Acordo Mercosul-UE pode trazer R$ 500 bilhões para o PIB, diz Oliver Stuenkel

Oliver Stuenkel, professor da FGV-SP, fala dos efeitos econômicos e diplomáticos do acordo entre Mercosul e União Europeia

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia poderá trazer em torno de R$ 500 bilhões a mais, em dez anos, para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e cerca de R$ 400 bilhões em investimentos adicionais, estima Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP). “O acordo vai gerar ganhos concretos para a indústria brasileira, que se integrará às cadeias globais de valor ao conseguir importar componentes de outros países com mais facilidade, fabricar um produto final ou outro componente e reexportá-lo”, argumenta.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O fato de o Brasil ocupar a presidência pro-tempore do Mercosul e a Espanha, a do Conselho da União Europeia pode facilitar a conclusão do acordo comercial entre os dois blocos?

OLIVER STUENKEL - Sem dúvida. A Espanha gostaria de fazer da ratificação do acordo comercial com o Mercosul um dos grandes legados da sua presidência rotativa. Há um esforço nítido, tanto no âmbito da diplomacia de alto nível quanto no âmbito da diplomacia cultural, envolvendo a sociedade civil e as universidades. A atual situação produz uma janela de oportunidade e, se ela não for aproveitada, as chances de ratificação devem cair. As eleições para o parlamento europeu em julho de 2024 podem complicar o processo, porque a composição do próximo parlamento pode ser mais protecionista. Entre o público europeu, há um maior ceticismo em relação ao acordo do que entre a população dos países integrantes do Mercosul.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais serão os principais ganhos que o acordo trará para o Brasil e, em especial, para a indústria brasileira?

OLIVER STUENKEL - Ele poderá trazer em torno de R$ 500 bilhões a mais, em dez anos, para o Produto Interno Bruto brasileiro, e pode gerar investimentos adicionais de cerca de R$ 400 bilhões na próxima década. Além disso, deve impulsionar a economia brasileira e contribuir com o processo de abertura. Isso é uma boa notícia para um país como o Brasil, que, por muitos anos, teve uma das economias mais fechadas do G20 e deixou de aproveitar as oportunidades que o mundo mais globalizado oferece. Numerosos setores brasileiros – como o sucroalcooleiro, o de grãos, o de carnes e o de frutas – terão a oportunidade de aumentar sua participação no mercado europeu.

O acordo vai gerar ganhos concretos para a indústria brasileira, que se integrará às cadeias globais de valor ao conseguir importar componentes de outros países com mais facilidade, fabricar um produto ou outro componente e reexportá-lo. As cadeias de valor na Europa são altamente inovadoras, o que deve tornar a indústria brasileira mais competitiva. O Mercosul é o único bloco comercial relevante na América Latina com o qual a União Europeia ainda não tem um acordo comercial preferencial. A ratificação dará às empresas brasileiras acesso à Europa, o maior mercado comum do mundo. O acordo, portanto, representa uma grande oportunidade para a indústria brasileira e pode ser uma peça importante na estratégia do governo atual de promover o processo de industrialização do país.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o acordo pode ampliar a participação brasileira no comércio mundial?

OLIVER STUENKEL - O acordo prevê que mais de 90% dos produtos do Mercosul e da União Europeia serão isentos de tarifas alfandegárias na próxima década. Logo, ele ampliará, automaticamente, a participação brasileira no comércio internacional, e também deve tornar a agricultura e a indústria brasileira mais competitivas, de forma geral. Quando o acordo for ratificado, o Mercosul deve avançar nas negociações comerciais com outros parceiros, como a China. O âmbito externo também é favorável. Um número cada vez maior de empresas buscam aumentar sua resiliência geopolítica, querem se diversificar geograficamente para estarem preparadas para a próxima crise geopolítica, seja na Ucrânia, seja em Taiwan, seja no Oriente Médio.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E quais são os entraves para finalizar o acordo, fechado inicialmente em 2019?

OLIVER STUENKEL - Os principais detratores hoje são lobbies agrícolas em alguns países europeus, sobretudo na França. Além disso, alguns grupos ambientalistas temem que a ratificação impacte negativamente o combate ao desmatamento no Brasil. No entanto, muitas vezes esses argumentos se misturam com uma rejeição geral do livre comércio, e o texto atual já possui regras robustas, que devem fortalecer o combate ao desmatamento. O anexo recém-apresentado pela União Europeia, que inclui regras adicionais sobre desmatamento, complica as negociações nessa reta final, mas não o vejo como um obstáculo insuperável.

REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O acordo terá impacto sobre a atuação brasileira nos organismos e nas agendas multilaterais?

OLIVER STUENKEL - Uma onda populista, nacionalista e protecionista varreu o mundo – sobretudo o Ocidente – ao longo dos últimos anos. A ascensão de Trump, a guerra comercial entre os EUA e a China e o Brexit dificultam a construção de um mundo mais integrado e próspero. Entretanto, os países que deixam de apoiar a globalização também perdem influência nos órgãos internacionais, como foi o caso dos EUA no governo Trump. A ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia seria um marco histórico, porque fortaleceria a influência brasileira na Europa e permitiria que o país participasse ativamente do debate mundial sobre o futuro da globalização. Além disso, aumentaria o poder de barganha do Mercosul e do Brasil nas negociações com EUA e China. 

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