Durante os 12 anos de estudos obrigatórios dos ensinos fundamental e médio, os estudantes brasileiros não têm sequer uma hora de preparação para o trabalho. Todos são tratados como se seu destino natural do ano seguinte ao término do terceiro ano fosse a universidade. O problema é que mais de 80% deles não seguem para o curso superior e acabam indo para o mercado de trabalho sem qualquer formação profissional, o que reserva a eles postos e relações de trabalho mais precárias.
A crítica ao sistema educacional atual foi apresentada pelo diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Rafael Lucchesi, durante o Fórum Brasil Competitivo, realizado nessa terça-feira (1º) no auditório da sede de O Estado de São Paulo, na capital paulista.“Se quisermos olhar para frente, nosso esforço precisa ser mais do que alocar recursos. Nosso olhar precisa ser o de melhorar a matriz educacional brasileira, ampliando o percentual de jovens no ensino técnico e assim oferecer a eles melhores chances de estar no mercado de trabalho”, afirmou Lucchesi.
Também presente ao debate, o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Marcelo Feres, acredita que essa discussão também inclui o papel da escola na transformação social ou na reprodução de exclusões. “Precisamos acabar com a antiga lógica que separa o fazer e o pensar, e ajudou a desvalorizar a educação profissional. É preciso dar oportunidade para que os brasileiros sonhem alto também quando estão nos cursos técnicos”, disse.
Nos últimos seis anos, houve um aumento de 88% do número de matrículas em cursos técnicos de nível médio. Saiu de quase 928 mil em 2008 e chegou a pouco mais de 1,7 milhão em 2014, segundo o Censo da Educação Básica, do Ministério da Educação.
Na visão da diretora para Educação Global do Banco Mundial, Cláudia Constin, a escola precisa estar atenta o mundo do trabalho muito antes, ainda no ensino fundamental. A formação de professores – disse ela – deve ser incluída nisso. “Há de se fazer um diálogo melhor entre o ensino básico e o profissional, e a escola precisa estar em paz com o fato de oferecer ensino técnico”, avaliou Cláudia, levando em conta que muitos institutos públicos funcionam como “quase universidades”, abrindo mão de sua vocação técnica.
PRODUTIVIDADE – Além dos impactos para juventude, os integrantes do fórum também levantaram argumentos sobre a ampliação da produtividade do trabalho. O professor da Fundação Getúlio Vargas André Portela destacou que o crescimento econômico depende da produtividade. O que quer dizer - segundo ele - tornar o trabalhador mais produtivo, tornar o posto de trabalho mais produtivo e a relação dos dois mais produtiva. “A educação profissional tem a ver com isso. E é fundamental que a relação entre a oferta de cursos e a demanda por trabalhadores qualificados esteja bem alinhada. Senão, a melhoria da produtividade não acontece”, disse.
Como exemplo de bom alinhamento entre oferta e demanda, o diretor de Recursos Humanos da Bosch, Fernando Tourinho, apresentou alguns resultados dos programas de aprendizagem desenvolvidos pela empresa em parceria com o SENAI. Os cursos são oferecidos em escolas montadas dentro da própria empresa. Nos últimos dez anos, cerca de 80% dos aprendizes que passaram pela formação foram contratados ao fim do programa.
“Nós recomendamos fortemente a adoção desse tipo de iniciativa para formar trabalhadores. Além da qualificação técnica, eles adquirem competências como disciplina, responsabilidade, capacidade de atuar em equipe”, enumerou. Como desafio, ele afirma que ainda é preciso criar programas mais longos e melhorar a capacidade de atualização tecnológica, aumentar o número de mulheres participantes, além de sensibilizar os trabalhadores para a necessidade de formação ao longo da vida.