Aprendizado sem fronteiras: SENAI qualifica alunos estrangeiros

Entre 2020 e 2021, a instituição atendeu mais de 3,6 mil estudantes de outras nacionalidades. Confira as histórias dos alunos que encontraram no ensino uma nova oportunidade de vida

"Vir para o Brasil não foi uma decisão fácil, eu saí com pouquíssimo dinheiro e tive que deixar minhas filhas na Venezuela. Não sabia falar a língua, não sabia o que esperar do futuro, mas tinha no meu coração que Deus me ajudaria a conquistar meu sonho: dar um futuro melhor para as minhas três filhas".

O depoimento é de Shirli Veracienta, venezuelana, de 38 anos. Com os olhos marejados e sorriso simples, conta que aprendeu o português durante as caronas rumo a uma vida melhor em Roraima. No caso da Shirli, a viagem se estendeu por quase uma semana e uma rota de mais de 3 mil quilômetros.

O relato da estudante não é único. A população venezuelana no Brasil equivale a 18% da parcela total do 1,3 milhão de refugiados e migrantes do país. Além dos 46.923 venezuelanos reconhecidos como refugiados, há 96.556 requerentes de asilo, segundo os dados mais recentes do CONARE e da Polícia Federal.

"Deus ayuda me! Eu falava durante o percurso. Eu estava sozinha, estava de carona e não sabia se chegaria ao Brasil", conta. Foi de carona em carona que Shirli chegou em Roraima, estado com 631 mil habitantes (IBGE 2020). E no estado menos populoso do país foi onde começou um novo capítulo na vida da mãe venezuelana.

 

Sem muito planos, mas com grandes sonhos, Shirli lembra que, ao chegar no Brasil, ficou grata as instituições federais que ofereciam comida e abrigo para estrangeiros. "Roraima tem muito acolhimento, mas como é um estado que a maior parte dos imigrantes procuram, nem todos conseguem ser ajudados", relembra.

Ao se deparar com tantos venezuelanos e outros imigrantes precisando de assistência em Boa Vista (RR), Shirli quis se mudar e, entre conversas com amigas, decidiu ir para Goiânia (GO). "Há muita assistência em Roraima, mas são 200 ou 300 venezuelanas em situações precárias e, por isso, tomei a decisão de mudar de estado", conta.

Ao se fixar no estado de Goiás, Shirli conheceu o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). "Eu comecei no SENAI fazendo um curso de 80 horas, de auxiliar de cozinha. O curso já acabou, mas eu continuei dentro da escola melhorando meus conhecimentos e aprendendo a trabalhar no campo laboral de uma empresa, coisa que eu não conhecia ainda", explicou.

Após finalizar o curso, a nova etapa na vida de Shirli é a busca por uma nova oportunidade profissional, cheia de esperança de uma vida melhor para ela e suas filhas. "A minha meta é fazer outro curso no SENAI, de confeitaria para bolos, e conseguir outro emprego".

SENAI transforma a vida de milhares de alunos estrangeiros

A história da Shirli é apenas uma entre os milhares de alunos que passaram pelo SENAI durante todos os anos. Ao longo da sua história, o SENAI presta o serviço de acolhimento, direcionamento e qualificação de alunos estrangeiros. Por meio de programas adaptados, assistência para regularização de documentos e indicação para ofertas de trabalho. Apenas, entre 2020 e 2021, a instituição atendeu 3.660 estrangeiros, desse número 1.371 eram estudantes venezuelanos.

A gestora do Programa SENAI de Ações Inclusivas, Adriana Barufaldi, explica que o movimento migratório no Brasil se acentuou nos últimos anos. "A transição é explicada pelos cenários sociais e econômicos que induzem a transição de grupos de pessoas de países como a Venezuela, Haiti e Angola, dentre outros, em busca de melhores condições de vida", explica a gestora.

Barufaldi traz ainda que, segundo o boletim da Organização Internacional de Migrantes (OIM), desde abril de 2018, mais de 38 mil venezuelanos tiveram seu deslocamento assistido para todas as regiões do Brasil.


