Desafios para a Inovação no pós-pandemia

Mais ganhos de inovação, que foram essenciais na sobrevivência de empresas durante a pandemia de Covid-19, dependem de políticas integradas e de cultura organizacional

As impressoras 3D são uma marca da indústria 4.0, mas é preciso investir em mão de obra qualificada para aproveitar todo o potencial desta e de outras inovações.

O rápido desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, a popularização dos aplicativos de reuniões virtuais e as inovações digitais ajudaram os setores público e privado a gerenciar as sucessivas ondas da pandemia. Ferramentas de rastreamento de contatos e de diagnóstico, por exemplo, mostraram claramente como o investimento em inovação é fundamental, mas os desafios para estimulá-la nos próximos anos, quando a pandemia acabar, ainda são muitos. 

Gianna Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), diz que a inovação é necessária como estratégia de desenvolvimento do país. “O grande desafio é, de fato, construir políticas integradas que alavanquem o desenvolvimento do país e, é claro, fortalecer a indústria, tornando-a mais produtiva e competitiva", resume. Para ela, não é possível priorizar a inovação se não houver financiamento.

Além da ampliação dos investimentos, os desafios incluem a melhoria na qualidade da educação, em especial com a atualização dos currículos dos cursos de Engenharia, e uma maior segurança jurídica, para estimular a ampliação de recursos privados tanto para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) quanto para inovação aberta, que ocorre quando uma empresa se abre à colaboração de pessoas e organizações externas, defende Gianna.


“A P&D não é a única estratégia para inovação na empresa, e a inovação aberta em colaboração é uma alternativa muitas vezes mais rápida e barata”, diz.


Segundo Soumitra Dutta, professor de administração na SC Johnson College of Business, Universidade de Cornell (Nova York), outro aspecto que deve ser considerado é que a natureza da inovação envolve riscos. “Portanto, um desafio importante é antecipar qual conjunto de ideias será bem-sucedido nos novos cenários pós-Covid”, diz. Para ele, a pandemia acelerou a mudança geográfica de longo prazo das atividades de inovação para a Ásia, “mesmo que a América do Norte e a Europa continuem abrigando algumas das principais organizações inovadoras do mundo”. 

As empresas da América Latina e do Caribe, argumenta o especialista, precisam se beneficiar mais dessas mudanças. “Pela minha experiência em observar líderes em inovação na última década, acredito que o governo brasileiro precisa fazer da inovação a maior prioridade para o país nos próximos anos. A China fez dela sua prioridade há cerca de 15 anos e os resultados agora são visíveis. O Brasil não pode se dar ao luxo de depender de commodities para alimentar seu crescimento e sua prosperidade futuros”, comenta Dutta.

Para Gianna Sagazio (CNI), é preciso atualizar o currículo dos cursos de Engenharia e dar mais segurança jurídica aos esforços de inovação.

A digitalização, afirma, é hoje um processo de grande escala, em todos os setores da economia, inclusive na agricultura.


“Israel, por exemplo, apesar de ser uma pequena nação em uma região árida do Oriente Médio, é uma potência em agrotecnologia com mais de 300 empresas ativas na agricultura digital”, destaca Dutta, responsável por desenvolver, desde 2007, o Índice Global de Inovação, um dos principais indicadores para comparar o grau do progresso científico e tecnológico de cada país.


Segundo ele, os progressos no Brasil em inovação exigem um foco em cinco elementos-chave: educação, que precisa ter uma forte ênfase em ciência e tecnologia; melhoria do ambiente de negócios; apoio às pequenas e médias empresas, por meio, por exemplo, de compras públicas; estímulo ao ecossistema de inovação, especialmente entre universidades e indústrias; e construção da marca do país em cima da inovação. “O mundo deveria conhecer o Brasil não só por futebol, praia e samba, mas também pela alta tecnologia e inovação”, afirma.

Guilherme Arruda, CEO da startup VG Resíduos e palestrante do 9º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, afirma que esse processo não se limita a criar um setor de inovação na indústria para trazer ideias novas.


