Confira entrevista com o presidente da CNI, Ricardo Alban, sobre a taxação dos EUA sobre os produtos brasileiros

Nesta entrevista, o presidente da CNI comenta a articulação entre os setores privados do Brasil e dos EUA para encontrar saídas ao tarifaço imposto pela Casa Branca ao produto brasileiro. Alban aborda os impactos das barreiras ao comércio, a contribuição empresarial à estratégia desenhada pelo governo brasileiro

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Qual é a proposta da indústria para responder ao tarifaço dos EUA?

RICARDO ALBAN - Não existe uma proposta definida, o que existe é a disposição e a necessidade de se entender a real motivação desse novo tarifário, porque não é imaginável nós termos algum argumento econômico que cause essa modificação. A gente estava num piso, até então, dos 10% (que era a tarifa mínima) e passamos, hoje, para o teto de 50%.

Com essa combinação que temos de perfeito entrosamento entre as mercadorias no Brasil e as mercadorias americanas, nos conceitos de complementaridade, isso é exatamente um "perde-perde".

Então, nosso objetivo é que esse diálogo seja estabelecido e que a fluidez que deixou de existir nas respostas que, segundo o governo brasileiro, foram enviadas ao governo americano, possa voltar. E há um detalhe muito importante: até o momento, não existe nenhum documento oficial ou ordem executiva assinada com relação a essas novas tarifas.

Precisamos que o governo brasileiro, através do MDIC e do Ministério das Relações Exteriores, os quais estão gabaritados para essa negociação, possam retomar as relações com o governo americano para entender exatamente o que temos de concreto e qual é a disposição. Acredito muito que esse assunto será revisitado, haja vista a própria posição recente da U.S. Chamber, que recomenda a revisão, e a posição das próprias empresas brasileiras em conjunto com as empresas americanas na sensibilização de que esse "perde-perde" não soma nada para as duas economias.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Como está o diálogo entre empresários brasileiros e americanos?

RICARDO ALBAN - O importante é que este é um trabalho de várias mãos. Não só com CNI, com a U.S. Chamber ou com a Amcham, mas também com as próprias empresas que são atores fundamentais. Se falamos que temos uma relação de complementaridade, essas empresas, juntamente com seus fornecedores ou seus clientes, são essenciais nessa consensualização do conceito de "perde-perde".

Então, estamos agindo, as empresas também estão se movimentando e estamos levando essas informações para o governo. Muitos estados também estão fazendo o mesmo com suas indústrias localmente para que façamos um movimento contínuo e em grupo, mas uníssono, de forma que tenhamos os mesmos argumentos. Mostrando que o Brasil tem um déficit de balança comercial de bens razoável e de serviços muito grande.

O mais importante é que, nesse momento, nenhuma ação seja feita de forma intempestiva para que não gere novas reações. Esse, creio, é o ponto principal para que possamos, se possível, até o dia 1º de agosto, ter esses esclarecimentos e o bom senso prevalecendo. Ou, na pior das hipóteses, que tenhamos uma prorrogação para que haja tempo de os entendimentos serem consolidados.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Se as negociações não avançarem, como a indústria vê a possibilidade de retaliação?

RICARDO ALBAN - Não é querendo fugir dessa resposta, mas creio que essa possibilidade [de não haver negociação] definitivamente não deverá existir, considerando que a própria postura do governo é de negociação, de entendimento, de esclarecimento, até mesmo deixando de lado as condições políticas dessa discussão. Então, considerando que isso é uma verdade, não vejo como o bom senso deixará de prevalecer.

Mas, numa hipótese absurda, haja vista que estamos vendo outras medidas: quer seja para o México, quer seja para o Canadá, com 30%, ou para a Europa, além de outros países também com essa mesma questão. O que precisamos ver é que não existe solução de curto prazo. Principalmente no setor industrial, onde os produtos manufaturados são feitos basicamente por encomendas, porque eles são complementares, essa possibilidade não existe.

O que vamos ter, não só para o Brasil é um forte impacto, porque é impossível transferir um custo adicional tributário de 50% no mercado internacional. Isso é, definitivamente, como se fosse um embargo. Não existe possibilidade de isso ser um regulador de mercado.

Então, essa possibilidade certamente acarretará uma série de desempregos no Brasil e, certamente, também nos Estados Unidos, porque estamos falando de produtos complementares. Os Estados Unidos também não têm como suprir esses produtos específicos, que não são commodities, mas são produtos semifaturados, por uma ou outra cadeia qualquer de processo, porque exige todo um planejamento, toda uma certificação. É por isso que acredito que o bom senso vai prevalecer.

Na área de commodities não é tão difícil assim, mas também não é fácil redirecionar uma série de produtos de commodities, quer seja óleo cru, café, suco laranja e tantos outros produtos, como a carne bovina. O mercado mundial é um mercado que existe em uma dimensão bastante razoável, que poderá ser trabalhado ao longo do tempo, mas, no primeiro momento, o impacto é grande, como temos agora nos produtos perecíveis. Já estamos tendo um impacto muito forte, até mesmo de prejuízo pela suspensão dos embarques desses produtos perecíveis

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Diante do cenário, há cada vez mais pressão para que o Brasil diversifique seus mercados. Na opinião do senhor, qual deve ser a estratégia para reduzir os estragos das tarifas?

RICARDO ALBAN - A busca de novos mercados, de mercados alternativos, e essa própria política muito enfática e de forma muito intensa do governo americano, certamente fará com que toda a cadeia produtiva global se revisite. Isso é inevitável.

