Aneel amplia investimentos em pesquisa e desenvolvimento

Agência vem sendo reconhecida como agência modelo por sua eficiência e pela aplicação de mais de R$ 4 bilhões em P&D no setor de energia elétrica

Uma das tendências do setor é a descarbonização, com o aumento do uso de fontes renováveis

Criada há mais de 20 anos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem adquirido cada vez mais uma reputação de órgão regulador modelo no país, devido ao seu padrão de eficiência gerencial e a uma inédita política de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Em conjunto, as ações que vêm sendo tomadas pela atual direção prometem reconfigurar a capacidade de geração, transmissão e consumo de energia elétrica no Brasil.

Para o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, a agência tem se destacado, também, pela transparência e discussão pública dos temas que serão regulamentados. “A Aneel é, hoje, a agência reguladora mais eficiente, tanto na definição de normas quanto no desenvolvimento de projetos que buscam inovação para o setor”, afirma o dirigente. A construção de redes inteligentes de geração e distribuição de energia ocorreu a partir de um trabalho de parceria entre a agência e o setor privado, lembra Leite.

Na avaliação do professor e pesquisador Sérgio Salles Filho, do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp), a Aneel tem feito um bom trabalho na gestão de P&D, contribuindo para a criação de mecanismos que não só facilitam a atuação das empresas, mas também dão direcionamento ao que é prioritário para o país em pesquisa, desenvolvimento e inovação do setor. As ações da Aneel, lembra o pesquisador, dão ao país “evidências mais que suficientes sobre a importância de instituir um marco legal e regulatório que faça da inovação uma necessidade para as empresas”.

DIGITALIZAÇÃO - Segundo o superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética da Aneel, Ailson Barbosa, três palavras podem definir os desafios de desenvolvimento tecnológico do setor de energia elétrica no Brasil, atualmente: digitalização, descentralização e descarbonização.

A digitalização, processo iniciado há mais de dez anos na Europa, permite a montagem de uma rede de distribuição de eletricidade que consegue calibrar diferentes exigências de consumo. Com isso, é possível priorizar o uso de fontes de energia mais baratas, próprias ou de difícil armazenamento. Permite, ainda, que o excedente de energia seja comercializado, ou seja, “contribui para aumentar a eficiência no uso da energia elétrica”, diz Barbosa.

No caso da descentralização dos recursos energéticos, segundo ele, a questão central é dar ao consumidor a possibilidade de tomar a decisão sobre fazer parte do sistema de distribuição, gerar sua própria energia e comprar seu armazenamento. Barbosa considera que esse deve ser um tema a ser colocado no dia a dia do planejamento energético do país. Entre as vantagens da descentralização estão a redução de emissões de CO2, o aumento da eficiência no uso da energia, sua utilização racional e a diversificação dos recursos energéticos.

Finalmente, a descarbonização aumenta a procura e pesquisa pelo uso de energias renováveis, que, por sua vez, permitem a geração de energia em lugares de difícil acesso, como o caso de propriedades rurais mais afastadas das áreas urbanas. “O Brasil tem uma matriz energética e elétrica bem superior à dos demais países quanto a fontes limpas”, lembra Barbosa. Entretanto, todo o mundo tem trabalhado na direção da descarbonização, ou seja, na migração de fontes baseadas no carbono, como o carvão mineral e o petróleo, para outras fontes mais limpas, como o gás natural e a energia elétrica.

Para que esses objetivos sejam atingidos, cada país precisa amparar programas robustos de investimentos em pesquisa e desenvolvimento que orientem essa verdadeira mudança de paradigma. O Brasil tem feito sua parte. Entre 2008 e 2017, a Aneel investiu R$ 4 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, contemplando um amplo conjunto de estudos. Nada menos que R$ 406 milhões foram investidos em pesquisa na área de armazenamento de energia, outros R$ 260 milhões foram destinados à área de geração de energia solar fotovoltaica e mais R$ 245 milhões incentivaram trabalhos sobre energia eólica. Segundo Barbosa, o objetivo da Aneel não se restringe a impulsionar ações de P&D, mas é, sobretudo, “transformar esse processo num benefício efetivo para a sociedade”. Ele ainda afirma que foi uma mudança estratégica para levar o P&D para o final da cadeia inovação.

“Nosso desafio é exatamente que tal inovação aconteça. Para isso, temos feito uma série de ações. Na Rede de Inovação do Setor Elétrico, por exemplo, em vez de fazermos a pesquisa e depois comercializá-la, fazemos o inverso. Já temos a concepção do projeto trazendo a demanda naquele momento e o potencial desse produto no mercado”, resume Barbosa.

As redes inteligentes de geração e distribuição de energia são outro exemplo de ação exitosa da Aneel. Integradas por medidores eletrônicos inteligentes em várias fases da transmissão e distribuição de energia, essas redes também podem monitorar o consumo, detectar falhas, armazenar energia e acionar mecanismos para evitar interrupções em tempo real. Além disso, elas permitem maior integração das fontes de energia renovável à rede e conseguem o aproveitamento máximo da energia gerada. Isso melhora a eficiência do sistema elétrico, reduz custos e ajuda a elevar a produtividade, opina Nelson Fonseca Leite, presidente da Abradee.