"São profissionais que chegam com a expectativa de inserção no mercado de trabalho brasileiro. Enfrentam desafios de todas as ordens, desde barreiras comunicacionais até a formação profissional de origem que não tem valor legal no Brasil. Necessitam para isso de ações de reconhecimento de saberes para aqueles que possuem alguma formação ou de uma habilitação em uma outra função/ocupação para aqueles sem nenhuma formação em seu país de origem", explica.


 

Muito mais que sonhar é poder realizar!

São diversas histórias espalhadas por todo o país. Para o haitiano Mathieu Dechommes, o SENAI não foi apenas o começo de uma nova vida, mas se tornou também sua família.


"Desde o Haiti já me interessava por mecânica, era ajudante em uma oficina, com a vida de incertezas resolvi vir para o Brasil buscar oportunidades de trabalho para ajudar minha família. Após o falecimento de meu pai, deixei o Haiti e vim para o Brasil. A minha irmã de 24 anos cuidava da minha mãe e de mais três irmãs de 17 anos, irmã de 14 anos e irmã de 10 anos", contou Mathieu.


O sorriso aberto do estudante do SENAI-RS traz uma sensação de leveza e simplicidade. Foi com ele que Mathieu conquistou todos os professores, colegas e coordenadores do curso. Além disso, a paixão pela mecânica o tornava um aluno promissor e, sem dúvidas, um futuro profissional brilhante.

E foi com a certeza do que queria estudar e entre conversas com amigos, durante o bico de ajudante de obras, que Mathieu conheceu o SENAI. Comprou um celular, deu algumas ligações erradas pelo caminho e, finalmente, decidiu conhecer pessoalmente a Instituição e o curso de Manutenção Automotiva.

Ao pisar na escola o coração se encheu de esperança, tirou uma foto com o celular e mandou para sua mãe. Ele sabia que ali começaria uma nova etapa na sua vida.

Durante o curso, Mathieu passou por dificuldades, trocou algumas vezes de emprego e, em um deles, seu antigo chefe o tratava muito mal. Xingamentos, ofensas e falta de pagamento tornaram quase impossível o estudante ir trabalhar. Faltava o dinheiro para transporte e muitas vezes a força de vontade desaparecia. A notícia do assassinato da sua irmã mais velha foi o que fez o mundo de Mathieu cair.

Então, ir para as aulas se tornou cada vez mais difícil. "Meu corpo estava aqui com dor, mas minha alma estava lá. Minha irmã foi a pessoa que ajudou a pagar minha passagem para o Brasil, foi quem apoiou meus estudos, quem cuidava da minha mãe e irmãs”.

Seu sonho sempre foi estudar, abrir sua própria mecânica e mudar a vida de sua família, que sempre foi sua prioridade. "Por isso, resolvi falar com a coordenadora Tatiana, que sempre perguntava como eu estava. Um dia tive que dizer que não estava bem e que iria desistir e voltaria para meu país", relembra.

A notícia não deixou apenas o estudante triste, mas também todos da escola. A coordenadora conversou muito com Mathieu para que esperasse um pouco para poder terminar o curso. "Minha coordenadora conversava comigo toda semana e pedia para ficar mais para fazer valer a pena tudo o que vivi e aprendi. E, também, levar este presente para minha família o meu diploma da melhor escola SENAI Automotivo do Brasil".

Mathieu não poderia ficar mais aqui, mas a coordenadora não desistiu e teve a ideia de uma solução para o estudante. "Ela falou com meu primo, que morava junto comigo, para me ajudar na comida. Comecei a estudar a tarde, também, para vencer os conhecimentos que faltavam e realizar avaliações”.

Sendo um aluno exemplar, sem faltas e pontual, Mathieu conseguiu voltar para o Haiti com um diploma do SENAI em mãos. Agora pode, finalmente, ajudar a família e começar a construir o sonho da empresa de mecânica. Uma nova etapa acaba de começar e, em suas palavras, "o SENAI estará para sempre no meu coração".

O primeiro passo para uma nova trajetória

A venezuelana Carmen Rosales é outro exemplo de como o SENAI apoia e ajuda na estruturação dos imigrantes e refugiados no país. Ela veio para o Brasil para ajudar a família, principalmente as filhas.


