Em dois documentos encaminhados ao governo brasileiro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou propostas de medidas a serem adotadas para viabilizar a celebração de um acordo de dupla tributação (ADT) entre o Brasil e o Reino Unido e entre o Brasil e a Alemanha. As mudanças necessárias para se chegar a um consenso com os governos britânico e alemão dizem respeito sobretudo ao tratamento tributário dado pelo Brasil aos rendimentos de serviços técnicos e às regras de preços de transferência.
Entre as principais economias europeias, o Reino Unido e a Alemanha são as únicas com as quais o Brasil não firmou um acordo de dupla tributação (ADT). O documento da CNI mostra que há espaço para o aperfeiçoamento do quadro regulatório econômico com os dois parceiros, com redução de custos e aumento da segurança jurídica.
Uma consulta da instituição aos empresários dos dois países que operam no Brasil mostra ainda que, para 68% deles, a celebração de acordos de dupla tributação estimularia a ampliação de seus investimentos aqui. Para 82%, contribuiria para o aumento do comércio de serviços e, para 55%, para a ampliação da aquisição de royalties.
No que se refere aos serviços, o Brasil tem posição consolidada de que todos os trabalhos que demandam conhecimento técnico devem ser tributados com base no dispositivo de royalties, ou seja, tanto pelo Estado de residência do prestador do serviço quanto pelo Estado da fonte pagadora, independentemente de envolverem transferência de tecnologia. Já o Reino Unido e a Alemanha, alinhados à Convenção-Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), determinam a tributação dos rendimentos de serviços exclusivamente pelo Estado de residência.
Brasil precisa alterar regras de tributação entre empresas de um mesmo grupo econômico
Outra mudança necessária diz respeito aos preços de transferência, referentes a operações de compra e venda de bens e serviços feitas entre empresas de um mesmo grupo econômico, mas que operam em diferentes países.
Os ADTs do Reino Unido e da Alemanha contêm o dispositivo chamado de ajuste correspondente, que obriga a realização de um ajuste por um dos países, caso o outro tenha aplicado regras de preços de transferência. O objetivo desta regra é impedir que a realização de ajuste em um dos países, em razão da aplicação das regras de preços de transferência, produza efeitos apenas em um dos países, o que, na prática, levaria à dupla tributação dos valores.
Os ADTs do Brasil não contêm esse tipo de cláusula. O principal problema, no entanto, é que os critérios adotados pelas regras de preços de transferência no Brasil diferem das regras adotadas pelos demais países, o que dificulta a ideia de ajustes correspondentes com base em critérios semelhantes.
O diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Eduardo Abijaodi, explica que o descompasso entre as regras brasileiras e o padrão internacional inviabiliza a adoção de medidas como a do ajustes nos dois países em que há a tributação. A convergência das normas dos preços de transferência é, inclusive, fundamental para que o Brasil entre na OCDE, um pleito realizado em 2017.
"A forma mais efetiva de superação das divergências, não apenas com relação à cláusula de ajuste correspondente propriamente dita, mas relativas às regras de preços de transferência de modo geral, seria a convergência do modelo brasileiro para o padrão internacional", afirma Abijaodi.
Acordos ampliariam investimentos e comércio de bens e serviços
Os roadmaps da CNI afirmam ainda que a celebração do acordo de dupla tributação com o Reino Unido e outro com a Alemanha poderia impulsionar as relações econômicas com reflexos positivos no aumento dos investimentos bilaterais e no comércio de bens e serviços de mais alto valor agregado.
Os números mostram, por exemplo, que o Reino Unido é um importante parceiro do Brasil no comércio de bens, sendo destino de US$ 2,9 bilhões das exportações brasileiras e origem de US$ 2,3 bilhões das importações, somando um fluxo comercial de US$ 5,2 bilhões.
O comércio bilateral concentra-se em produtos industrializados. Em 2019, esse tipo de produto respondeu por 75% das exportações e 98% das importações entre os dois países. Além disso, também se destaca o comércio de bens de alta intensidade tecnológica, no qual o Reino Unido figurou como quinto principal destino das exportações brasileiras.
A nação também se destaca no comércio de serviços com o Brasil. O país foi o sexto maior destino das exportações brasileiras deste setor em 2018 (US$ 1,1 bilhão), à frente de parceiros como Canadá, França e Japão. Nas importações, O Reino Unido aparece como terceiro maior fornecedor brasileiro (US$ 2,6 bilhões), atrás da Holanda e dos Estados Unidos. A posição de investimento direto anunciado do Reino Unido na economia brasileira foi de US$ 16,8 bilhões entre 2010 e 2019, sendo a quarta principal origem, atrás dos Estados Unidos, Alemanha e Espanha. Além disso, em número de empresas investidoras, o país figura como segunda principal origem, à frente da Espanha e da Alemanha.
A Alemanha, por sua vez, é o sexto maior destino das exportações brasileiras e o quarto maior em origem das importações brasileiras, somando um fluxo bilateral de US$ 15,8 bilhões. Nessa relação, também se destaca o comércio de bens de alta e média-alta tecnologia. Esses bens representam 33,7% do total das exportações do Brasil para a Alemanha e 85,0% das importações brasileiras do país europeu, somando corrente de comércio de US$ 10,7 bilhões nessas categorias de bens.