Um burburinho tomou os corredores da escola do Serviço Social da Indústria (SESI) da Vila Canaã, em Goiânia (GO), no início do trimestre. A curiosidade dos 40 alunos do 1º ano do ensino médio era relativa ao tema da próxima aula. Ao entrar na sala, os estudantes encontraram um cenário diferente do convencional: professores de química e geometria, um artista plástico e, expostos em uma mesa, luvas, sprays e papéis. O objetivo? Aprender as propriedades químicas da tinta, a geometria necessária para a construção dos moldes e, no fim, pintar um carro com os elementos aprendidos.
A atividade faz parte do programa Arte Contemporânea e Educação em Sinergia (Acesse), que é um projeto de aplicação da abordagem educacional conhecida como STEAM - a sigla em inglês contempla Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática - áreas de conhecimento que devem ser prioridade na formação e precisam ser trabalhadas conjuntamente.
Na análise de especialistas, projetos que tenham o STEAM como ponto central são importantes para melhorar os índices brasileiros em testes como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), principalmente em matérias como ciências e matemática.
No Brasil, um dos principais expoentes da metodologia é a rede de ensino do SESI. Com foco em preparar os alunos para a indústria do futuro, o STEAM tornou-se o caminho e, há mais de uma década, o SESI vem aprimorando a abordagem nas 389 escolas espalhadas por todo o país nas turmas de ensino fundamental, novo ensino médio e educação articulada com ensino profissional. Atualmente, 198 mil alunos têm contato com o método, com programas como o Acesse e a Robótica.
"O conceito de STEAM é a mão na massa. É ter um projeto, fazer uma resolução de problema, conseguir aplicar as matérias em casos reais. Com isso, despertamos o pensamento crítico em cima do raciocínio lógico", explica o gerente-executivo de educação do SESI, Sérgio Gotti.
Na escola da Vila Canaã, o modelo de aula foi bem aceito pelos alunos. Após o aprendizado teórico e desenho dos moldes, os alunos, acompanhados do artista plástico Carlos Catini seguiram para o galpão onde o carro estava pronto para se transformar em objeto de estudo. No local, os estudantes usaram os moldes construídos, os sprays e as técnicas aprendidas.
"As aulas ficaram mais emocionantes. Você não tem mais a obrigação de ficar cinco horas sentado, calado, prestando atenção. A gente pode sentar, andar, pegar na peça, mover, pintar…", explica Rômulo Floriano Limeira, 15 anos, estudante do 1º ano do ensino médio na Vila Canaã.
Responsável pelo projeto Acesse na escola goiana, o professor Leandro Hall defende que o STEAM tem contribuído para formação mais completa e crítica do estudante: "O aluno passa a ser o protagonista do ensino, então, ele busca as respostas e, com isso, a responsabilidade aumenta. A diferença também foi sentida pela coordenação da escola.
"Antes do projeto, a turma era dispersa, hiperativa. Em três meses, percebemos a mudança de comportamento e o amadurecimento dos alunos", informou Antonio Henrique Rosa, coordenador pedagógico.
O ponto central do STEAM é a ênfase nas ciências naturais e na matemática e não nas disciplinas humanísticas, como História, Geografia e Sociologia. O método é comum nos Estados Unidos e tornou-se mais popular em 2013, quando o então presidente norte-americano Barack Obama declarou o modelo como prioridade nacional e investiu em medidas para formar professores.
"Essa abordagem é diferente da escola tradicional brasileira, que parte de princípios humanísticos para poder alcançar outros elementos. A questão é que aí as ciências exatas acabam ficando em um segundo plano. No caso da matemática, os alunos começam a achar que é difícil porque eles não conseguem ver que existe uma prática por trás da teoria", justifica Gotti.