“É realmente colocar inovação no DNA de toda a empresa, de toda atividade, de todas as pessoas envolvidas na empresa, criar essa mentalidade de inovar, de fazer as coisas cada vez de um jeito melhor a cada dia. Acho que esse é o grande desafio da indústria e de todas as empresas nos próximos anos”, opina.


Já Victor Santos, fundador da Ótima Inteligência e Inovação, diz que o principal desafio na área é a formação das pessoas. “Precisaremos de profissionais para lidar com impressoras 3D, Big Data e para outras funções que ainda vão surgir. O problema é que não temos pessoas qualificadas”, alerta. Outro desafio, segundo ele, é inovar com pouco dinheiro, uma vez que faltam recursos. Isso pode ser resolvido, afirma ele, com criatividade, definição de processos e decisões baseadas em dados.

“O Brasil não pode se dar ao luxo de depender de commodities para alimentar seu crescimento e sua prosperidade futuros”, diz Soumitra Dutta (Cornell University).

Recursos escassos

Horácio Lafer Piva, membro do conselho de administração da Klabin, afirma que o investimento em PD&I em momentos difíceis é estratégico, mas esbarra na escassez de recursos. “Não adianta ir contra as dificuldades que as indústrias têm passado. Empresas maiores e líderes setoriais têm opções, mas há um enorme contingente de pequenas e médias [empresas] ainda constrangidas”, comenta. Apesar disso, ele afirma que existe um grande espaço de crescimento em inovação e uma consciência maior de sua importância. 


“É a hora de criarmos e divulgarmos instrumentos de apoio, via Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) e CNI, como o programa de imersão em ecossistemas de inovação, assim como é hora de fazer pressão sobre os três Poderes para avançarmos em mecanismos que deles dependam”, propõe. Em relação às empresas, Piva espera que a melhoria de resultados proporcione investimento em inovação. “Creio que é o melhor investimento que pode ser feito. A economia não se recupera sustentadamente sem muita incorporação de tecnologia e inserção de espírito inovador na consciência coletiva da iniciativa pública e privada”, diz.


Segundo ele, isso demanda recursos humanos e financeiros e exige compromissos com a alocação inteligente de investimentos na área de PD&I. “O país e suas empresas precisam ter clara essa urgência, cujo retorno é certo. O investimento em inovação é fundamental”, finaliza Piva, um dos integrantes da MEI.

Embora preveja uma retomada dos investimentos em inovação, Pedro Wongtschowski, do conselho de administração da Ultrapar e integrante da MEI, chama atenção para outro fator que vai afetar a decisão das empresas em 2022:


“a insegurança advinda de ser um ano eleitoral e da ação muito errática do governo federal na área da economia, que gera instabilidade, precaução e uma certa retração de investimentos”. Segundo ele, o efeito da pandemia foi muito irregular sobre empresas industriais, já que algumas melhoraram seus resultados e outras enfrentaram dificuldades.


Para Wongtschowski, empresas que investiram em inovação conseguiram enfrentar melhor os desafios da pandemia. “Para você transformar toda uma organização que trabalhava de forma presencial e passou a trabalhar de forma virtual, você precisa de um arcabouço tecnológico que grande parte das empresas não possuía. Quem teve saiu na frente e se adaptou com muito mais rapidez e sem perda de eficiência”, explica. “Vi muitas empresas dos dois jeitos: as que rapidamente se adaptaram, porque essa infraestrutura já estava lá, e outras que tiveram de improvisar, de fazer tudo do zero, o que levou muito mais tempo”, complementa.

Assim, diz Wongtschowski, quem adapta rapidamente o seu modelo de produção ao insumo diferente, fora do tradicional, ganha, ocupando espaços de mercado de maneira mais efetiva. “Ter uma empresa com a cabeça inovadora – capaz de alterar processos rapidamente – representou um grande ganho quando essa competência foi demandada, como no começo da pandemia”, argumenta ele.

