As medidas de isolamento advindas da pandemia levaram o consumidor a buscar alternativas às lojas de rua, estimulando a procura e o consequente aumento do comércio online no Brasil. Entretanto, esse fenômeno veio acompanhado de um crescimento da venda de produtos ilícitos (falsificados e contrabandeados) nas plataformas da internet.
Para se ter uma ideia do boom do e-commerce, antes da pandemia, as vendas na internet de produtos esportivos representavam 11% de todos os itens fabricados. Com a crise sanitária, estas saltaram para mais de 20% do total de produtos, segundo o diretor-executivo da Associação pela Indústria e Comércio Esportivo (Ápice), Renato Jardim.
“Ainda não é preponderante, mas já é um crescimento expressivo e rápido. E, com isso, a venda de produtos piratas pela internet vem aumentando muito rapidamente também”, analisa.
Entre os produtos ilícitos vendidos estão itens de vestuário, higiene pessoal (perfumaria e cosméticos), bebidas alcoólicas, peças de audiovisual, celulares, material esportivo, brinquedos, software e eletroeletrônicos de forma geral. Entre os itens mais ameaçados estão têxteis, eletroeletrônicos e materiais esportivos.
Levantamento feito pelo Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) aponta que o país perdeu R$ 291,4 bilhões de reais para o mercado ilegal ainda em 2019. Trata-se da soma das perdas registradas por 15 setores industriais e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados em função da ilegalidade. O dado para 2020 ainda não está disponível, mas provavelmente será muito maior.
Ciclo vicioso
A venda de produtos pirata é parte de um ciclo vicioso, no qual organizações criminosas utilizam recursos oriundos dessa atividade para financiar e praticar outros delitos, como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, roubos e furtos, sonegação fiscal, corrupção e até homicídios, além de prejudicar a indústria nacional, diminuindo os investimentos e a inovação no país e acarretando perda de empregos formais.
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Fernando Pimentel, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), diz que a informalidade e a pirataria representam cerca de 35% das peças de vestuário comercializadas no Brasil.
“São ilegalidades no recolhimento de impostos, na contratação de mão de obra ou na própria pirataria das marcas, que trazem um prejuízo brutal para a sociedade, para os investidores e para as marcas que constroem toda a sua história por meio de bons procedimentos”, lamenta.
Mesmo antes do início da pandemia, cerca de 35% das vendas de itens esportivos, a exemplo dos tênis, eram produtos piratas, segundo Renato Jardim. “Já era um percentual bastante significativo, por conta da dinâmica própria do mercado do segmento esportivo”, diz o dirigente.
Fabiano Barreto, coordenador de Propriedade Intelectual da Confederação Nacional da Indústria (CNI), chama a atenção para a proliferação da venda não só de produtos falsificados na internet, mas dos originais que são contrabandeados, ou seja, entram no país ilegalmente, sem tributação, controle ou registro aduaneiro.
“São produtos originais, mas que não têm o recolhimento de tributos, que acabam também sendo vendidos em plataformas de comércio eletrônico”, conta Barreto.
Outro setor que sofre com a comercialização de produtos ilícitos na internet é o farmacêutico, muito regulado no Brasil. “Há uma grande oferta de produtos que prometem soluções milagrosas, como emagrecimento, calvície e disfunções sexuais. São produtos oferecidos como medicamentos, sem controle algum de eficácia, disponíveis ao público em geral no ambiente online”, relata o coordenador da CNI.
Soluções contra irregularidades no e-commerce
Diversas medidas estão sendo adotadas em conjunto pelo governo federal e por empresas para combater o comércio eletrônico de itens ilegais. Dentre elas estão as ações do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos de Propriedade Intelectual (CNCP), instância do Ministério da Justiça que trata de todo tipo de ilícitos no comércio.
“O CNCP tem tido uma atuação fundamental e indispensável”, avalia Renato Jardim, da Ápice. “Ele tem promovido diálogo entre atores do governo e o setor privado, o que traz um grande ganho para a eficiência do emprego dos recursos disponíveis para combater a venda de produtos ilegais”, avalia.
De acordo com Fernando Pimentel, o CNCP é importante foro de debate e proposições. “O órgão tem um lado de repressão e de combate ao crime e outro de conscientização do consumidor para que ele não compre produtos ilegais”, destaca, lembrando que o combate à pirataria passa, também, por um processo educacional da população.
A CNI também faz parte das entidades que apoiam o CNCP. “Vemos com bons olhos o protagonismo do Conselho nas ações de repressão ao comércio ilegal no Brasil”, destaca o superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI, João Emílio Gonçalves.
“Além disso, recebemos com entusiasmo o guia de boas práticas e temos estimulado as empresas fazerem sua adesão a esse novo protocolo, que é voluntário”, sugere.
Guias orientam no combate à pirataria
O Guia de Boas Práticas e Orientações às Plataformas de Comércio Eletrônico foi lançado em abril de 2020 com o objetivo de implantar medidas repressivas e preventivas no combate à venda de produtos piratas, contrabandeados ou que violem a propriedade intelectual.
O documento reúne sugestões e ponderações dos titulares de direito (representantes dos detentores dos direitos de propriedade intelectual) e das plataformas de comércio eletrônico, visando à formação de parcerias para o desenvolvimento de um ambiente digital de negócios saudável e competitivo.
Em agosto de 2020, o CNCP lançou um segundo documento, o Guia de Boas Práticas e Orientações para a Implementação de Medidas de Combate à Pirataria pelos Provedores de Serviços de Pagamento. O objetivo é reunir práticas para inviabilizar o recebimento de receitas oriundas da venda de bens, dispositivos e serviços que violem a propriedade intelectual.
“Esse segundo guia trata da parte financeira do processo de compra e venda, já que o comprador realiza o pagamento por meio de alguma ferramenta ou empresa especializada nessa área. O casamento dos dois guias foi uma ideia muito interessante, com efeitos complementares um ao outro”, elogia Renato Jardim.