O Bio-based Industries Consortium (BIC), entidade representante de indústrias de biotecnologia europeias fruto de parceria público-privada com a Comissão Europeia que surgiu em 2013, está numa força-tarefa para aumentar os incentivos para projetos e inovações baseados em uso de recursos biológicos no Acordo Verde Europeu (European Green Deal).
Isso porque a iniciativa, que tem o objetivo de contribuir para conter o aquecimento global com geração de inovações e empregos na região, tem canalizado boa parte dos recursos para energias renováveis.
Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Dirk Carrez, diretor-executivo do BIC, destaca que inovações de origem biológica também contribuem para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas o avanço da agenda não está sendo fácil pela carência de dados.
“Precisamos medir os impactos de todas as emissões de gases de efeito estufa para incluir números específicos nas nossas políticas e para nortear esses incentivos”, diz Carrez, que fará a palestra magna do Fórum Bioeconomia e a Indústria Brasileira, que será realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), nesta quinta-feira (26).
Segundo ele, para a bioeconomia avançar de forma mais significativa, é necessário fortalecer as parcerias entre indústrias de diferentes setores e dessas com os governos. Esse modelo já tem apresentado resultados para o bloco econômico.
“Tive acesso a uma lista de novas empresas que querem investir nas produções aqui na Europa. Quase um bilhão de euros estimados nos próximos dois anos”, comemora. Na entrevista, ele dá mais detalhes desse movimento na Europa e caminhos possíveis para o Brasil aproveitar as oportunidades da agenda.
Confira a entrevista completa a seguir:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual a importância da bioeconomia, em especial para a União Europeia?
DIRK CARREZ - Em primeiro lugar, a bioeconomia já é muito importante na Europa, mas vemos que essa importância vem crescendo. As empresas estão cada vez mais dispostas e querendo investir mais. Hoje eu tive acesso a uma lista de novas empresas que querem investir nas produções aqui na Europa. São quase um bilhão de euros estimados nos próximos dois anos.
Estamos vendo uma mudança nos tipos de produtos. Há alguns anos o principal produto na Europa era o biocombustível, resultado das políticas de estímulo adotadas na época. Aí houve um movimento anti-biocombustíveis. Passamos para a segunda geração. Começou-se a estimular uma segunda geração de biocombustíveis, mas os investimentos e os custos de produção são muito altos. Por isso, não vemos tantas iniciativas surgindo para garantir o futuro na área de biocombustíveis. Muitas dessas empresas estão agora diversificando e isso é interessante.
Vemos essas usinas trabalhando em parceria com outras empresas e outros setores que não eram ativos em termos de bioeconomia. Vemos, por exemplo, que na indústria de celulose eles trabalham não só na confecção de papéis, mas com a indústria de vestiário e com empresas químicas. Então, vemos novas iniciativas surgindo diferentes das que tínhamos no passado. Esse é um elemento importante da nova bioeconomia. Nós não temos mais essa cadeia de valor única, em que você tinha a biomassa e produzia o biocombustível.
Agora estamos vendo uma situação em que todos os componentes são aproveitados, desde o açúcar até o álcool. Na indústria química, por exemplo, a lignina é utilizada para fabricação de materiais para embalagem, em cosméticos e na ração animal. Então, vemos a criação de todo um ecossistema. Empresas já conseguem desenvolver biocombustíveis de forma econômica, sem precisar de apoio do governo justamente por causa dessa nova forma de organização em que todos os componentes são valorizados.
Tudo isso está ligado à ideia da recuperação verde, nova onda que vemos acontecendo na Europa, e instrumentos como as parcerias ajudam. Nesse movimento, vemos queda dos custos de cada projeto. Alguns projetos não vão para frente porque não existe biomassa suficiente. No Brasil, há a silvicultura e, nos Estados Unidos, existe a produção de milho e também resíduos biológicos. Na Europa, focamos em volumes mais baixos, mas com valor agregado mais alto.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais são principais investidores na agenda de bioeconomia?
DIRK CARREZ - São muito diversificados. Os principais investidores vêm da indústria agrícola, de alimentos, de produtos químicos e das empresas de papel e celulose. As empresas de alimentos estão tentando criar parcerias para agregar valor ao fluxo de produção das empresas parceiras. Temos também as empresas de agricultura, de amido, que focam em aplicações não alimentícias. Eles estão tentando valorizar outros fluxos.
Temos ainda o setor químico que está buscando produzir produtos similares aos produzidos com combustíveis fósseis e outros produtos advindos da silvicultura, além do papel. Também há os produtores de produtos plásticos para gerar produtos novos, mais biodegradáveis, sustentáveis. Há um movimento na Europa nesse sentido.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - De que forma a bioeconomia pode dar respostas efetivas a desafios iminentes como o que estamos vivendo, de pandemia, e das mudanças climáticas?
DIRK CARREZ - Um bom exemplo (em relação ao enfrentamento à pandemia) é a cadeia de biocombustíveis. As empresas investiram mais para usar os ativos na produção de desinfetantes, uma vez que é uma vertente com aplicação sanitária. O mesmo foi feito para a produção das máscaras biodegradáveis, que as pessoas estão tendo de usar. A mudança climática é uma questão importante e de difícil solução. Até o momento a política europeia sobre a questão está estimulando o uso de energia renovável.
