As possibilidades de uso do hidrogênio na indústria e os caminhos para desenvolver essa tecnologia como solução energética de baixo carbono no Brasil foi o tema que encerrou os debates sobre sustentabilidade promovidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) nesta terça e quarta-feira (16 e 17).
O assunto foi um dos destaques da programação do encontro Estratégia da Indústria para uma Economia de Baixo Carbono, realizado em São Paulo, e objeto de estudo lançado pela CNI no evento.
Confira o resumo das principais discussões do dia.
Necessidade de investimento e adoção de novas tecnologias
Com a proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), que acontece em novembro, no Egito, um dos painéis discutiu a necessidade de inovação e investimento para que os países possam honrar os compromissos firmados no Acordo de Paris.
Para a diretora executiva da U.S. Chamber of Commerce, Cássia Carvalho, esses dois pontos são essenciais para manter viva a redução de 1,5ºC na temperatura global. No entanto, ela destacou que mais da metade da tecnologia necessária para lidar com a descarbonização do mercado ainda não existe.
"Será uma longa jornada. Precisamos mudar nossa forma de viver, as cidades onde vivemos, os paradigmas, toda a indústria e cadeia de valor. Essa estratégia deve garantir acessibilidade, segurança alimentar, energética e melhor qualidade de vida."
Nessa trajetória, alguns setores já estabeleceram metas próprias, há investimento em mitigação, mas ainda faltam ações inovadoras de adaptação.
Para Claudio Terrés, presidente do Departamento de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Unión Industrial Argentina, a COP27 será fundamental para essa discussão sobre investimento e o papel dos fundos de financiamento. "O mercado irá se regular para avançar de qualquer maneira, nesse sentido o setor privado deve encontrar verbas e fundos para que países em via de desenvolvimento possam se tornar cada vez mais sustentáveis", ressalta.
Em sessão especial sobre as prioridades para a diplomacia climática, David Bargueño, assistente especial de clima do Departamento de Estado Americano também ressaltou a importância do financiamento.
Ele citou a recente aprovação, pelo governo estadunidense, da Lei da Redução da Inflação, pacote que destina US$ 370 bilhões para o combate a mudanças relacionadas ao clima. Segundo Bargueño, essa é a maior injeção de recursos em soluções para energia limpa desde a Segunda Guerra Mundial.
Projeções climáticas apontam desafios
Um dos principais desafios para os próximos anos é conter os danos em relação às mudanças climáticas. Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Mercedes Bustamante defendeu a adoção de metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa e medidas de adaptação.
“Já deveríamos estar debruçados sobre isso, é necessário ações urgentes também de adaptação ao impacto das mudanças climáticas", disse. Para ela, dois passos são a reconstrução da governança na redução do desmatamento e o estabelecimento de metas intermediárias de curto prazo.
“Sem isso, a mudança climática vai amplificar desigualdade social, de gênero, raça e a desigualdade econômica. A política social e de saúde deve considerar as mudanças climáticas, que vão afetar os mais vulneráveis, os que contribuíram menos para a geração desse problema.”
Também do IPCC, Paulo Artaxo argumentou que as emissões continuam aumentando apesar de os cientistas alertarem há 50 anos sobre os perigos das mudanças climáticas para economia, sociedade e infraestrutura. “Um dos aspectos mais visíveis é o aumento dos eventos climáticos extremos, além disso, há indicativo de que regiões que hoje são semiáridas podem se tornar áridas no futuro”, exemplificou.
Parte da solução, a indústria está fazendo a sua parte
A indústria está ciente do seu papel e tem buscado e apresentado soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa em seus processos e produtos. Diretor associado da Carbon Trust, João Lampreia argumenta que o ciclo de sustentabilidade corporativa está se apertando.
“Há uma convergência muito clara para atingir essas metas. Antigamente, era muito bacana só medir a emissão de gases, depois passaram a estipular meta de compensar essas emissões. Agora, há convergência na direção net zero e não dá mais para fugir disso”.
Ele ressalta, entretanto, que o compromisso net zero é diferente de meta validada. Quando há um planejamento, significa que a empresa tem mais do que boa intenção e sabe o que precisa fazer.
Uma das empresas que tem esse plano para os próximos anos é a Tetra Pak Brasil.
Presidente da companhia, Marco Dorna defende que a indústria tenha impacto positivo. Ele cita como exemplo o investimento em adequação das embalagens com objetivo de tornar a indústria de alimentos também mais sustentável.
No mesmo caminho está a ArcelorMittal. Para o CEO da empresa, o aço é um dos insumos com potencial para fomentar a indústria de baixo carbono, especialmente com uso do hidrogênio verde.
Diretora de Vocalização e Influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Valéria Café corrobora a tese de que as empresas precisam ter propósito e se posicionar pelo bem comum da sociedade. Para ela, entra nessa conta o tratamento ético, transparente e acolhedor com as pessoas que formam a empresa.
Hidrogênio sustentável, o combustível do futuro
Um instrumento tido como fundamental para a transição para a economia de baixo carbono - e outra área em que o Brasil tem vantagem em relação aos demais países - é o hidrogênio verde, ou hidrogênio sustentável.
“O Brasil é um lugar único com possibilidade para transformar a indústria. No médio prazo, vamos quebrar o efeito ovo-galinha, vamos ter empresa querendo comprar hidrogênio verde e empresa querendo produzir. Vai ser um ciclo muito virtuoso”, diz Markus Francke, chefe do Projeto H2Brasil da Agência de Cooperação Alemã (GIZ).
De acordo com Duna Uribe, diretora executiva comercial do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, a produção de hidrogênio verde já está em andamento no Brasil. “Em dezembro deste ano, a EDP - Energias de Portugal - estará produzindo hidrogênio verde no Pecém, em uma planta-piloto. E em 2026 saem as primeiras embarcações sendo escoadas com exportação de amônia verde a partir do complexo do Pecém”, destacou.
Um efeito prático com a produção de hidrogênio verde em território nacional, segundo Asngar Pinkowski, gerente de Inovação e Sustentabilidade da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha, é a possibilidade de aproveitar essa tecnologia para fortalecer outros setores de indústria internamente, em vez de ser apenas exportador de commodities. Entre os exemplos está a produção de amônia para fertilizantes.
“Hoje, 80% dos fertilizantes prontos são importados para o Brasil. O país não consegue produzir amônia suficiente porque o gás natural é muito caro, mas o hidrogênio verde possibilita produzir amônia muito mais barato e descentralizada. A importação de fertilizante tem impacto negativo de 30% na balança comercial de produtos químicos do Brasil. Quando a gente fala de amônia e de hidrogênio verde, fala como vetor de exportação, mas o olhar deve ser de olhar para essa amônia como vetor para fortalecer o agronegócio no Brasil”, destacou.