Investir em inovação e adotar medidas para tornar as empresas brasileiras mais sustentáveis são duas ações necessárias para ampliar a competitividade dos produtos fabricados no Brasil, afirma Pedro Parente, presidente do Conselho de Administração da BRF.
“As empresas não têm mais que prestar contas ou gerar benefícios só para os seus acionistas; têm que gerar benefícios para diversos públicos: os acionistas, os empregados, a comunidade na qual atuam e as cadeias de fornecedores e de redistribuição”, afirma o ex-ministro do Planejamento e da Casa Civil e ex-presidente da Petrobras, da Bunge e da RBS.
Confira a entrevista para a Revista da Indústria Brasileira:
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual é a importância da indústria para a economia brasileira?
PEDRO PARENTE - A indústria tem um papel fundamental, muitas vezes como link entre as outras áreas de geração de riqueza e renda, a agricultura e a própria área de serviços. Se não houvesse indústria, o Brasil não teria também esses outros setores. Aqui, especialmente onde eu tenho me dedicado mais recentemente, na parte do agronegócio, você pega, por exemplo, uma empresa como a BRF: uma parte importante de adição de valor que a gente faz naquilo que produz é na indústria, na preparação de alimentos processados e na separação feita industrialmente de partes dos nossos produtos. A questão-chave para mim é um pouco diferente. A gente precisa se inserir, não apenas no campo da indústria mais básica, mas também no campo da indústria mais sofisticada.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E como fazer isso?
PEDRO PARENTE - Eu acho que há um extenso dever de casa, em parte da própria indústria, mas mais do que da indústria, do governo. Existe um círculo vicioso que é imposto pela existência de um quadro, de um ambiente de produção muito hostil, no qual você basicamente não mexeu com os principais elementos do Custo Brasil. Há uma burocracia muito grande para conseguir produzir e um sistema tributário altamente ineficiente e caro, que quer dizer que a carga é alta. Mas não é só problema de carga; é problema de ineficiência, especificamente quando você combina as esferas federal e estadual. Há, aí, um trabalho importante que não afeta apenas a indústria, mas todo o ambiente de negócio do Brasil, que precisa ser feito pelo governo e que ele mal começou a arranhar com a reforma tributária.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E a parte da indústria?
PEDRO PARENTE - Como a indústria não consegue também ter um quadro, um ambiente de negócios mais favorável, acaba deixando de lado alguns esforços e melhoramentos, como gastar mais dinheiro em pesquisa e inovação para que permitir que a gente volte a estar como indústria de ponta em pelo menos alguns setores. O único setor que consigo lembrar, assim de pronto, em que somos indústria de ponta, além da exploração de águas profundas, é a aeronáutica.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Por que é preciso investir mais em inovação?
PEDRO PARENTE - O ponto-chave da discussão é que você tem alguns estágios até chegar à liderança de inovação e a gente ainda não está no primeiro estágio, que é copiar bem rápido. Depois, com base nesse trabalho, é preciso começar a aprender e, daqui a pouco, começar a gerar condições de criar a própria tecnologia. Isso funcionou no Japão e na Coreia e funciona na China. O problema é esse: como não há condições estimulantes, não no sentido, digamos assim, psicológico da palavra, mas no seu sentido concreto, que dá estímulos realmente para o setor produtivo, este também se acomoda.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E como fazer para o Brasil ter indústrias mais sustentáveis? Qual é a importância disso?
PEDRO PARENTE - Nós realmente precisamos entender que é para o nosso benefício, seja do ponto de vista do próprio bem-estar proporcionado por uma ação sustentada, mas também para o nosso bem de maneira pragmática, para nos ajudar a ter, digamos assim, um atrativo adicional para a venda de produtos. A gente está fazendo o oposto disso. Agora precisamos correr atrás para reverter esse quadro.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Qual é o papel dos setores público e privado no desenvolvimento de uma economia sustentável?
PEDRO PARENTE - Há muitas coisas que dependem apenas das empresas, mas há uma imagem lá fora do que o país faz do ponto de vista ambiental, e isso depende do governo. Agora cada indústria tem um papel a fazer, pode fazer e pode fazer bem. Há um outro conceito prevalecendo agora, de que as empresas não têm mais só que prestar contas ou gerar benefícios apenas para os seus acionistas; têm que gerar benefícios para diversos públicos: os acionistas, os empregados, a comunidade na qual atuam e a cadeia de fornecedores e de redistribuição. Fundamental é lembrar da comunidade onde você atua e, nesse conceito da comunidade, certamente o sistema de meio ambiente é fundamental. Eu acho que uma coisa que as empresas podem e devem fazer é realmente se transformar em sustentáveis e procurar reduzir a sua emissão de carbono, se possível se tornando positivas em carbono, carbono neutro ou carbono positivo. Claro, vai ter algum custo, mas alguém tem que começar.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Como o governo poderia atuar já?
PEDRO PARENTE - O papel do governo é, ao meu modo de ver, criar um bom ambiente, com condições propícias para os negócios. Isso passa por redução do Custo Brasil e redução da burocracia. Tem muita coisa aí que é de natureza microeconômica, que não precisa de mudanças constitucionais e mudança de postura dos órgãos fiscalizadores ou reguladores, deixando de olhar todo empresário, empreendedor e executivo como alguém que só tem um objetivo: espoliar o governo, seus consumidores ou seus clientes. O governo precisa, de fato, mostrar o quanto é o setor produtivo é relevante, porque é ele que gera emprego, renda e riqueza. O governo apenas redistribui e, no nosso caso, redistribui mal.
REVISTA INDÚSTRIA BRASILEIRA - E as empresas?
PEDRO PARENTE - No caso do setor privado, claro que quanto mais positivo for esse ambiente que o governo criar, melhor, mas ele não pode ficar esperando por isso. Tem que cuidar, em primeiro lugar, de buscar inovação; em segundo lugar, de olhar os temas ambientais e o atendimento aos interesses das demais partes envolvidas; e se organizar. Isso deve ser feito de maneira que se possa levar uma agenda mais adequada, mais moderna e efetiva, com a persistência e a pressão necessárias para que as coisas possam acontecer.
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