Os torneios de robótica são mais que uma competição. Junte crianças e adolescentes de diferentes países, com seus robôs, bandeiras e adereços que representam seu país, e você tem uma celebração diversa, colorida - e barulhenta. Quem passou pelos corredores do mundial que ocorreu entre os dias 20 e 23 de abril em Houston se deparou com um grupo especialmente alegre, que improvisou um batuque em uma caixa de madeira e chamou atenção pela alegria e pelo ritmo.
Poucos compreendiam o que a letra, em árabe, dizia, mas todos paravam para prestigiar a cantoria e alguns até tentavam acompanhar, batendo palma. Eram os 14 integrantes da única equipe líbia da FIRST Tech Challenge (FTC), modalidade para alunos do ensino médio, que constroem e operam um robô de até 19 kg. Essa, aliás, foi a primeira vez que um time do país participou do mundial.
Passados mais de 40 anos de um governo ditatorial e uma década de guerra civil, a Líbia começou a implementar o programa de robótica da For Inspiration and Recognition of Science and Technology (FIRST), organização sem fins lucrativos que fomenta a ciência, a tecnologia e a formação de líderes inovadores por meio da robótica.
Uma nova geração engajada
Localizado no norte da África e com uma população de mais de 6 milhões de pessoas, o país tem uma geração que cresceu sob os efeitos do isolamento e das instabilidades políticas.
“Esse programa está mudando o nosso país. Não só a vida dos estudantes, ao engajá-los nas modalidades, mas o que o mundo pensa sobre nós. Porque nós vivemos sob um governo ditatorial por 42 anos e não tivemos a chance de nos conectar com o restante do mundo. Depois tivemos 10 anos de caos, guerra civil, cortes de energia, tantas pessoas perderam suas casas”, lembra Mohammed Zaid, coordenador do programa de robótica na Líbia.
O trabalho começou em 2017 e logo despertou o interesse de centenas de estudantes, mas eles precisaram fazer escolhas. Isso porque, apesar de iniciarem com equipes na FIRST Robotics Competition (FRC), modalidade mais avançada das competições da FIRST, em que os robôs são de porte industrial, eles optaram por priorizar a formação de times para disputar o FIRST Tech Challenge (FTC), mais acessível do ponto de vista financeiro e técnico.
“Começamos no FTC com 23 times e, no ano seguinte, montamos mais 28. Então, em dois anos, chegamos a mais de 50 equipes em toda a Líbia, mais duas de FRC e 50 de FLL [FIRST LEGO League Challenge). É a primeira vez que conseguimos trazer uma equipe para o mundial. Nós tentamos em 2018, mas tivemos dificuldades com o visto. Depois de anos de espera, finalmente conseguimos”, comemora Zaid, que se vê como um pai dos estudantes.
Competição conecta jovens de diferentes realidades
O que, para muitas equipes, é a linha de chegada e o desfecho de meses de trabalho, para eles é um ponto de partida. “Eles acreditam que esse é o futuro, eles se divertem, se conectam, quebram esse gap de inclusão na Líbia. Não éramos incluídos por causa da ditadura”, reconhece. Na capital, Trípoli, eles sentiram ainda mais os conflitos pelo poder local que sucederam a Primavera Árabe, em 2011, quando o ditador do país, Muammar Kadhafi, caiu.
A guerra civil acabou em outubro de 2020 com um cessar fogo dos grupos opositores, coincidindo com o período em que o programa da FIRST desabrochou. Ponte para o mundo, cada vez mais conectado e ao alcance dos jovens, seja onde estiverem, o torneio mundial serve para que eles encontrem semelhanças em quem vem de realidades sociais, econômicas e políticas bem distintas.
Conversando com competidores de outros países, vemos que eles têm mais em comum do que imaginamos. Vivem uma fase de descoberta e de construção da própria identidade e de planos para o futuro, e acreditam que ser parte da comunidade global da robótica e participar dos eventos internacionais são a oportunidade para alcançar todo o seu potencial e ter uma trajetória, pessoal e profissional, bem-sucedida.
Além dos troféus: aprendizados e trocas
É o sétimo torneio mundial da equipe Screw it, de Taiwan, e eles sempre tiram aprendizados da competição. “Nosso robô não foi muito bem na arena e na avaliação de sala, mas aprendemos muito com as outras equipes sobre o livro de engenharia. Os times têm bons patrocinadores e eles também compartilharam conosco como conseguir e nos apresentar”, conta Andrew Liu, em seu terceiro mundial, sendo os dois primeiros na FLL.
“Em Taiwan, a maioria das empresas não conhece a competição. O país tem apenas 36 equipes de FTC e duas estão aqui no mundial. Estamos com mais três times de FRC”, completa o colega Éric C.
Um exemplo de caderno de engenharia robusto, personalizado com emojis/caricaturas de cada integrante, detalhes técnicos do robô e um extenso portfólio era o da Info Robotics, da Romênia. Ao lado de bandeiras e livros que mostravam bonitas paisagens do país, o caderno decorava o pit do time, com 13 integrantes e quatro mentores.
“Nossa equipe foi formada em 2018. Estamos muito felizes em estar aqui, essa é a nossa primeira vez no torneio. Competimos nas classificatórias remotas da Rússia, mas pelas circunstâncias não viajamos. Fisicamente falando, é a primeira vez em outro país também”, afirma Alexandru Nicolau.
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