEAM/STEM? O movimento educacional exige que o professor esteja sempre em capacitação?

GUSTAVO PUGLIESE - Formação docente é algo bastante deficiente do ponto de vista das políticas públicas. Seja para STEM, seja para qualquer outra tendência. No caso do STEM, o movimento traz como pressuposto um currículo contextualizado com o mundo real, menos disciplinar e que incorpore elementos da tecnologia que vivenciamos. É justamente nesses três aspectos que mais se deixa a desejar em termos da formação docente, assumindo aqui algumas generalizações, é claro. 

Quando a questão é pensar sobre a necessidade do STEM exigir que o professor esteja sempre em capacitação, prefiro pensar, na verdade, que essa é uma premissa básica do ato de educar. A atividade docente é e deve ser uma constante capacitação, seja ela com a reflexão e melhoria da prática em sala de aula, com a atualização e estudo do campo do conhecimento que se leciona, ou com o estudo teórico da pedagogia. Nesse sentido, é essencial que se entenda a formação docente não como um curso que o professor faz para literalmente aplicar o que aprendeu, mas sim como pesquisador e aprendiz da própria prática.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais pontos positivos você acha que o STEM/STEAM pode trazer para o desenvolvimento do Brasil?

GUSTAVO PUGLIESE - O maior deles é justamente a força que assumiu nas políticas de educação em alguns países, algo que pode ser coordenado para uma reforma positiva especialmente no ensino de Ciências. Acredito então que se for incorporado nos currículos com uma perspectiva crítica de Ciências, não determinista e instrumental, bem como trazendo elementos de História, Filosofia e Natureza da Ciência, tem muito a acrescentar. Além disso, também abre espaço para incrementarmos novos conhecimentos e tecnologias nos currículos, algo bastante necessário. Por fim, se for um movimento que vem para somar com as Ciências Humanas e Sociais, inclusive integrando-se a elas, teremos aí grandes avanços.

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