Estudantes de robótica desenvolvem projetos que ajudam animais, pessoas e a indústria

São iniciativas que nasceram como projetos de pesquisa apresentados nos torneios de robótica organizados pelo SESI. Deram tão certo que acabaram sendo adotados fora da escola. Confira na terceira reportagem da série Robótica na Vida da Gente

Quanto vale a felicidade do melhor amigo do homem? Tem gente que gasta muito dinheiro para cuidar de cães e gatos. Claro, são considerados como da família. Mas é bem melhor, principalmente para o bolso, quando a solução para o problema do seu pet chega de graça. E olha que não é para resolver qualquer problema.

Em Planaltina, no Distrito Federal, Caju, um cãozinho da raça Pinscher começou a perder o movimento das patinhas traseiras quando tinha pouco mais de um ano de idade. “Com o passar do tempo ele não conseguia firmar as pernas e ficava se arrastando. Uma lesão na coluna provocou a perda da mobilidade”, conta o dono de Caju, o vigilante Marcos Delgado Gomes, 43 anos.

Mas, do outro lado do DF, uma iniciativa de adolescentes mudou os rumos dessa história. Foi por meio de um panfleto que Marcos descobriu um projeto de alunos do do Gama. Os estudantes fazem parte da equipe Lego Field e participam da atual temporada do Serviço Social da Indústria (SESI), com o tema Animais Aliados. A ideia do grupo é oferecer órteses gratuitas para animais com perda de movimento, como é o caso de Caju. A iniciativa faz parte do projeto de pesquisa que a equipe desenvolveu para o torneio.

De acordo com o coordenador de Robótica do SESI do Distrito Federal, Atos Reis, que também é técnico da equipe, tudo começou com a ideia de associar tecnologia ao aspecto social. “Pensamos assim: vamos criar um site em que qualquer pessoa, de qualquer lugar do Brasil, pudesse entrar, passar as medidas do animal e nós iríamos fazer a órtese. Mas se tudo ficasse pra gente fazer, não daríamos conta. Daí começamos a chamar voluntários para ajudar no projeto”, explica.

As pesquisas sobre o tema começaram em agosto do ano passado. Depois, o pai de um dos alunos criou o site Prótese Animal, em que os donos dos cães com necessidades podem fazer contato com os voluntários. Mas foi depois de uma postagem sobre o projeto no Facebook que choveram pedidos de órteses. O sucesso é tão grande que o site já acumula mais de 150 pedidos, do Brasil e até de Portugal.

As primeiras órteses foram entregues em janeiro, feitas de ferro e rodinhas, material comprado pelos próprios alunos. O projeto deu tão certo que ganhou parceria da Universidade de Brasília (UnB). As próximas órteses serão feitas em impressora 3D, no laboratório da universidade. Uma órtese pode variar de R$ 200 a R$ 3 mil, dependendo da sofisticação. Mas, no projeto, tudo sai de graça.

VIDA MAIS SAUDÁVEL - O estudante Mateus Queiroz, 15 anos, um dos integrantes da equipe, conta que o projeto recebe principalmente demandas para cães e gatos, mas outros animais como coelhos, galos e até pássaros também estão cadastrados para receber uma órtese. “Faz uma diferença enorme poder ajudar esses animais, devolvendo uma vida mais saudável por meio dessa ideia da nossa equipe. Tem sido uma experiência muito bacana para o grupo, principalmente pelos resultados. A gente não imaginava tanta repercussão”, diz. O projeto ganhou ainda mais popularidade com reportagens na televisão. TV Globo, TV Record e TV Brasília já apresentaram o caso.

Quanto ao Caju, o cãozinho agora mudou  de vida. Aliás, a família do Marcos também. “Com essa iniciativa, os meninos deram qualidade de vida não apenas para o animal, mas também para toda a família, porque o Caju faz parte dela. A alegria dele é a nossa também”, ressalta Marcos.

