Pegar um ônibus, fazer compras e namorar são coisas comuns na vida de quase qualquer pessoa. Mas a simplicidade dessas ações pode ficar comprometida quando se tem 47 cromossomos.
Para algumas pessoas, possuir um cromossomo a mais do que a maioria da população (46 é o mais comum) pode significar atraso e problemas no desenvolvimento, mas não é assim para João Marcos Andrade. O jovem de 24 anos tem síndrome de Down e mostra com sua trajetória que a proatividade está presente no dia a dia dele, como se fosse fruto da genética diferenciada.
Ex-aluno do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o carioca demonstrou interesse no mundo do trabalho desde novo e foi com o apoio da mãe, Nelcy Andrade, 61 anos, que ele ingressou no curso de Confeitaria, em 2009. Lá, João aprendeu a fazer bolos, doces e pães, mas seu desempenho foi tão bom que logo foi convidado para competir na Olimpíada do Conhecimento – a maior disputa brasileira de profissões técnicas.
O jovem passou a treinar das 13h às 17h, de segunda a sexta, durante dois anos com o professor Gevenaldo Soares Oliveira e, quando tudo acabou, a saudade se fez presente na rotina de João. “Ele adorava e sentiu muita falta das atividades diárias”, conta sua mãe Nelcy.
Como não gosta de ficar parado, não demorou muito para que ele conseguisse um emprego. O primeiro foi em um supermercado, em que trabalhava por oito horas diariamente, das 7h da manhã às 15h30. Arrumar prateleiras e trabalhos de escritório são algumas das tarefas que João desempenhava. Meses depois, com a indicação do SENAI, o jovem ingressou em sua área, passando a trabalhar na renomada confeitaria Beira Mar em Niterói.
“Ele adorava o que fazia. Sabia as receitas de cabeça e era muito elogiado por amigos e professores”, conta a mãe que acompanha a rotina corrida do filho sem interferir nas decisões. João ficou na confeitaria por quase um ano e meio.
AUTONOMIA – Cada curso feito pelo jovem – Informática, Panificação, Pizzaria e Confeitaria no SENAI – e experiências adquiridas por onde passou, fizeram com que ele criasse ainda mais confiança e autonomia para continuar a trilhar os caminhos que a vida reservava.
Um deles foi o convite para participar de um reality show, o Expedição 21 – nome derivado da alteração genética que triplica o cromossomo 21, que causa a Síndrome de Down. O reality show, que mais tarde se transformou em um documentário, reuniu 18 pessoas com essa deficiência para ficar quatro dias em uma casa sem a presença dos pais. Durante esses dias confinados, os participantes eram separados em equipes e tinham atividades diárias para fazer como colocar a mesa do café da manhã, lavar a louça, tirar o lixo, entre outras. Uma das atividades mais marcantes do confinamento foi o passeio feito sem supervisão, pois é comum acreditar que essas pessoas não podem sair sozinhas por terem deficiência, o que não é verdade.
Além de provar que isso é um mito, o documentário, que será apresentado no próximo dia 18 de julho, no Palácio dos Festivais, em Gramado (RS), em um evento dedicado somente ao projeto Cromossomo 21, tem como objetivo despertar a liderança e autoestima dos participantes.
Nelcy explica que a convivência com os colegas de cena, gravadas no segundo semestre de 2018, foi tão boa que os participantes do confinamento ainda mantêm contato mesmo sendo de estados diferentes. “Do Rio de Janeiro participaram só o João e a Fernanda Honorato, mas eles têm um grupo no Whastapp”, conta. “João também tem amizades com outros jovens com deficiência e participa de dois grupos: Nitdown e Só Alegria Down. Nesses grupos fazemos vários eventos. Desde festas de aniversário até baladas, onde contratamos o DJ e organizamos tudo”, destaca Nelcy sobre a vida social do filho.
FUTURO – Atualmente, João Marcos trabalha em um escritório de advocacia como garçom e um dos planos para o futuro é tirar a carteira de motorista. “O próximo sonho é aprender a dirigir. Sei que ele é capaz, pois sempre mostrou persistência em tudo”, afirma a mãe.
Outro plano de João é construir uma família com a namorada Luiza Rodrigues Alvarenga Martins, 22 anos. Ela também tem a síndrome e eles se conheceram na CaminhaDown, uma caminhada organizada para comemorar o Dia Internacional da Síndrome de Down, no Rio de Janeiro.
Juntos há 3 anos, João sempre sai com a namorada aos finais de semana. Um dos programas favoritos do casal é tomar sorvete e conversar bastante, inclusive sobre o casamento. O jovem já sabe como pretende criar os filhos.
“Meu sonho é casar e depois pensar nos filhos. Eu quero ter pelo menos dois. Eu vou educar eles com muita responsabilidade, porque a minha mãe sempre falava para mim certo é certo, errado é errado. Se meus filhos tiverem síndrome de Down eu vou criar do mesmo jeito e mostrar o que é inclusão”, conta João, que também ajuda a mãe nas tarefas de casa.