CNI defende regulamentação da Lei Anticorrupção e mecanismo para proteger denunciantes

Pablo Cesário afirma que a corrupção prejudica não somente o poder público, mas em grande escala o setor produtivo

"A regulamentação precisa distinguir as empresas que fazem de tudo para monitorar, prevenir e denunciar a corrupção daquelas que não fazem. E que elas sejam, portanto, incentivadas a fazer isso"

Em vigor há exato um ano, a Lei Anticorrupção significou avanço em direção à integridade para o Brasil. No entanto, a legislação ainda carece de uma regulamentação para que sua aplicação se torne viável. Em entrevista à Agência CNI de Notícias, o gerente executivo de Relacionamento com o Poder Executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Pablo Cesário, afirma que a corrupção prejudica não somente o poder público, mas em grande escala o setor produtivo. Ele alerta que tal prática resulta em perda de competitividade para a indústria. Cesário defende mudanças no texto da lei para que as empresas tenham garantias para denunciar situações de achaque sem o risco de represália. Leia a entrevista:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual a sua avaliação sobre a Lei Anticorrupção? Acredita que ela seja um instrumento para combater a corrupção no país?

Pablo Cesário – A Lei 12.846/2014, que prefiro chamar de lei da integridade, faz com que as os sócios, diretores e executivos das empresas se tornem corresponsáveis na prevenção, monitoramento e denúncia de corrupção. Em grande medida, a lei nos coloca no padrão internacional e tem o potencial para tornar o mercado mais íntegro.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Mas a lei ainda precisa ser regulamentada... 

Pablo Cesário – Sim. Em linhas gerais, a lei é boa, mas é preciso haver mudanças, pois tem algumas falhas que precisam ser solucionadas para garantir que ela funcione. É imprescindível que a lei seja regulamentada. O pior cenário que pode se esperar é se a lei não se tornar efetiva, aí sim teremos um quadro muito grave.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais as sugestões da CNI?

Pablo Cesário – O principal é que a regulamentação faça uma distinção clara das empresas que fazem de tudo para monitorar, prevenir e denunciar a corrupção daquelas que não fazem. E que elas sejam, portanto, incentivadas a fazer isso. Haverá, porém, a necessidade de uma lei adicional, pois a atual pressupõe que é sempre o ator privado que alicia quem está no Estado. Isso, infelizmente, acontece, mas tem um outro lado que não está previsto na lei, que é o achaque, quando um agente do Estado utiliza o poder que ele tem para extorquir empresas e pessoas. E isso também é muito comum. Portanto, avalio que seja preciso criar um mecanismo para proteger a sociedade civil – empresas, cidadãos e organizações – desse uso indevido da força do Estado. Precisamos também de um canal de denúncias que realmente preserve a pessoa, para evitar que haja retaliação. Por fim, é preciso haver uma distinção no tratamento das pequenas e médias empresas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Por quê?

Pablo Cesário – Porque elas não têm capacidade institucional. Muitas vezes são empresas familiares. Elas também estão debaixo desta lei, embora não seja razoável que atendam os mesmos critérios de uma grande empresa. Não se pode esperar que tenham um gerente ou um diretor responsável por integridade. Isso é uma ideia alienígena, é preciso haver um equilíbrio.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A corrupção atrapalha a indústria no Brasil?

Pablo Cesário – A corrupção atrapalha todo o sistema produtivo de um país. Faz com que recursos que deveriam ser utilizados para investimentos ou para o consumo das pessoas sejam desviados de sua finalidade, gera distorções e torna a sociedade menos produtiva. Para as empresas, a corrupção é um custo. Já se passou aquela época em que se achava que era uma maneira de facilitar. A prática e a teoria apontam o contrário. Havia uma teoria na década de 1970 que dizia que a corrupção seria uma maneira de azeitar a engrenagem do serviço público. Essa tese está absolutamente ultrapassada e o setor empresarial não trabalha com esta visão.

Estudos mostram que empresas envolvidas em corrupção têm produtividade, em média, 20% menor por trabalhador. Na economia como um todo, as empresas que trabalham em ambientes corruptos são 70% menos eficientes que aquelas onde virtualmente não há corrupção. Portanto, do ponto de vista da empresa, a corrupção é um custo, não promove a competitividade e interfere na prestação de serviços públicos, como segurança e infraestrutura.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A CNI tem atuado para propagar a importância de as empresas terem programas de integridade?

Pablo Cesário – A CNI e as federações da indústria de todo o país têm feito sistematicamente uma divulgação da lei e das novas responsabilidades que vão recair sobre os empresários. E vamos fazer mais ainda. Assim que vier a regulamentação, vamos criar cartilhas e mecanismos para que isso chegue a todas as 700 mil empresas industriais que temos no país. E mais: a CNI vai se dedicar também a criar novas propostas, tanto para melhorar esta lei quanto para a implementação de mecanismos que incentivem aqueles que têm uma conduta íntegra nos negócios.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Há alguma garantia para que o denunciante seja protegido pelo Estado contra possíveis achaques?

Pablo Cesário – Hoje em dia, o Estado possui mecanismos que acreditamos ser insuficientes. Um exemplo: se a empresa regulada denuncia um fiscal que está achacando a empresa, como saber que não vai ser retaliada depois? Quais mecanismos institucionais existem para garantir que esta empresa não será perseguida depois? A princípio, a empresa não sabe o tamanho da organização criminosa que está do outro lado e, portanto, tem medo porque é regulada. Isso tem que ser levado em conta, porque de outro modo ela não vai ter incentivos a denunciar. Outra questão são os acordos com a administração. Eles têm que prever redução ou até isenção das penas, à medida que a empresa fez o que lhe cabia: preveniu, monitorou e denunciou.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Hoje a lei não prevê possibilidade de redução das penas?

Pablo Cesário – A lei prevê apenas o acordo de leniência, mas o mecanismo está longe do que é a melhor prática no mundo. Ele precisa ser estruturalmente alterado para que seja utilizado. Hoje, ele não transmite a segurança necessária para se tomar uma ação de alto risco que é a de denunciar um achaque. 

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