Por tudo isso, Atos acredita que a educação tradicional passa por uma grande transformação. “Evidentemente não funciona e o mercado quer mudança, a indústria quer mudança. Ou as escolas mudam para essa nova realidade ou vamos falhar como educadores. Quando vejo esses projetos de robótica funcionando na escolas, percebo que a mudança começa a acontecer. E nós precisamos inspirar os estudantes”, finaliza.

POR UM MUNDO COM MENOS DESPERDÍCIOS - Mas nem só de projetos para o mundo animal vive a robótica. A cada temporada um novo desafio é lançado para os estudantes. Um desses desafios era como lidar com o lixo nosso de cada dia. E não é pouco lixo. No Brasil, 40 mil toneladas de alimentos são jogadas no lixo todos os dias. É o que revela uma pesquisa da World Resources Institut, instituição de pesqusia internacional. Esse dado coloca o Brasil entre os dez países do mundo que mais desperdiça comida.

É tando desperdício, em tantos lugares, que a equipe de robótica Red Rabit, do SESI de Americana (SP), resolveu pesquisar uma solução. O ponto de partida dos estudantes foram as empresas da cidade que contam com restaurantes para os funcionários. “Essas empresas fazem uma quantidade de refeições sem saber exatamente quantos funcionários vão almoçar. Descobrimos que sempre sobra uma média de 15% a 20% do que é produzido”, explica o analista de suporte em Informática, Denis Rodrigo Santana, técnico da equipe.

Segundo Denis, a sobra vai parar no lixo, porque não pode ser reaproveitada. Além do desperdício em si, há também consequências ambientais. “Esse alimento que é jogado nos aterros libera chorume - um líquido tóxico - além de gases poluentes”, conta. 
Depois de visitar cinco empresas, os alunos decidiram buscar uma solução para o problema. Surgia, então, o Redutor Inteligente de Sobras Orgânicas (RISO). A ideia simples foi adotada inicialmente em uma das empresas do Grupo Vivo Sabor, a Vivo Sabor Alimentação, que fornece refeições coletivas para outras empresas.

“Os meninos desenvolveram um painel eletrônico com um contador e as repostas ‘sim’ e ‘não’. O funcionário precisava responder se estaria presente no dia seguinte para o almoço. Quando o funcionário tinha certeza de que não almoçaria no dia seguinte, ele apenas confirmava nesse painel”, conta.

O resultado? 30% a menos de comida jogada fora todos os dias, segundo a supervisora de Marketing do Grupo, Livia Tatoni. Hoje, a ideia dos estudantes foi incorporada em um dispositivo de pesquisa de satisfação utilizado em todas as empresas do grupo Vivo Sabor, viabilizando custos e utilizando, assim, o conceito inicial do projeto.

Tatoni avalia que projetos como esse proporcionam experiências enriquecedoras e agregam benefícios, tanto para os jovens, quanto para as empresas. “Incentivar os jovens desde cedo a desenvolverem projetos pensando na melhoria contínua dos processos das empresas e na conservação do meio ambiente é o caminho para o desenvolvimento global do cidadão e da sociedade. Além de investir na formação de profissionais capacitados e diferenciados para o benefício da própria indústria, contribui para formação de cidadãos verdadeiramente engajadas com a construção de um futuro melhor”, afirma.

Para o estudante Gabriel Barbosa, 17 anos, um dos integrantes da equipe, os resultados superaram as expectativas. “Fizemos todo um processo de conscientização com os funcionários da empresa sobre os desperdícios e foi muito legal ver o nosso projeto funcionando na prática. O mais gratificante é perceber que bem menos comida está indo para o lixo graças à nossa iniciativa”, comenta.

DA MESA PARA A ESCOLA – O projeto de redução de desperdício também poderia ser adotado por algumas escolas, mas nelas há outras dificuldades que merecem ser pesquisadas. É o caso da Matemática. Que a disciplina assusta muitos estudantes, não é novidade. Mas por que será que alguns alunos têm mais dificuldade que os outros? A explicação pode ser um distúrbio ainda pouco conhecido, chamado de discalculia: um problema causado pela má formação neurológica que se manifesta como uma dificuldade no aprendizado dos números.