CRÍTICAS - A princípio, o foco nas ciências e matemática pode gerar críticas de uma educação tecnicista e positivista, entretanto, especialistas acreditam que a abordagem precisa crescer no Brasil. Lucia Dellagnelo é diretora presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) e defende a implementação do STEAM nas escolas brasileiras.
"Melhorar a abordagem das áreas do STEAM é importante para a educação do Brasil avançar, e, principalmente, para colocar os alunos brasileiros no século 21, onde essas habilidades vão ser importantes", destaca.
INTEGRAÇÃO - Na proposta do novo ensino médio, o STEAM tem papel central. O SESI, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), passou a executar em 2018 o piloto do Projeto Ensino Médio com Itinerário de Formação Técnica e Profissional em cinco estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Goiás. Para o próximo ano, toda a rede terá o modelo.
Em Fortaleza, o SESI Euzébio Mota de Alencar está com uma das turmas: são 23 alunos vivendo a experiência pedagógica com formação profissional na área de eletrotécnica. Logo no primeiro encontro, o impacto de uma nova forma de ensino: uma aula sobre evolução humana com os professores de todas as áreas de conhecimento ensinando o tema com olhares distintos.
Francisco Eurivan Costa Filho é professor de linguagens e suas tecnologias e tornou-se entusiasta da proposta: "O novo ensino médio trabalha com resolução de problemas integrando diferentes áreas de conhecimento, como propõe o STEAM. Em quase um ano de piloto percebemos os estudantes se desenvolvendo de uma forma mais rápida, trabalhando integrados e gerando mais resultados.
O estudante Joel Robson Macedo Marinho, 15 anos, faz parte da turma piloto. Para ele, o projeto mais impactante de que participou foi o desenvolvimento de um filtro químico para reutilização da água. "Para linguagens, trabalhamos a parte documental. A parte química foi o desenvolvimento do próprio filtro e, na parte de matemática, desenvolvemos os gastos e os possíveis lucros do negócio", exemplifica.
A aposta no STEAM na rede SESI vem dando resultados. Segundo levantamento de percepção realizado na rede SESI em 2018 com estudantes de robótica, 94% dos estudantes declararam que têm mais gosto por matérias de exatas, 76% acreditam que houve melhora na capacidade de inovação e 50% dizem que as notas aumentaram nos últimos 12 meses.
PROFESSOR TAMBÉM APRENDE - A implementação do STEAM - método que foca em ciências, matemática, tecnologia e engenharia e vem trazendo bons resultadosnas salas de aula brasileiras - esbarra em um aspecto crucial: a formação do professor. A abordagem traz uma mudança no paradigma da aprendizagem. Não cabe mais ao docente apenas a tarefa de transmitir o conteúdo para a turma, ele precisa fazer a tutoria e ajudar o aluno a resolver os problemas trazidos para o ambiente escolar. Muitas vezes, a resolução da questão proposta exige o diálogo com outras áreas de conhecimento.
O professor de Geografia André Lima leciona no SESI da Vila Canaã, em Goiânia. Ele conta que, quando foi selecionado para participar do projeto Acesse, achou complicado unir a Geografia com as Artes. Foi durante o curso de formação que a concepção mudou. "O professor do curso mostrou um trabalho de um artista que usava o Rio Tietê. Aí eu pensei: isso não é Artes, é Geografia. Só então compreendi que as duas caminham juntas", comenta.
QUALIDADE - Para André, a nova abordagem mudou a sua percepção de qualidade em sala de aula: "Percebi que o sistema educacional vai minando essa parte criativa e a gente precisa reacender. Na análise de Lucia Delagnello, diretora presidente do Centro de Inovação para Educação Brasileira (CIEB), o próprio professor aprende o conteúdo nas universidades de uma maneira abstrata e teórica. Dessa forma, tem dificuldade em mudar a prática pedagógica. Por isso, a solução é a formação continuada. "A gente diz que os alunos precisam aprender a aprender, mas os professores também precisam estar continuamente aprendendo para poder ensinar", destaca Lucia.