COP29: saúde tem muito mais a ver com as mudanças climáticas do que você imagina

Setor é responsável por 4,4% das emissões de carbono. Tema foi discutido em painel no estande da CNI, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29)

O consumo intensivo de energia em hospitais, o uso de materiais descartáveis, o transporte de pacientes e suprimentos e a fabricação e descarte de medicamentos e dispositivos médicos fazem com que o setor de saúde contribua para as emissões de gases de efeito estufa (GEE). Estudo publicado na Lancet Planetary Health analisou as pegadas de carbono de 36 países e revelou que o setor é responsável por cerca de 4,4% das emissões globais.

Nesta terça-feira (19), o tema foi discutido no estande da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), que acontece em Baku, no Azerbaijão. O painel Mudanças Climáticas e os Desafios para a Saúde, promovido pelo Serviço Social da Indústria (SESI), discutiu o impacto dos eventos climáticos extremos na saúde dos trabalhadores e a descarbonização no cuidado de saúde.

O superintendente de Saúde e Segurança na Indústria do SESI, Emmanuel Lacerda, moderou o painel, que teve a participação da secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, do diretor de Operações em Saúde da Abertta Saúde do Grupo ArcelorMittal, Werner Dalla, da diretora de Sustentabilidade da Natura, Ângela Cristina Pinhati Negrete, e do superintendente do SESI Rio Grande do Sul, Juliano Colombo.

Lacerda explicou que o planejamento estratégico de dados do SESI é uma iniciativa que contribui para quantificar e otimizar o uso responsável de recursos no setor, permitindo um cuidado com mais qualidade e coordenado, por meio da identificação de fontes de desperdícios como tratamentos desnecessários, internações evitáveis e ineficiências operacionais.


"A análise de dados, além de melhorar a eficiência e reduzir desperdícios de recursos, também contribui para a sustentabilidade ambiental ao contribuir na diminuição da pegada de carbono do setor de saúde. A economia gerada por meio dessa estratégia pode ser convertida em benefícios ambientais, demonstrando a importância de práticas de gestão de dados bem estruturadas colaborando na mitigação das mudanças climáticas”, afirmou o superintendente de Saúde e Segurança na Indústria do SESI.


Sobre a gestão eficiente de dados, a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, afirmou que tem trabalhado para permitir a interoperabilidade dos dados da pasta com o SESI. "É muito importante que possamos trabalhar juntos, porque essa é uma agenda estratégica. Trabalhar em conjunto significa melhorar a saúde da população brasileira." Maciel apontou que o Ministério da Saúde tem 232 centros de referência em saúde do trabalhador espalhados pelo Brasil.

Como reduzir emissões no setor de saúde?

Reduzir as hospitalizações, os exames desnecessários e promover o uso da telemedicina foram medidas apontadas pelos palestrantes para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e aumentar a sustentabilidade ambiental das instituições de saúde. São estratégias que, idealmente, devem ser combinadas para maximizar o impacto ambiental positivo. Veja por que isso é possível:

Redução de Hospitalizações: 

  • Consumo de Energia: Hospitais são instalações altamente intensivas em energia. A manutenção de pacientes hospitalizados envolve o uso constante de iluminação, aquecimento, ventilação e ar-condicionado (HVAC), além de equipamentos médicos que consomem energia, como monitores, bombas de infusão, e ventiladores. 
  • Recursos e Insumos: Hospitalizações prolongadas exigem uma grande quantidade de recursos, como medicamentos, alimentação, água, e produtos de higiene. Isso também inclui a gestão de resíduos médicos, que pode ter um impacto ambiental significativo. 
  • Impacto Geral: Reduzir hospitalizações pode resultar em uma diminuição significativa no consumo de energia e recursos, além de uma menor produção de resíduos. Isso significa uma redução substancial na pegada de carbono associada ao setor de saúde.