E foi esse obstáculo que chamou a a atenção da equipe de robótica Gametech, da escola SESI Vila Canaã, de Goiânia. “Em nossa pesquisa, constatamos que alguns casos de aversão à Matemática eram, na realidade, provocados pela discalculia. A pessoa não conseguia calcular um simples dois mais dois”, conta o professor de Tecnologia Educacional e técnico da equipe, José Júnior.

Foi assim que nasceu o projeto Discalculia, que ganhou inclusive o apoio do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Goiás (UFG). Por meio de pesquisas, o que se percebeu é que jogos lúdicos, virtuais ou físicos tinham a capacidade de melhorar ou reduzir os efeitos do distúrbio. Surgia, então, o Ambiente Virtual de Aprendizagem e Tecnologias Associadas em Rede (Avatar). Uma plataforma digital com todas as informações sobre o distúrbio e jogos gratuitos.

Muito bem recebido pelo público, o projeto foi adotado, em 2014, pela Associação Goiana de Dislexia e Déficit de Atenção (AGDDA). Um laboratório também foi montado na unidade do SESI para atender os estudantes. “Hoje tratamos poucos alunos porque é difícil identificar a discalculia. O professor precisa ter muita sensibilidade para entender que um possível desinteresse pela matemática pode, na realidade, ser um distúrbio”, afirma.

Com mais de 10 anos em salas de aula, o professor elogia o empenho dos alunos em desenvolver o projeto. Ele mesmo conta que ficou surpreso com o resultado. Ouça:

EDUCAÇÃO DO FUTURO – Para o gerente-executivo de Educação do SESI, Sérgio Gotti, os projetos de pesquisa apresentados nos torneios do SESI ganham cada vez mais importância. Foram mais de mil projetos ao longo dos últimos cinco anos. “A gente observa que essas experiências levam além do torneio de robótica. As empresas estão cada vez mais interessadas nessas ideias. E esse conhecimento dos alunos é importante para que eles possam inovar nas áreas de ciência e tecnologia”, destaca.

Gotti também considera que esses estudantes são os futuros profissionais da indústria. “Essa é a educação oferecida pelo SESI: voltada para o mundo do trabalho. Tudo isso para que eles tenham melhores condições de chegar no mercado, produzir mais e ter um espírito empreendedor, porque é isso que a gente espera deles”, finaliza.

TORNEIO DE ROBÓTICA – Desde 2013, o Serviço Social da Indústria (SESI) é o organizador oficial do Torneio de Robótica FIRST Lego League. A cada temporada, estudantes de 9 a 16 anos, de escolas pública e particulares, são desafiados a apresentar soluções inovadoras para determinados temas. Na temporada 2016/2017, o desafio Animal Allies incentiva os alunos a pesquisar sobre a relação entre homens e animais, de que maneira um interfere ou pode ajudar a vida do outro. 

Durante a competição, cada equipe precisa apresentar um projeto de pesquisa com uma solução inovadora para o tema, além de planejar, projetar e construir robôs com peças Lego. Esse mesmo robozinho terá de cumprir missões na mesa da competição, em partidas de até dois minutos e meio. E, finalmente, cada grupo de estudantes precisa mostra que sabe trabalhar em equipe. É assim que os times são avaliados. 

A etapa regional da competição começou em novembro do ano passado. As melhores equipes participam do Torneio Nacional de Robótica, entre os dias 17 e 19 de março, em Brasília. Quer saber tudo sobre o Torneio de Robótica? Acesse o site oficial da competição!
 

VEJA AMANHÃ – No último capítulo da série, assista a um vídeo que mostra como a robótica ajuda os estudantes na vida pessoal e profissional.

AS REPORTAGENS DA SÉRIE:

1ª - A era dos robôs: tecnologia amplia produtividade, transforma educação e salva vidas

2ª- Robótica impulsiona carreira de estudantes e profissionais

3ª - Estudantes de robótica desenvolvem projetos que ajudam animais, pessoas e a indústria

4ª - VÍDEO: Robótica pode abrir portas do mercado de trabalho

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