Inovação que dá lucro

Pesquisa da CNI, realizada pelo Instituto FSB Pesquisa em 2021, mostra que, do total de empresas industriais de médio e grande portes, 88% promoveram alguma inovação durante a pandemia de Covid-19 como forma de buscar soluções para a crise imposta pelo contexto sanitário. A pesquisa ouviu 500 executivos de 500 grandes e médias empresas industriais.

Do total de empresas ouvidas, 80% registraram ganhos de produtividade, competitividade e lucratividade decorrentes de inovações. Outras 5% tiveram dois desses ganhos, e 2%, apenas um. Apenas 1% das indústrias brasileiras inovou e não viu nenhum incremento em seus resultados. Os dados mostram que somente 12% dos executivos entrevistados disseram que suas empresas não inovaram durante a pandemia. Conforme a pesquisa, 51% das empresas não têm um setor específico e 63% não têm orçamento reservado para inovação. Além disso, 65% não dispõem de profissionais exclusivamente dedicados a inovar.

Uma das empresas que investiram em inovação para enfrentar a crise provocada pela pandemia foi a Rebran, fabricante de lacres de segurança. Localizada em São Paulo, a empresa registrou um crescimento de 37% nos lucros em 2021, depois de investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação dos seus produtos. Também foram contratados cinco novos funcionários, adquiridas duas máquinas de gravação a laser e realizados cursos de capacitação.


“É fundamental que a empresa tenha uma visão de futuro, o que obrigatoriamente exigirá uma cultura de inovação”, afirma Marcello Torres, sócio-diretor.


Torres diz que a inovação é um dos pilares da empresa. “Assim, ganhamos competitividade, com custos mais baixos, e alcançamos novos mercados”, comenta. Todo início de ano, a empresa faz um workshop para definir as diretrizes e metas a serem tomadas e alcançadas, tendo como ponto de partida o que não foi satisfatório no ano anterior. Esse processo inclui, ainda, reuniões mensais de monitoramento dos resultados.

A presidente do Instituto Nacional de Empreendedorismo e Inovação, Ingrid Paola Stoeckicht, argumenta que é preciso simplificar esse tema para os colaboradores. “Quando você fala em cultura de inovação, em implementar a inovação, muitos gestores não entendem como funciona essa dinâmica. As próprias lideranças não entendem como funciona e muitos ainda têm a ideia de que a inovação é só para as grandes ou médias”, afirma. “Temos que simplificar essa equação: inovação trata de coisas que já acontecem no dia a dia. São melhorias em processos, em produtos, nos serviços e nos modelos que estamos adotando”, finaliza. 

Segundo Pedro Wongtschowski (Ultrapar), o ano eleitoral pode dificultar a recuperação econômica das empresas brasileiras.

Investimentos em pesquisa

De cada R$ 100 investidos peas empresas brasileiras em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), R$ 69 vêm da indústria. Entre 2016 e 2019, em valores correntes, o aporte em inovação de processos e produtos cresceu 33,4% – de R$ 12,7 bilhões para R$ 16,9 bilhões –, percentual acima dos 11,2% da inflação acumulada no período (IPCA). Isso reforça o empenho do setor industrial em preservar os investimentos em inovação mesmo depois da crise de 2015-2016, que prejudicou fortemente a condição financeira das empresas.

Nesse movimento, alguns setores se destacam, como o de produtos farmoquímicos e farmacêuticos, que ampliou seus investimentos em 63,9%, na década, passando de R$ 955 milhões para R$ 1,6 bilhão. Só de 2018 para 2019, o incremento no valor investido do setor foi de 7,9%, ou R$ 115 milhões. Já as empresas de veículos automotores representam as que mais investiram em P&D no período: mais de R$ 2,8 bilhões apenas no ano de 2019.

Os dados estão no Perfil Setorial da Indústria , plataforma lançada em 7 de fevereiro pela CNI, com dados sobre mercado de trabalho, tributação, produção, comércio exterior, custos, inovação e investimento de 33 setores da indústria brasileira. Por meio da plataforma, é possível criar rankings e comparativos entre os setores e os indicadores disponíveis, além de calcular a evolução dos números ao longo da série histórica, no recorte que o usuário preferir.

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