Não dá para ficar de fora

Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, a transição para novas formas de produção que caracterizam a Indústria 4.0 será decisiva para a competitividade nacional. Os desafios para a adoção das tecnologias digitais, porém, são imensos. Leia no artigo publicado na revista EXAME CEO

Robson Braga de Andrade é presidente da CNI

O desenvolvimento da Indústria 4.0 é elemento central das estratégias de empresas líderes e da política industrial das principais potências do mundo. O Brasil, que precisa melhorar sua produtividade e voltar a crescer, não pode ficar fora desse movimento.

O poder computacional, aliado à redução de custos de equipamentos e à miniaturização de componentes, permitiu o uso, em larga escala, de tecnologias digitais na indústria. Entre elas, destacam-se: internet das coisas, big data, computação em nuvem, robótica avançada, inteligência artificial, novos materiais, manufatura aditiva (impressão 3D), manufatura híbrida e realidade aumentada. 

A combinação da automação com as tecnologias digitais na indústria, como o uso de sensores e equipamentos ligados em rede, que conectam o mundo real e o virtual, produz diversos benefícios, como o aumento da eficiência; otimização dos processos de desenvolvimento, de produção e de vendas; e criação de modelos de negócios. 

A transição para as novas formas de produção que caracterizam a Indústria 4.0 será decisiva para a competitividade da indústria brasileira e para a sua maior e melhor integração em cadeias globais de valor. Essa atualização amplia a variedade e a qualidade de bens e serviços à disposição tanto da sociedade como das empresas. 

No Brasil, o conhecimento e o uso de tecnologias digitais pelas indústrias precisam ser mais difundidos. Do total das empresas no setor, apenas 58% sabem da importância das tecnologias digitais para sua competitividade. Pouco menos da metade utiliza algum desses instrumentos, como mostra a pesquisa Sondagem Especial 66: Indústria 4.0, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2016. 

O pouco conhecimento sobre o que e como fazer contribui para a percepção de custos acima do que realmente é necessário. O alto custo de implantação foi identificado por 66% das empresas como um dos principais entraves para a adoção de tecnologias digitais. 

TRANSIÇÃO GRADUAL - A passagem para a Indústria 4.0 pode ser desenvolvida gradualmente pelas empresas. Não é uma operação do tipo big bang. A aplicação das tecnologias é feita por etapas da produção, dentro do planejamento regular das empresas, ou seja, considerando os planos de investimentos ligados à manutenção e à atualização dos equipamentos. 

O primeiro passo é difundir o conhecimento sobre o conceito de Indústria 4.0 e sua importância para a competitividade. A elaboração de ações estratégicas para implantar essa concepção necessita entrar na agenda das empresas. Os planos devem indicar as técnicas que podem produzir os maiores resultados e estabelecer uma sequência lógica para a sua adoção. 

Governo e instituições privadas de apoio à indústria e à inovação também carecem de conhecimento na área. Só com ampla informação será possível a construção de políticas públicas eficientes. Merecem destaque as iniciativas do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços; do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As ações envolvem a Câmara de Internet das Coisas, o estudo sobre internet das coisas e o recém-criado Grupo de Trabalho sobre Indústria 4.0. 

Conhecer a situação atual e as perspectivas das empresas diante das inovações da Indústria 4.0 levou a CNI a realizar a Sondagem Especial e elaborar, em 2016, o estudo Desafios para a Indústria 4.0 no Brasil. Agora, a intenção é aprofundar os objetivos com o projeto Indústria 2027: Riscos e Oportunidades para o Brasil diante de Inovações Disruptivas, liderado pela Mobilização Empresarial da Indústria (MEI), uma iniciativa da CNI que reúne as maiores lideranças empresariais do país na agenda da inovação. 

A competitividade das empresas em outros fatores também se mostra essencial para o avanço da Indústria 4.0. São eles: gestão empresarial, capital humano, infraestrutura de telecomunicações, tecnologia e inovação, além da qualidade da regulação e das instituições. A adoção de práticas modernas de gestão (como as técnicas de produção lean ou “enxuta”) constitui um passo importante. 

QUALIDADE DA GESTÃO - O aumento de 1% na qualidade da gestão está associado a uma produtividade 6% maior, segundo estudos da London School of Economics (LSE). Essas pesquisas também mostram que economias emergentes, como Índia e Brasil, possuem tanto uma baixa média de gestão como uma maior proporção de empresas mal gerenciadas, na comparação com países desenvolvidos.

Os ganhos serão ainda mais significativos se a digitalização da produção for somada à melhoria da gestão empresarial. O projeto Indústria mais Produtiva, da CNI, mostrou que medidas simples de gestão do processo produtivo podem gerar ganhos de produtividade, em média, de 42%. O sucesso da iniciativa estimulou o governo a criar o programa Brasil Mais Produtivo, que, com a parceria do SENAI, já atendeu quase 2 mil empresas e alcançou um aumento médio de produtividade de 51%. 

A educação é outro grande desafio, pois faltam trabalhadores bem preparados, mesmo para a indústria tradicional. O ambiente digital é ainda mais complexo e requer habilidades para resolver problemas, para ser criativo e trabalhar em colaboração. Dada a velocidade das mudanças nesse ambiente, é preciso qualificar continuamente os trabalhadores para instigar a flexibilidade e a capacidade de adaptação.

O governo deve promover o desenvolvimento da infraestrutura digital (banda larga e rede móvel). Esses serviços precisam ser suficientes para garantir a transferência de grande volume de dados, nos prazos adequados, permitindo a instalação de medidas de segurança.  

Na área tecnológica e de inovação, precisamos ter uma estratégia tanto para promover a difusão de tecnologias ao longo das cadeias produtivas como para criar oportunidades de desenvolvimento e de produção de conhecimento. Destaca-se a atuação dos Institutos SENAI de Inovação e Tecnologia em diversas áreas, com unidades em vários estados brasileiros. Na esfera regulatória, há importantes questões a tratar, que incluem temas como cibersegurança, proteção de dados, modernização das relações trabalhistas (por exemplo, para viabilizar as tecnologias que permitem a cooperação homem-máquina) e definição de padrões. A falta de regulação gera insegurança, o que desestimula o investimento e o aproveitamento das tecnologias digitais. 

Além dos desafios listados, um aspecto essencial, mas tradicionalmente frágil no país, se refere à articulação institucional dos diferentes órgãos do Estado. As tecnologias emergentes têm impacto em diferentes campos. Além dos processos produtivos, áreas como mobilidade urbana, energia, saúde e educação também são afetadas. 

Apesar de sua base tecnológica comum, as soluções para essas diversas esferas são gerenciadas de forma isolada, por uma multiplicidade de órgãos da administração pública, com pouca coordenação entre si. Uma abordagem integrada é imprescindível para o aproveitamento eficiente das oportunidades de desenvolvimento tecnológico e produtivo nacional. Os desafios para implantação da Indústria 4.0 estão postos. Indústria e governo devem enfrentá-los. Caso contrário, corremos o risco de aumentar a defasagem tecnológica em relação aos nossos competidores, deixando de aproveitar a oportunidade de recolocar a indústria e o país em trajetória de crescimento. No desenho dessas políticas, devemos refletir sobre o passado e evitar políticas que nos isolem. Temos muito trabalho pela frente. 

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