Então, temos essa relação com a Europa, que tem déficits grandes com os Estados Unidos, mas que também sofrerão nessa relação e buscarão [novas soluções]. O mesmo que com o Brasil, acontece com países, como o Japão, ou países do Sudeste Asiático. Todos eles buscarão uma nova equação de comércio exterior, mas isso não é simples.

E, na verdade, é o momento de uma nova equação dessas, já que o que os Estados Unidos tanto reivindicam a situação de comércio exterior, principalmente com a China. O que isso pode levar? Se a China tem vantagens competitivas hoje de preço, de escala, de produtividade e até mesmo de qualidade, isso certamente potencializará essa movimentação global, gerando oportunidades para quem? Para a própria China.

Então, acho que é tudo uma lógica. É que, obviamente, há outros motivos, outras equações a serem resolvidas, mas que precisamos colocar com a devida parcimônia, como sempre chamo, as coisas em seus devidos lugares. E a relação do Brasil é muito confortável, no sentido técnico falando, porque temos esse constante déficit. Não é à toa que começamos pelo piso, estávamos em 10%. Então, não é à toa também que não existe motivo para chegarmos ao teto.

Isso, eu creio e estou firmemente convicto, vai acontecer. Qual a escala? Voltaremos para os 10%? Voltaremos para o anterior a 10%? Realmente, isso dependerá muito dessa habilidade, que não faltará ao nosso Ministério das Relações Exteriores ou ao nosso Ministério, para que possamos agir.

E, seguramente, os setores produtivos, quer seja indústria, quer seja agronegócio, trabalharão em conjunto para que possamos permitir o melhor resultado possível

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Quais setores industriais serão mais impactados pelas tarifas?

RICARDO ALBAN - Os setores afetados temos que analisar sob dois prismas: aqueles que têm impacto em volume financeiro significativo e aqueles que têm impactos relativos para aquele setor também significativos. O que chamamos de "aqueles que têm impactos em volume significativo"? Por exemplo, temos a Embraer, mas a Embraer é uma complementaridade, assim como temos com a WEG, assim como temos a fundição Tupy, onde produtos são importados e exportados, se complementando.

Para ter uma ideia, a Embraer tem cerca de 40% de seus componentes para a aviação que ela exporta, comprados dos próprios Estados Unidos. E no mundo inteiro existe um conceito dessa troca, tipo um drawback entre os mercados internacionais de taxa zero.

Acredito que esse diálogo vai prevalecer, porque nem para uma Boeing, que é uma empresa americana, isso interessa. A Boeing é uma grande exportadora de avião, é uma grande exportadora de peças, e esses conceitos de "propriedade" certamente prejudicarão os negócios da Boeing em detrimento de uma Airbus, que é uma empresa europeia. Então, isso será levado em conta, não tem como não ser levado em conta.

Quando olhamos também o caso de uma Tupy, caso de uma WEG, caso de outras empresas que são complementares com a parte de aço, que são complementares à produção americana, isso é uma verdade. Acredito que isso terá que ser olhado sob um prisma mais realista pela própria necessidade da economia americana. Então, esses são setores que têm volume e representatividade.

Agora, temos que dar atenção também aos setores que não têm essa dimensão de volume, mas têm uma representatividade muito grande para as exportações daquele segmento. Como, por exemplo, calçados ou hortifrutigranjeiros, que temos muitas frutas do próprio Ceará. No Ceará, de 100% das exportações cearenses, cerca de 45% são para os Estados Unidos. Então, para aquele estado, a relatividade do impacto seria muito grande, principalmente para determinados setores. Isso também é importante porque atinge pequenas e médias indústrias que sofrerão significativamente.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Quais os impactos para ambas as economias?

RICARDO ALBAN - Esse impacto sobre os preços é inevitável. Não tem como você ter uma tarifa, mesmo que seja de 20% ou 25%, no mercado internacional e falarmos de moeda estável, com uma moeda americana. Ainda é um peso significativo.

Então, não só impacta de imediato uma inflação americana que agora recentemente chegou a 0,3% (o que é muito pesado para os Estados Unidos) e que pode até ter uma percepção de que, no primeiro momento, no Brasil, será favorável porque haverá sobra de produção e será desovada, obviamente, no mercado interno.

Mas esse é o primeiro momento, porque o mercado interno não terá capacidade de absorver, até mesmo porque a política monetária não permite hoje, com essa alta taxa de juros exorbitantes e inaceitáveis. Isso repercutirá depois em indústrias ou no setor agro, reduzindo sua produção, aumentando o desemprego, perdendo a capacidade de consumo e esse círculo, em vez de ser um círculo virtuoso, não trará nenhum benefício para a sociedade.

O que considero importante é que tenhamos em mente que não existe hoje um instrumento oficial para ser a base de uma negociação. Existe um comunicado, que foi feito pelas mídias sociais, mas que está sendo levado com toda a seriedade que deve ser levado. Então, precisamos ter a certeza de que podemos sentar para resolver um assunto e seria muito importante que se pudesse resolver isso até mesmo na data limite, que é até o 1º de agosto.

Porque a prorrogação, que deve se tornar necessária pela complexidade dos processos e pela complexidade de discutir esse bom senso, gerará ainda mais inseguranças. Se hoje temos insegurança de um embarque e vamos abrir um diálogo para mais três meses, ao longo desse período não teremos qual é realmente o deadline do que será resolvido, e isso gerará também uma angústia.

A prorrogação é algo que solicitamos como uma condição já previdente, para que possamos ter a certeza de que o assunto pode não ser esgotado em 14 dias. Mas que o ideal é que isso possa ser clarificado o quanto antes e que o bom senso volte para a mesa de negociação.

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