"Todas as dores do Brasil vêm de uma educação de baixo nível", diz CEO da Microsoft no Brasil

Tânia Cosentino é uma das palestrantes do 9º Congresso de Inovação. Em entrevista à CNI, ela falou sobre processos de digitalização, os caminhos para o Brasil se tornar um país mais inovador e a importância da presença feminina nas empresas

Para Tânia Cosentino,
Para Cosentino, o caminho para um Brasil inovador passa pela educação e qualificação profissional. Além disso, as empresas precisam de diversidade. "Você não vai inovar se seu grupo de desenvolvedores for um grupo de iguais"

Que todo mundo conhece a Microsoft não é novidade, mas quem são as cabeças por trás de grandes empresas como essa? Tânia Cosentino, CEO da companhia no Brasil, tem mais de 30 anos de experiência profissional. Também foi vice-presidente da Schneider Electric e membro do Conselho Consultivo de Diversidade & Inclusão da empresa.

A líder é presença confirmada no 9º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, em março. Ela vai participar do fórum "Caminhos para um país mais Inovador", no dia 9, às 10h55.

A CNI bateu um papo com ela sobre processos de digitalização, tecnologia no pós-pandemia e a importância da presença feminina nas organizações. Confira!

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA -  Muito se falou sobre o fato de a pandemia ter acelerado processos de digitalização. Como você vê essa influência?

TÂNIA COSENTINO - Antes da pandemia, já havia pesquisas que mostravam que vários CEOs tinham planos de transformação digital, mas havia um temor que acabava atrasando essa jornada. A pandemia forçou um movimento em que a maioria das empresas teve que sair do mundo presencial para o mundo remoto. Muitas empresas viram seu faturamento caindo de forma brutal e o digital acabou sendo o grande habilitador nesse momento.

Como exemplo, podemos citar o “Teams”, uma ferramenta de produtividade e colaboração. No Brasil, vimos milhares de pessoas indo para o trabalho remoto e tornando isso viável. Nós conseguimos, por meio da ferramenta, habilitar o ensino remoto e a telemedicina. Além disso, a plataforma também possibilitou que as empresas tivessem uma escalabilidade e flexibilidade da sua infraestrutura de TI, permitindo que os negócios crescessem.

Foi um movimento muito abrupto, que levou muitos clientes a habilitarem funcionalidades e recursos de software da empresa, acessos ao banco de dados da empresa de forma remota. Com isso, houve a necessidade de uma série de recursos de cibersegurança. A Microssoft esteve presente em todos esses momentos. O Teams saiu de menos de 40 milhões de usuários/mês, no início da pandemia, para 270 milhões de usuários/mês no mundo.

Esse movimento digital veio para ficar, as empresas acabaram perdendo o medo do que o digital representa e capturando os benefícios. Agora, saindo desse momento de susto, podemos transformar a jornada digital. As empresas ganharam maturidade digital e estamos indo para uma conversa mais ampla de transformação do negócio e como a tecnologia vai permitir a transformação do negócio em diferentes segmentos.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Quais os desafios da inovação no pós-pandemia?

TÂNIA COSENTINO - Primeiro, aproveitar que rompemos a barreira do medo. A própria transformação cultural que a transformação digital impôs foi pela necessidade. Essa barreira cultural foi superada e o nível de maturidade das empresas aumentou. O que precisa ser feito agora é incorporar tecnologias para transformar seu negócio e esse entendimento vai trazer muita inovação.

Segundo, é preciso entender que o mundo nunca mais será o mesmo, ele não vai ser totalmente presencial e nem totalmente remoto. A gente acredita no mundo híbrido. Nós fizemos uma pesquisa com diversas empresas e com nossos colaboradores internos e verificamos que não dá para chegar a uma conclusão de qual é o mundo ideal no pós pandemia, porque metade dos respondentes querem voltar para o escritório porque querem colaborar mais e precisam se concentrar mais, e a outra metade prefere ficar em casa, porque consegue se concentrar e ser mais produtivo.

Vamos precisar criar um novo padrão de colaboração, porque o mundo presencial era aparentemente mais fácil. Aprendemos a conviver em um mundo mais virtual e agora tenho que criar o mundo híbrido, que é o que vai atender nossos colaboradores. Porque forçar 100% presencial ou 100% remoto fará com que a gente perca talentos e, num mundo de escassez de profissionais, acaba sendo um risco para o negócio. Então, para poder atender o desejo, precisamos desenvolver um mundo híbrido e isso traz desafios.


"O mundo nunca mais será o mesmo, ele não vai ser totalmente presencial e nem totalmente remoto. A gente acredita no mundo híbrido"

Esses são os grandes desafios: entender esse mundo híbrido e fazer uma leitura dos nossos diferentes públicos, mas temos que fazer de forma inclusiva e para isso será preciso investir muito na transformação cultural das empresas, além de ajudar na adoção de tecnologias. Precisa haver uma busca incessante por uma mudança de cultura, de mentalidade, de crescimento. É preciso aprender e não ter medo do desconhecido, do erro. Esse é o grande problema das organizações que não arriscam: não inovam com medo de criar ruptura no negócio e falhar.

