Pela primeira vez a trabalho no Brasil, a lobista norte-americana Stephanie D. Vance, considerada a guru do lobby em Washington, fará uma conferência para empresários brasileiros no dia 23 de novembro em São Paulo. A convite do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) Vance se reunirá no escritório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em São Paulo com 120 representantes do setor para dividir sua experiência com o empresariado a fim de aperfeiçoar as relações com os poderes públicos. A palestra marca o lançamento do curso deRelações Governamentais na Estratégia Corporativa, a ser realizado em março e abril de 2016, também pelo IEL.
Em seus mais de 25 anos de experiência, ela esteve envolvida, por exemplo, na mudança da legislação que obrigou as companhias telefônicas a garantir a seus clientes a realização automática de ligações de celular quando eles estiverem fora da cidade de origem da linha. Autora de cinco livros sobre lobby e defesa de interesses, Stephanie já formou profissionais de entidades americanas nas áreas de saúde, transporte, educação. Passou também por países do bloco soviético e da África. Antes de chegar ao Brasil, a lobista concedeu entrevista por e-mail à Agência CNI de Notícias na qual tratou dos desafios das relações governamentais e legislativas no momento atual da política brasileira. Veja, a seguir, os principais trechos:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Sua maior experiência é trabalhando com defesa de interesses em Washington. Quando e por que você decidiu começar a ensinar sobre o tema? Em quantos países já esteve desde então?
STEPHANIE D. VANCE - Meu interesse em ensinar as pessoas a fazerem lobby é um resultado direto da minha experiência em Washington. Frequentemente, lobistas vinham ao nosso escritório sem ter a ideia a quem deveriam enviar suas mensagens de defesa de interesses. Como resultado disso, eu não conseguia saber o que, de fato, eles queriam e, em consequência disso, eu não conseguia dar a eles a melhor resposta para suas demandas. Eu identifiquei que, se as pessoas soubessem como se comunicar com seus representantes no parlamento, teriam muito mais sucesso no alcance de seus objetivos. Os formuladores de políticas – como qualquer outro grupo – darão a você melhores respostas se você falar a língua deles. Isso significa que você deve conhecer seu histórico político, perguntar a eles sobre temas específicos, contar-lhes histórias relacionadas ao tema e acompanhar seu trabalho. Se não fizer isso, não terá a atenção que deseja e, em última instância, as respostas que merece. Nesse período, tive a oportunidade de aplicar esses princípios em todos os tipos de sistemas políticos, desde países do bloco soviético até o Egito. Se é uma democracia ocidental, um país de formação comunista ou até um jovem governo, o básico sobre como influenciar é o mesmo. Meu trabalho é ajudar as pessoas a aplicá-los em sua situação específica.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que você pensa sobre as diferenças entre a democracia no Brasil e nos Estados Unidos?
VANCE - Os princípios básicos são os mesmos, mas os ambientes econômico e político são muito diferentes. Em termos de economia, o Brasil está lutando contra o aumento do desemprego e a estagnação do crescimento. Isso impacta no tipo de políticas que são implementadas, bem como em quem é eleito. Enquanto impostos, desenvolvimento econômico e salários são importantes aqui nos Estados Unidos, esses mesmos temas não ganham o mesmo grau de importância no Brasil. No ambiente político, o fato de o Brasil ter uma grande gama de partidos políticos pode tornar mais difícil encontrar consensos. Para mim, isso significa que os blocos de coalizão no Brasil são muito mais importantes do que na política americana. Além disso, parece que o Brasil está em transição para um sistema político com maior transparência e participação, o que significa que a defesa de interesses efetiva terá um papel muito maior na mudança das políticas públicas.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que os executivos brasileiros podem aprender com sua experiência?
VANCE - A maior lição é que ele já têm as habilidades para fazer lobby. O que eles precisam é apenas aprender como usá-las efetivamente. De fato, os executivos são alguns dos que fazem defesas de interesses da forma mais efetiva, eu sei. É assim porque tentar impactar uma mudança política é muito parecido como fazer uma promoção. Mas em vez de vender um produto ou serviço, você está vendendo uma ideia. Ninguém faz isso melhor que bons líderes empresariais.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Você costuma dizer que dinheiro é menos importante nas atividades de lobby. Por quê? E o que é o mais importante então?
VANCE - Identifiquei que dinheiro não desempenha um papel importante no dia a dia da grande maioria dos políticos. A primeira pergunta feita a um lobista quando ele chega a um gabinete não é “você contribuiu para minha campanha?”, mas sim “como você se conecta com as pessoas que eu represento?”. Eu creio que isso aconteça tanto em democracias como a dos Estados Unidos como em sistemas parlamentaristas. Na maior parte dos casos, os responsáveis por elaborar políticas vão ouvir quem é bem informado sobre um assunto, assim como os mais próximos às pessoas impactadas pelas decisões políticas. O papel do lobista é entregar uma mensagem em uma forma que faça sentido para quem toma decisões políticas. Além disso, a defesa de interesses pode se valer do componente financeiro do processo político, e não apenas contribuindo diretamente a campanhas do legislador. Lobistas eficazes encontrarão aqueles que já apoiam determinado político e verificarão se esses apoiadores ajudarão a passar a sua mensagem. Essa é a estratégia de encontrar os influenciadores, que pode ser muito eficiente.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O Brasil vive atualmente uma crise política, com o presidente da Câmara dos Deputados sendo denunciado no conselho de ética da Casa e a presidente Dilma como alvo de pedidos de impeachment. Como esse cenário pode modificar o trabalho de lobby? Qual o desafio para a defesa de interesses no Brasil hoje?
VANCE - Eu penso que a situação atual é, ao mesmo tempo, um desafio e uma oportunidade. Uma insurreição no processo político pode deixar desde um grande ambiente de incertezas até mudanças políticas. Mas isso também pode proporcionar aos lobistas a oportunidade de entrar e preencher espaços vazios nas políticas. Enquanto políticos e outros estão focados em ética e impeachment, lobistas podem se aproximar das decisões que realmente importam. Além disso, eu sou suficientemente otimista para acreditar que a defesa de interesse dos cidadãos pode ter impacto positivo na estrutura de qualquer governo democrático. Uma vez que as bases para "o governo do povo" tenham sido assentadas, é difícil voltar atrás.
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