Redução de Exames Desnecessários: 

  • Uso de Equipamentos Médicos: Exames de diagnóstico, como tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, e outros procedimentos de imagem, consomem uma quantidade considerável de energia. Além disso, muitos exames laboratoriais e diagnósticos envolvem o uso de reagentes químicos e outros materiais descartáveis. 
  • Redução de Desperdícios: Evitar exames desnecessários reduz o uso desses recursos e a produção de resíduos associados, o que contribui para a sustentabilidade. No entanto, o impacto ambiental isolado da redução de exames pode ser menor comparado ao impacto global da hospitalização.

Promoção da telemedicina:

  • Redução dos deslocamentos: as emissões em veículos atingiram 223,8 milhões de toneladas de CO2, em 2023, representando 44% dos gases de efeito estufa emitidos em energia e processos industriais, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg).
  • Redução de desperdícios

O diretor de Operações em Saúde da Abertta, grupo que cuida da saúde dos empregados da AcelorMittal, Werner Dalla, mostrou que, na mais recente epidemia de dengue enfrentada pelos brasileiros, o uso da telemedicina resultou em uma taxa de eficácia nos atendimentos de 93% e que não houve registro de óbitos. De acordo com ele, em um ano, o uso da telemedicina reduziu em 32% as emissões de gases de efeito estufa.

“Trabalhamos para que, até 2030, um em cada dois atendimentos seja virtual. Nossa unidade virtual, hoje, é a maior da rede. Realizamos 2,5 mil atendimentos por mês. A ideia da Abertta é que a telemedicina, ao tornar os processos mais efetivos, contribui para a redução das emissões”, explicou Dalla. “Quanto mais investirmos em prevenção, menos gastaremos com recursos que contribuem com as emissões de CO2”, resumiu.

Impacto da mudança do clima na saúde 

O superintendente regional do SESI Rio Grande do Sul, Juliano Colombo viu de perto os efeitos dos eventos climáticos extremos. As enchentes que atingiram o estado em abril fecharam 110 hospitais, bloquearam 187 estradas e deixaram milhares desabrigados.

Olhando para a indústria, houve uma queda de 26% na produtividade dos trabalhadores e 44% das fábricas foram fechadas temporariamente. Esses dados refletiram na saúde mental. Colombo trouxe um número inédito de um estudo desenvolvido pelo SESI que mostrou que oito em cada dez indústrias fechadas temporariamente registraram aumento nos casos de saúde mental dos trabalhadores.  

Por isso, o superintendente regional do SESI-RS destacou a importância dos setores público e privado trabalharem juntos na retomada das atividades na região, com o foco no cuidado à saúde e na educação. 

Em parceria com o poder público, a instituição investiu R$ 65 milhões em serviços e obras nas comunidades afetadas, com o apoio do Conselho Nacional do SESI. "Além de dormitórios, roupas e refeições, o SESI garantiu serviços como consultas médicas, atendimento de enfermagem e odontológico, além de suporte em saúde mental, com acolhimento psicossocial e assistência em benefícios sociais”, elencou Colombo. 

A rede de consultoras da Natura no estado também foi duramente impactada pelas enchentes. A diretora de Sustentabilidade da empresa, Ângela Cristina Pinhati Negrete, contou que, para ajudá-las, a Natura perdoou dívidas, prorrogou por até seis meses o pagamento de boletos, dobrou o valor do auxílio alimentação e fortaleceu o uso da telemedicina. Segundo Ângela, foram realizados 3,3 mil atendimentos virtuais no período.

Para além dos compromissos ambientais adotados pela Natura e que são referências mundialmente, a empresa fechou uma parceria com o Google para aumentar a previsibilidade dos eventos climáticos e, assim, dar suporte com antecedência para sua rede de colaboradores. 

“Por meio dos mapas do Google, conseguiremos ter uma previsibilidade de até sete dias. Isso permitirá um cuidado e uma atenção ainda maiores com os nossos funcionários. Também queremos que as consultoras, por meio da inteligência artificial, consigam alimentar a plataforma para informar se está chovendo menos ou mais em sua região, por exemplo. Não adianta buscar solução sem englobar todo mundo”, afirmou Ângela.

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