Cortar investimentos em inovação é dar tiro no pé, diz professor da INSEAD

Felipe Monteiro, especialista em inovação aberta global, fala ainda que, entre os principais desafios do Brasil, está a mensuração de resultados em inovação

Em momentos de crise, cortar investimentos em inovação é dar um tiro no pé, afirma o professor da escola de negócios INSEAD Felipe Monteiro, especialista em inovação aberta global. Segundo ele, no curto prazo, essa estratégia pode fazer sentido, mas no longo prazo, a empresa perde fôlego. “Ao fazer isso, a empresa fica menos competitiva e com cada vez menos condições de competir”, destaca.

Monteiro, que está entre os palestrantes do 7º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, que ocorre nos dias 27 e 28 de junho, em São Paulo, ressalta em entrevista à Agência CNI de Notícias que as empresas que não inovam acabam limitando a competição a preços e não qualidade. “Assim, está-se fadado a competir por margens cada vez menores, o que só vai aumentar a crise.”

Ele explica que, entre os desafios para o Brasil avançar na agenda de inovação, está a criação de métricas que contabilizem os ganhos com a inovação. “Enfatiza-se muito no que pode ser feito para estimular a inovação e, talvez, tenhamos perdido o foco em mensurar resultados”, critica Monteiro. Confira a entrevista.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O senhor defende que o processo de internacionalização de negócios contribui para estimular a inovação. Como isso ocorre? 

FELIPE MONTEIRO - Essa relação entre inovação e internacionalização é algo bem estabelecido em pesquisas e a melhor forma de apresentar isso é pela diferença entre um círculo virtuoso versus um círculo vicioso. Qual o círculo virtuoso nessa relação? Ao se exportar ou operar internacionalmente, os clientes ao redor do mundo vão exigir mais, pois estão olhando para o seu produto e o de outros competidores em outras partes do mundo. Eles forçam as empresas a inovar. Além disso, ao olhar para fora, a empresa tem acesso a melhores práticas e inovações que estão ocorrendo em outras partes do mundo. De alguma maneira, isso força a empresa a ser cada vez melhor. A consequência disso é que, inovando mais, a empresa acaba sendo mais competitiva no exterior e abrindo novos mercados. 

Já o ciclo vicioso ocorre quando a empresa se volta para o mercado interno e não recebe a pressão dos clientes ao redor do mundo. A empresa pode estar contente no mercado local, onde não precisa inovar tanto, mas isso torna mais difícil de se ir para fora, o que faz com que se volte cada vez mais para o mercado interno. Esse mecanismo reforça uma espiral negativa. Ir para fora é o que vai permitir à empresa estar na fronteira do conhecimento, atender às demandas dos clientes cada vez mais à frente e, de alguma maneira, ser mais competitiva no mercado interno também.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Em seis anos, o Brasil perdeu 22 posições no Índice Global de Inovação. Qual o principal motivo dessa forte queda do país no ranking? 

FELIPE MONTEIRO - São dois motivos principais. Um deles é que estamos muito mal dentro do pilar “instituições”, que envolve questões como facilidade de fazer negócios, abrir empresas e pagar impostos no Brasil. Por exemplo, em relação à facilidade de negócios, o Brasil está entre os piores países do mundo. É um problema que está ruim há muito tempo, tem piorado e precisa ser tratado. O segundo motivo é o desempenho ruim do Brasil em relação a “produtos de inovação”. O Brasil melhorou ao longo do tempo em termos de insumos de inovação, mas ele não conseguiu transformar esses insumos em produtos de inovação.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O que implica essa lacuna entre insumos e produtos de inovação e quais as causas desse problema?

FELIPE MONTEIRO - Além de o Brasil ter perdido diversas posições no ranking, o que é mais preocupante é o quanto o país vem perdendo em relação ao índice de eficiência em inovação. Isso significa que está se investindo mais em insumos de inovação, sem ser capaz de transformá-los em produtos de inovação. Então, há três hipóteses para isso estar ocorrendo. A primeira é que o Brasil está investindo em insumos de inovação e ainda não deu tempo de o processo maturar. No entanto, acredito que essa possibilidade não é predominante. Na minha avaliação, o principal problema é que não adianta investir em inovação em um macroambiente desfavorável. Investe-se em insumos, mas eles estão sendo diluídos na ineficiência do ambiente econômico em geral. Pode-se até ter leis específicas para a inovação, mas se essas leis estão inseridas em um contexto em que é tão difícil fazer negócios e em que se tem de gastar muito com o Custo Brasil, os esforços acabam se diluindo. O segundo ponto, que está conectado com essa questão, é que se tem enfatizado muito no que pode ser feito para estimular a inovação e, talvez, perdido o foco em mensurar os resultados. Mensurar não o que você está colocando como insumo, mas o que está vindo como produto.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais os potenciais do Brasil para alavancar a inovação? Em que áreas e setores apostar?

FELIPE MONTEIRO - Primeiro, é preciso pensar em economia do futuro e não em economia do passado. Cada vez mais temos de pensar em uma economia que será transformada pela revolução digital. Então, há várias áreas, como biotecnologia e agribusiness, que podem avançar. Se pensar em agribusiness, podemos ver o quanto é possível sofisticá-lo com avanços em biotecnologia e nanotecnologia. O Brasil também tem feito vários investimentos em insumos de inovação. Quando se olha, por exemplo, a questão da tecnologia da informação com a internet, percebe-se que o Brasil melhorou bastante. O Brasil é um mercado sofisticado. Se você olhar no Global Innovation Index, temos vários indicadores de sofisticação de mercados e o Brasil está muito bem, pois é um mercado enorme, com muitos investidores. Se pensar globalmente, nenhum competidor sério pode deixar de considerar o Brasil como um mercado.

