Há 36 anos é a mesma coisa. O barco escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) do Amazonas, o Samaúma, parte de Manaus rumo aos municípios ribeirinhos da região Norte. Desde 1979, o barco já esteve em 63 cidades localizadas às margens de rios no Amazonas, no Pará, em Rondônia, Acre, Roraima e Amapá. Quando aporta em um município, durante dois meses, uma equipe de oito docentes oferece 16 cursos de qualificação no próprio barco ou em estruturas montadas próximas a ele.
O SENAI foi a primeira instituição a levar educação profissional a localidades remotas dos estados do Norte do país. Devido às dificuldades de transporte dos moradores da região, era difícil crer que cada indivíduo conseguiria recursos para se deslocar para a capital e ficar semanas longe de casa. O Samaúma resolveu esse problema. Assim, já foram formados mais de 50 mil profissionais nos cursos oferecidos pelo barco escola.
Entre os docentes do Samaúma que estão na ativa, Raimundo Sales, 50 anos, é o mais antigo. Começou a dar aulas de Panificação e Confeitaria no Samaúma em 2000. Nesses 15 anos, em oito foi o responsável por formar profissionais em sua área de expertise. A história de Raimundo com o SENAI começou ainda em 1993, como aluno de Confeitaria. Cinco anos depois, foi trabalhar na instituição como instrutor. Passou pelas escolas fixas e móveis terrestres até que, por conta do rodízio entre instrutores, chegou ao Samaúma, pela primeira vez, em 2000.
“O aluno ribeirinho é diferente. Você vê o brilho dos olhos com a oportunidade de uma formação profissional”, conta Sales. “Nem todos terão empregos industriais, mas, para muitos, o curso é a melhor oportunidade de geração de renda”, revela em entrevista à Agência CNI de Notícias por telefone direto do Samaúma, atracado em Mazagão (AP). O município, localizado no sul do Amapá, fica a seis dias de barco de Manaus e é o ponto mais distante onde Raimundo já ministrou aulas. Assim como em outras unidades do SENAI, o estímulo ao empreendedorismo e à criatividade faz parte do programa de formação.
DESAFIOS - A cada embarque, Raimundo deixa para trás a esposa Janilde, com quem é casado há 26 anos, e a companhia dos filhos, de 19 e 23 anos. A experiência acumulada nas idas e vindas cortando os rios parecem compensar a distância. Dos 800 alunos que já qualificou desde 2000, Raimundo Sales tem muitas histórias para contar. São tantas e tão interessantes que dez minutos de conversa são suficientes para convencer o ouvinte a visitar a Amazônia.
Nas visitas a São Gabriel da Cachoeira (AM), Sales e seus companheiros precisam de um esforço a mais. O município tem, além do português, três línguas indígenas oficiais, o nheengatu, o tucano e o baníua. Mais da metade da população é indígena e as turmas formadas na cidade seguem o mesmo padrão. “Há muitos indígenas migrando para a zona urbana e vêm em busca do SENAI para conseguir um emprego”, afirma.
Outro episódio que Sales conta com orgulho aconteceu no extremo leste do estado, em Maués (AM), que faz divisa com o Pará. Um comerciante que já trabalhava como padeiro decidiu fazer o curso de qualificação quando o barco aportou na cidade. De acordo com o docente, o padeiro já utilizava o forno turbo, comum em padarias, mas não acionava o dispositivo responsável por dispersar o calor entre todas as prateleiras. “Sem isso, ele demorava 30 minutos para tirar uma fornada de pães. Com esse ventilador funcionando, o tempo baixa para 10 ou doze minutos”, compara. Quem vendeu o equipamento – critica ele – não tomou o cuidado de explicar como deveria funcionar. “Essa é uma prova de que podemos fazer a diferença onde chegamos”, avalia.
Nas aulas de qualificação para padeiro e confeiteiro industrial, os alunos aprendem a produzir pães, biscoitos, salgados, bolos e tortas. Além disso, saem preparados para fazer estudos de custos de sua produção. “Dessa forma, os alunos podem começar a empreender até mesmo com um forno doméstico”, destaca.
Do início das aulas até hoje, Sales diz que muita coisa mudou na área de tecnologia de alimentos. “Eu precisei me aperfeiçoar. Fiz cursos em Vassouras, no Rio de Janeiro, e em Campinas”. Uma coisa que parece não mudar muito é o prazer com o qual fala do trabalho. “É difícil deixar a família por semanas. Mas eu faço o que gosto e quero continuar no Samaúma”, diz.
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