As empresas precisam ter uma cultura de inovação, por isso sempre digo: cultura com mentalidade de crescimento, inclusiva e inovadora é um fator fundamental para sermos bem-sucedidos nesse mundo híbrido.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA -Um dos pontos que serão debatidos no Congresso de Inovação são os caminhos para que o Brasil se torne mais inovador. Na sua opinião, quais são as estratégias que o Brasil precisa adotar para isso acontecer?

TÂNIA COSENTINO -  Educação e qualificação profissional. Todas as dores do Brasil vêm de uma educação de baixo nível. Não tem como termos ganho de produtividade se não tivermos mão de obra qualificada.

O Brasil está em uma das piores posições no ranking mundial de talentos. Isso significa capacidade de formar talentos, exportar e atrair talentos para trabalhar no país. O Brasil não forma talentos suficientes e nem é um país atrativo para mão de obra externa. O Brasil valoriza muito pouco o ensino técnico, a formação do ensino médio técnico.

Falo isso porque sou egressa do ensino técnico, formada em eletrotécnica e fez toda diferença na minha vida. Abriu portas. A valorização do ensino profissional é fundamental. Outro ponto importante é a aproximação da academia com a indústria. Ter mais fomento para pesquisa e desenvolvimento. Precisamos gerar mais patentes.

Fora as políticas estruturais que o Brasil precisa fazer, nós temos o marco de inteligência artificial e o país tem que ser mais intencional na execução. Esses são os caminhos que precisamos trilhar para desenvolver o lado inovador do Brasil.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - A Microsoft tem desenvolvido um importante papel de integrar o mundo moderno e a tecnologia ao mundo real, mais especificamente ao Brasil real. Quais são os desafios e desvantagens nesse processo?

TÂNIA COSENTINO - O Brasil está parecido com o resto do mundo. A gente vê exemplos de maturidade de projetos digitais de grande porte, se comparado com empresas mundiais. Temos grandes clientes com cases de tecnologias que estão no mesmo nível de qualquer lugar do mundo. Eu atribuo isso à nuvem.

A nuvem democratiza o acesso à tecnologia. Antes, para ter acesso a super computadores, você precisava ser uma grande empresa. Pequenas e médias nunca iriam fazer parte dessa realidade. Mas, hoje, com a nuvem, qualquer empresa de qualquer tamanho pode ter acesso a uma tecnologia superior. E a gente transforma nossos negócios por meio do bom uso dos dados, os dados geram insights para conhecer seus clientes, integrar melhor a cadeia de fornecedores, investimentos, entre outros.

A nuvem disponibiliza para qualquer empresa a tecnologia, vai depender da maturidade da empresa de incorporar o seu negócio.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - A Microsoft tem muitas mulheres no comando e criou programas para fomentar o empreendedorismo feminino na área tecnológica. Por que essa é uma agenda importante?

TÂNIA COSENTINO - Como mencionei, temos um grande problema que é a falta de profissionais qualificados. Ao mesmo tempo, o Brasil tem um grande número de desempregados e emprego gera renda. A inclusão da mulher no mercado de trabalho, me refiro a todos os níveis de hierarquia organizacional de salários compatíveis ao dos homens, a entrada de negros ganhando o mesmo dentro de uma organização, faz diferença na economia do país.

Tem um estudo da Makenzie sobre diversidade e gênero que mostra um gap salarial de 30% entre a mulher e o homem. A gente reduzir esse gap seria o mesmo que introduzir um PIB de EUA e China na nossa economia.

Estamos falando de economia mundial, eu preciso de mais gente qualificado dentro do mercado de trabalho que vai gerar mais negócios, competitividade, mais renda e crescimento econômico. E quando a gente fala de falta de talentos, se a mulher é metade da população, porque ela não está presente no mundo da TI? O que nos exclui, isso não é só no mundo da TI, mas na parte da engenharia, um mundo masculino, descobrimos que as mulheres não se sentem atraídas, não entendem que tem possibilidade de crescer e fazer carreira nesse meio.

A empresa precisa olhar para esse público e fazer uma inclusão. Para a empresa inovar continuamente, para não perder relevância e desaparecer, você não vai inovar se seu grupo de desenvolvedores for um grupo de iguais, homens brancos da mesma faixa etária, que estudaram na mesma escola, que participam dos mesmos grupos sociais, que tem as mesmas ideias, ou seja, nada de transformador vai vir.

Quanto mais diversidade você tem dentro da sua empresa, maior sua capacidade de inovar, capturar sinais, atrair novos talentos por ter um local de trabalho diferenciado e aumentar a reputação da marca.

A grande pergunta é: como atrair mais mulheres para a engenharia? Como a gente começa a conversar com as jovens, como incentivar a fazer o curso tecnológico? Como colocar essas pessoas no mercado de trabalho e desenvolver a carreira delas? A Microssoft é muito intencional nesse sentido e tem feitos vários trabalhos para mostrar que mulheres podem ser ótimas em matemática, estatística, engenharia e outros.

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