Mas o ponto mais importante é que é muito difícil fazer avanços desconectado do mundo. Algo fundamental nesse sentido é fazer com que o sistema de inovação brasileiro esteja inserido no sistema de inovação global. Algumas empresas já fazem isso, mas é importante que esse debate seja claro, respondendo às seguintes questões: qual é o papel do Brasil nas cadeias de valor mundiais? Como é que pesquisadores e empresas brasileiras colaboram com empresas no exterior? Como encara a inovação aberta?

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como vê o papel da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), coordenado pela CNI, nesse processo de inserir a inovação na estratégia dos negócios?

FELIPE MONTEIRO - No Brasil, por ser um país muito grande, com uma variedade enorme de setores, de empresas e de realidades geográficas diferentes, a MEI contribui muito no papel de coordenação do processo de criação de um sistema de inovação no país. Colocar ao redor da mesma mesa o setor privado e o setor público é fundamental para alcançar mais resultados. Melhor ainda é que essa coordenação é encabeçada pelos próprios empresários e vem de um movimento orgânico, não de burocracia e de órgãos de governo. No Global Innovation Index, um dos pontos fortes do Brasil é o nível de sofisticação empresarial.

Outro ponto claro na MEI é a mensuração de resultados. A aferição e o acompanhamento de resultados e a continuidade no processo é muito importante na criação de um ambiente favorável à inovação. Essa lacuna entre insumos e produtos de inovação pode ter como causa iniciativas isoladas que acabam se perdendo. Alguém começa alguma coisa e depois vem outro governo e outra política e não há continuidade nas ações. Essa estabilidade da MEI na coordenação e acompanhamento das diversas iniciativas ao longo do tempo e na mensuração resultados é importantíssima.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O Brasil é o pior colocado no ranking em relação aos emergentes e aos BRICS. O que os demais países do BRICS fazem que os tornam mais inovadores que o Brasil?

FELIPE MONTEIRO - Claramente a China está muito à frente, pois já vem fazendo investimentos em inovação há muito tempo, com escala e internacionalização da economia. Também investe fortemente em educação e pesquisa há muito tempo. Isso mostra que na China há uma forte coordenação das iniciativas, com mensuração muito clara de resultados e estabilidade. No entanto, se olhar os demais BRICS, eles não estão tão à frente do Brasil. Eles também estão na busca de melhorar o desempenho. Mas, apesar dos desafios, acredito que o Brasil tem todas as condições de melhorar significativamente seu desempenho. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual a importância e como estimular a inovação em tempos de crise?

FELIPE MONTEIRO - É preciso perceber que, se não inova, a sua competição será sempre por preço e não por qualidade. Além disso, você está fadado a competir por margens cada vez menores, o que só vai aumentar a crise. Outro ponto é pensar que inovação não precisa necessariamente de investimentos vultosos ou de produtos cada vez mais sofisticados. Muitas vezes as inovações surgem em modelos de negócios, em processos, em mais eficiência e em ser capaz de fazer melhor o que se vinha fazendo antes. A crise abre oportunidades, pois há uma tendência de fazer o mesmo sempre e estar confortável por não ter pressão. Vemos ao redor do mundo que, em ambientes extremamente difíceis, surgem grandes inovações porque as empresas têm de responder a essas dificuldades.

Certamente a crise dificulta por um lado, pois torna os recursos mais escassos, mas, por outro, ela nos lembra da importância da inovação justamente para não entrar em uma crise maior por estar competindo por cada centavo em margens de preços. Uma coisa que o Global Innovation Index não captura, mas que devemos considerar no Brasil, são as inovações surgindo de pequenas empresas, de novos modelos de negócios. A MEI traz à luz várias excelentes iniciativas e estimula empresas a inovar ao fazê-las entender que, muitas vezes, inovação não é apenas o que é concebido na NASA ou na Apple. Inovação são várias pequenas empresas fazendo cada vez melhor, tendo modelos de negócios diferentes. É isso que faz toda a diferença.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como avalia eventos como o Congresso Brasileiro de Inovação, que traz especialistas internacionais de renome na área para tratar do tema com empresários brasileiros?

FELIPE MONTEIRO - É importantíssimo por pelo menos três coisas que estão acontecendo: você está aberto a entender o que está ocorrendo ao redor do mundo.  Há essa troca de experiências e a comparação do Brasil em relação a outros países. É muito fácil para o Brasil, por ter dimensões continentais, acabar focando no mercado interno. Essa visão de olhar para dentro é uma visão de muito curto prazo porque o mundo está globalizado, mesmo com ondas de protecionismo aqui e acolá.

As grandes empresas multinacionais estão no Brasil e, por isso, não tem como estar fora desse diálogo global sobre o que está acontecendo em termos de inovação. Ao redor do mundo, estão todos preocupados com o que vai ocorrer com a revolução digital, o que significa a indústria 4.0, que tipos de talentos e treinamentos a gente precisa para isso. Afinal, inovação não é um cientista isolado tendo uma ideia brilhante, mas é todo um ecossistema, é todo um networking. Por isso,  iniciativas como o Congresso Brasileiro de Inovação são importantes para que se crie, de fato, esse networking de empresas e pesquisadores, se estimule a aproximação do setor privado com o setor público e com a academia para que essa rede funcione para criar um ambiente favorável à inovação. Se você olhar bem, essas coisas estão todas conectadas e não é por acaso.

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