OPORTUNIDADE - Num país de dimensões continentais, em que a infraestrutura ainda precisa ser melhorada, as oportunidades que surgem com a transformação digital da indústria no setor de geração e transmissão de energia exigem uma preocupação constante com a inovação, lembra Leite. Segundo ele, os investimento em P&D da Aneel permitiram, por exemplo, o desenvolvimento de um aplicativo que dá aos consumidores informações sobre geração, distribuição, encargos e tributos de sua conta de luz.

Leite considera, entretanto, que o uso de recursos para P&D deveria ser mais flexível, com maior liberdade na escolha dos projetos que serão financiados. “Deveríamos ter regras inspirada na Lei do Bem”, comenta ele, referindo-se à Lei nº 11.196/05, que criou incentivos fiscais para empresas que investem recursos em Pesquisa e Desenvolvimento de Inovação Tecnológica (PD&I) e estimulou a aproximação entre empresas, universidades e institutos de pesquisa.

Para dar maior eficiência ao uso da energia produzida no país, a Aneel tem dirigido sua atenção ao armazenamento. Segundo Ailson Barbosa, as energias renováveis, como a solar e a eólica, são fontes intermitentes e não estão disponíveis para o consumidor o tempo inteiro. “Uma forma de tornar isso disponível 24 horas para o consumidor é o armazenamento”, diz o superintendente da Aneel, que aposta em soluções a serem aplicadas no setor elétrico.

A descentralização da geração de energia, lembra ele, também exige aperfeiçoar e inovar no armazenamento, principalmente porque a tendência de demanda de energia nos próximos anos é elevada. Para Barbosa, a ampliação do uso de veículos elétricos, a disseminação da digitalização, o crescimento da Internet das Coisas e a utilização da Inteligência Artificial exigem melhoria constante na geração, na transmissão e no armazenamento da energia elétrica.

O caso brasileiro, novamente, oferece desafios continentais. “Uma de nossas metas é descentralizar”, conta o dirigente da Aneel. “Hoje tem muita coisa no Sudeste. É importante descentralizar para que haja um crescimento uniforme da oferta de energia em todo o país. Quando o consumidor resolve fazer parte de sua geração, ele, de certa forma, está reduzindo o próprio sistema e otimizando a aplicação do recurso porque o melhor local para você gerar energia é onde ela é consumida”. Ao invés de a energia vir de uma região distante, ela passaria a ser gerada localmente.

“Do ponto de vista do sistema, é muito bom porque se evita que essa energia se desloque de um ponto muito distante para atender a uma casa do outro lado do país. Isso se chama redução de perda elétrica e evita grandes investimentos porque a geração e o consumo são locais”, explica Barbosa.

Uma fonte importante de recursos para estudos vem da contribuição de empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas de distribuição, transmissão e geração de energia elétrica, que devem aplicar, anualmente, um percentual mínimo de sua receita operacional líquida no Programa de Pesquisa e Desenvolvimento do Setor de Energia Elétrica. A intenção é incentivar a busca constante por inovações e fazer frente aos desafios tecnológicos do setor elétrico.

Conheça as áreas que mais receberam recursos para P&D
Heliotérmica - R$241 milhões
Energia Eólica - R$245 milhões
Solar Fotovoltaica - R$260 milhões
Biogás - R$292 milhões
Armazenamento - R$406 milhões

A expectativa de crescimento da demanda por energia no Brasil justifica a ênfase da Aneel no investimento em P&D. Pesquisa feita em 2017 pela agência mostra que a potência instalada de energia elétrica no Brasil é de 151,7 GW, com tendência de alta nos próximos anos. Levantamentos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que, até 2026, esse aumento será de, aproximadamente, 3,7% ao ano. Já o consumo energético do brasileiro deverá triplicar até 2050, chegando a 1.624 terawatt-hora (TWh).

Em 2018, com a lenta recuperação da economia, o consumo de energia atingiu 39.080 gigawatts-hora em setembro, com alta de 0,3% na comparação com setembro de 2017, segundo a EPE. No acumulado do ano, o consumo subiu 1,1% relação aos nove primeiros meses. Com a esperada recuperação da economia num ritmo mais acelerado nos próximos anos, a tendência é de maior demanda por energia, tanto na área industrial quanto na residencial.

O objetivo do programa de P&D da Aneel é alocar adequadamente recursos humanos e financeiros em projetos que demonstrem originalidade, aplicabilidade, relevância e viabilidade econômica de produtos e serviços, nos processos e usos finais de energia. A obrigatoriedade na aplicação dos recursos está prevista em lei e nos contratos de concessão, cabendo à Aneel regulamentar o investimento no programa, acompanhar a execução dos projetos e avaliar seus resultados. Ela também estabelece diretrizes e orientações que regulamentam a elaboração de projetos de P&D.

Essa regulamentação busca promover a cultura da inovação, estimulando a pesquisa e o desenvolvimento no setor elétrico brasileiro, criando novos equipamentos e aprimorando a prestação de serviços que contribuam para a segurança do fornecimento de energia elétrica, a modicidade tarifária, a diminuição do impacto ambiental do setor e a dependência tecnológica do país.

“A questão da inovação é fundamental. Hoje é uma questão de sobrevivência. Você não inova apenas por inovar, mas inova para se manter no mercado. O modelo que existe hoje está em mudança para poder recepcionar as novas tecnologias, como a fotovoltaica ou a eólica”, aposta Ailson Barbosa. Portanto, afirma o dirigente, “é preciso se reinventar”.

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