“Não foi uma decisão fácil, pelo contrário, foi muito difícil e eu precisei ser muito forte. Quando eu cheguei aqui, além de querer ter uma vida melhor, eu queria conseguir um certificado, me especializar. O SENAI abriu as portas para mim, não apenas para esses sonhos, mas também para o sonho de conseguir um emprego".


Atualmente, Rosales mora em Goiânia (GO). A oportunidade para trabalhar em um restaurante surgiu após concluir o curso no SENAI de Técnico em Cozinha. “Hoje, eu posso ajudar um pouco minha família, quero cada vez mais conseguir ajudar. Além disso, o pessoal do SENAI me ajudou e ajuda muito com a adaptação aqui no Brasil”.

"O SENAI abriu as portas para mim, não apenas para esses sonhos, mas também para o sonho de conseguir um emprego" - Carmen Rosales

E essa assistência vai muito além dos estudos. No caso da Carmem, por exemplo, o auxílio também está na regularização de documentos. Por conta da pandemia, alguns venceram e agora ela precisa fazer o processo de regularizar tudo novamente.


“Sou muito grata a todos pela ajuda e apoio, tanto com o curso, com os documentos e, também, a língua. Eu já consigo entender e me comunicar muito bem e foi aqui em Goiânia que eu comecei a evoluir tanto na fala quanto a minha vida como um todo”, comemora.


SENAI ajuda os imigrantes a encontrarem novas oportunidades

A ação do SENAI, nos 27 Departamentos Regionais e suas respectivas escolas, está estruturada na identificação das necessidades específicas desses grupos e o alinhamento com as demandas das empresas, em especial, as do setor industrial, visando o acesso, a permanência e o desenvolvimento de carreira deles.

"Trata-se de uma ação humanitária que está auxiliando esses grupos na inserção socio laboral, permitindo novos recomeços de vida, auxiliando as empresas no desenvolvimento de uma cultura diversa, trocas, fomento de novas experiências e desenvolvimento econômico", define Adriana Barufaldi, gestora do Programa SENAI de Ações Inclusivas.

Dados do Ministério da Justiça (2020), apontam que o Brasil atraiu diversos estrangeiros nos últimos anos, sendo 1.085 milhão de imigrantes, de 2010 a 2019. Além disso, em situações de risco, o número também é alto. Apenas em 2019, antes da pandemia de Covid-19, 82.520 imigrantes solicitaram refúgio no país, desses, 31.966 foram reconhecidos.

Em meio a este cenário, o SENAI cada vez mais investe em cursos de aperfeiçoamento profissional para centenas de imigrantes e refugiados. Em Boa Vista (RR), por exemplo, ocorreu, em agosto, a solenidade de formatura de 90 estudantes venezuelanos ou em situações de vulnerabilidade em cursos ofertados pelo SENAI, em parceria com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) e Visão Mundial.

A qualificação de pessoas em áreas com rápido retorno financeiro faz parte projeto “Ven, tú puedes”, da Visão Mundial. As turmas concluídas foram de Informática Avançada, Móveis Projetados, Pedreiro de Revestimento Cerâmicos e Sketchup para Marcenaria.

Uma nova turma segue em curso e os estudantes trazem diversas histórias em busca de uma melhor qualidade de vida. Os alunos participam das aulas presencialmente, com atividades teóricas e práticas, e respeitando os critérios de distanciamento social e cuidados contra a propagação da Covid-19. Para o diretor da ADRA em Roraima, Daniel Lessa, o momento de capacitação é muito importante na vida destas pessoas, que buscam uma colocação no mercado de trabalho.

“Foi feita uma força-tarefa para atender as pessoas que tenham essa necessidade, por isso, hoje é um momento muito especial, e agradecemos em especial aos instrutores do SENAI, que foram pessoas que se doaram muito mais do que apenas lecionar, mas causaram um impacto na vida de cada um dos alunos de forma positiva, instruindo-os para a vida”, citou.

Relacionadas

Leia mais

SENAI qualifica imigrantes haitianos na área de construção civil
Diplomatas estrangeiros acreditam em melhora na economia brasileira
SENAI lança programa de Mentoria Digital para empresas

Comentários