Esse é o foco, inclusive, para a redução de emissões de gases de efeito estufa. No entanto, hoje não temos apoio para produtos baseados em recursos biológicos. É algo que queremos mudar. Esses produtos e materiais biológicos geram menos gases de efeito estufa e podem ser incorporados na nossa política para apoiar esses setores. Não é algo fácil, mas é algo que está sendo discutido pela Comissão. E é por isso que em nossos projetos precisamos medir os impactos de todas as emissões de gases de efeito estufa para possamos incluir números específicos nas nossas políticas ou usá-los para nortear os incentivos.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual a sua opinião sobre a atuação do Brasil na agenda de bioeconomia?
DIRK CARREZ - Temos algumas empresas brasileiras, como a Braskem, que estão bem ativas e que estão buscando colaborar nessa agenda. Então, como a Brasken pode investir em outros parceiros na cadeia de valor europeia e como pode transformar essa cadeia de valor para incluir novos parceiros, inclusive, do Brasil? Estamos vendo com a Comissão formas de colaborar com outros países, como firmar acordo com o Brasil de forma que as autoridades brasileiras possam ajudar as empresas, os centros de pesquisa e instituições de pesquisa brasileiros para que possam colaborar nos nossos projetos. A colaboração teria o respaldo do governo brasileiro.
Também tem o outro lado. Como podemos apoiar para que os atores europeus participem de projetos semelhantes junto com o Brasil. Afinal de contas, as empresas são globais. Podemos até tentar desenvolver uma cadeia de valor em nível local, mas essa cadeia vai acabar se repetindo e vai ter que ampliar para outras áreas do mundo, porque está cada vez mais global.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual o status do Acordo Verde Europeu (European Green Deal) e quais as perspectivas para a bioeconomia?
DIRK CARREZ - O Green Deal é relativamente recente e são várias economias. Justamente por causa disso são várias oportunidades criadas. No acordo, há várias ações, inclusive de cunho regulatório, como o plástico de uso único e a redução do desperdício de comida. Tudo isso aí é uma parte legislativa e a bioeconomia tem um papel muito importante. Também tem a questão do financiamento. No Green Deal temos de focar no apoio a esses setores que vão ser eficientes para o planeta.
Estamos elaborando o conteúdo dessa nova parceria e o foco vai ser não só a bioeconomia, mas também uma cadeia de valor circular, de resíduos biológicos e voltada à conscientização dos consumidores. Porque, mesmo quando os produtos são biológicos, precisamos que a sociedade entenda o que está acontecendo.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais as perspectivas para a COP 15, de biodiversidade, na China, prevista para 2021?
DIRK CARREZ - A minha expectativa é que comecem a implementar o que já foi definido em nível nacional ou nas várias regiões como, por exemplo, na América do Sul, na América do Norte e na Europa. Temos de falar menos e fazer mais, passar da teoria para a prática. No Brasil e na Europa, a bioeconomia deve ser um dos setores que faz parte da implementação. Por isso, é tão importante ligar a bioeconomia à questão da mudança climática, de uma forma positiva. Espero que haja um bom acordo e que a gente comece a agir.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como as políticas voltadas à inovação devem avançar para acelerar a bioeconomia?
DIRK CARREZ - Essa é uma boa pergunta. Na Europa, por exemplo, o apoio à inovação no passado era, principalmente, a atividades de pesquisa. É o que chamamos de fase inicial de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Isso era feito inicialmente em laboratório, depois era feito um piloto e acabava por aí. As empresas concorriam e precisavam investir ainda mais para se transformar o projeto em produto comercializável. Mesmo assim, apesar da ajuda inicial, havia muito risco naquele investimento. Agora estamos mudando.
Queremos apoiar não somente a fase de pesquisa, mas toda a inovação até a parte de demonstração e prova de conceito. Por exemplo, até mesmo a concepção de uma usina de fabricação em pequena escala para que se possa produzir algo e depois testar e otimizar o processo de fabricação e fazer os carros-chefes, que são aqueles produtos emblemáticos, inovadores, que ainda envolvem muito risco, até mesmo por meio da abertura de unidades de fabricação, para agilizar mais o processo como um todo.
No mundo inteiro, também precisamos inovar na área de materiais de base biológica, que são setores que existem a alguns anos e que precisam de muito investimento. Principalmente na época em que estamos agora não está fácil conseguir investidores. Os bancos não estão nadando em dinheiro. Então, precisamos apoiar a inovação desde o laboratório até o mercado para retirar o risco daquelas fases posteriores do design do produto, para aproximar mais a pesquisa do mercado e reduzir o tempo médio de pesquisa até que o produto chegue ao mercado. Acho que isso é muito importante.
Na fase mais avançada do desenvolvimento, temos de reunir as empresas, principalmente as empresas que vão desenvolver as aplicações daquele produto. Isso é muito importante do ponto de vista de investidores. Precisamos juntar as empresas do setor para que o ecossistema seja não somente sustentável, mas para que possa ter sucesso.