
A transição para uma economia circular exige mais do que reciclagem: é preciso repensar profundamente como produtos e processos são desenhados, inspirando-se nos ciclos regenerativos da própria natureza. Esse foi o tom do painel “Projetando soluções baseadas na natureza para uma economia circular”, realizado no Fórum Mundial de Economia Circular, nesta quarta-feira (14), no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
Na abertura do debate, Marcelo Thomé, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente do Instituto Amazônia+21, apontou que a viabilidade da transição para um modelo econômico circular está diretamente ligada à forma como os processos produtivos são concebidos:
"O design circular, inspirado nos princípios da natureza, é essencial para criarmos soluções regenerativas, que conciliem desenvolvimento econômico e preservação ambiental".
Circularidade para reverter crises ambientais
O conceito foi aprofundado por Luisa Santiago, líder da América Latina na Ellen MacArthur Foundation. Para ela, a raiz dos problemas ambientais está na lógica linear da economia atual: “A natureza tá sendo degradada pela nossa economia atual, que funciona numa lógica linear. Essa é uma lógica em que a gente gera valor econômico ao passo que extrai recursos, transforma e desperdiça. Já a natureza sempre funcionou de forma circular, buscando equilíbrio e regeneração”.
Santiago ressaltou que, enquanto a transição energética é fundamental para combater as mudanças climáticas, ela só resolverá uma parte do problema: “A gente só vai dar conta de pouco mais da metade da redução necessária para limitar o aquecimento a 1,5°C se focarmos só na energia. A outra metade vem da forma como produzimos, consumimos e utilizamos materiais”.
A chave, segundo ela, está em redesenhar produtos e processos desde o início, inspirando-se nos princípios regenerativos da natureza. “Não adianta tentar desfazer o omelete depois de pronto. A potência está em projetar de forma circular desde o início, com escolhas que regenerem a natureza, circulem materiais em seu mais alto valor e substituam insumos problemáticos.”
Na prática: exemplos de circularidade inspirados na natureza
O painel também trouxe exemplos de empresas que estão colocando esses conceitos em prática. Luiz Augusto Meyer, diretor do Grupo Boticário, destacou iniciativas para reduzir resíduos, aumentar a circularidade de embalagens e incentivar a reciclagem.
“O ESG é um conceito inegociável no Grupo Boticário. Em economia circular, buscamos minimizar o impacto ambiental das nossas operações e produtos, envolvendo desde colaboradores até consumidores e fornecedores.” Entre os destaques, Meyer citou o programa Bot Recicla, maior iniciativa de logística reversa do setor cosmético no Brasil, e a parceria com a startup Green Mining para remunerar melhor os catadores.
Já Mari Granström, CEO da Origin by Ocean, mostrou como transformar um problema ambiental em solução econômica: “Convertendo algas invasoras em biocompostos de alto valor, criamos negócios regenerativos que protegem a biodiversidade e limpam os oceanos”.
Inovação e investimento para soluções circulares baseadas na natureza
Ao discutir as sinergias entre economia circular e soluções baseadas na natureza, as painelistas apontaram desafios e caminhos para escalar essas práticas.
Matija Kajić, pesquisadora em sustentabilidade do Triodos Bank, lembrou que, na natureza, circularidade e regeneração são inseparáveis: “Na natureza, circularidade e soluções baseadas nela são uma coisa só. O desafio é trazer isso para as nossas economias”.
Ela destacou barreiras regulatórias e a falta de incentivos financeiros como entraves, mas citou exemplos inspiradores, como o edifício-sede do banco na Holanda: “O prédio é montado com madeira sustentável e reciclada, sem colas, apenas parafusos, permitindo desmontagem no fim da vida útil. Além da circularidade, o design respeitou rotas de voo de aves e morcegos, e o acesso de fauna a áreas naturais próximas. Isso mostra como circularidade e respeito à natureza podem andar juntos”.
Cynthia Córdoba Serrano, deputada da Assembleia Legislativa da Costa Rica, apresentou casos do setor agropecuário em seu país: “O setor cafeeiro tem exemplos de uso de resíduos para fertilizantes e produção de energia, criando um ciclo circular. Já no caso da piña, empresas como a Micoverde transformam resíduos em biomateriais, fungos comestíveis e bioinsumos, gerando valor agregado, empregos verdes e impacto positivo para comunidades locais”, detalhou.
Por fim, Loa Dalgaard Worm, líder do FSC Circularity Hub, fez um alerta sobre os limites do planeta e a urgência de preservar os serviços ecossistêmicos das florestas. “As florestas são o exemplo original de economia circular. Precisamos financiar quem mantém a saúde desses sistemas, para garantir que a produção seja sustentável não só para a economia, mas também para a sociedade.” Ela defendeu políticas públicas e modelos de negócios que valorizem a regeneração dos ecossistemas, em vez de explorar seus limites.
WCEF2025
O Fórum Mundial de Economia Circular é organizado por Fundo Finlandês de Inovação (SITRA), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).