Única forma de avançar em saneamento básico é com participação do setor privado

Presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos diz que aprovação de MP do Saneamento é essencial para que Brasil possa atender os 95 milhões de brasileiros que não têm serviços de água e esgoto

Metade da população brasileira ainda não conta com os serviços básicos de água e esgoto. Para destravar investimentos estimados em R$ 400 bilhões, necessários para que o Brasil universalize o saneamento básico, a participação do setor privado será fundamental. “A única forma de a gente avançar mais rápido é entrando com recursos do setor privado”, afirma o presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.

Formada por empresas com atuação em saneamento básico, o Trata Brasil tem chamado atenção para a importância de o Congresso Nacional aprovar a Medida Provisória 868, que moderniza o marco regulatório do setor. Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Édison Carlos destacou que a medida é essencial para ampliar os investimentos para que o Brasil saia do século 19 em termos de atendimento à população em serviços de água e esgoto.

“É mais segurança de que (a população) vai ter o básico do básico do básico”, resume. Ele rebate críticas feitas contra a MP de que a delegação dos serviços à iniciativa privada – que já é uma realidade em mais de 200 municípios brasileiros – vá representar aumento significativo de tarifas ou o abandono dos municípios de menor porte, que não atrairiam interesse de investidores. “Quem define a tarifa é a agenda reguladora. A definição final é técnica”, argumenta.

Ele também explica que a possibilidade de formação de blocos, organizados pelo estado, permitirá que se reúnam municípios mais e menos rentáveis, e que este é um modelo inteligente e viável para a atração de investimentos privados. Édison Carlos cita como exemplo a região metropolitana do Recife, onde uma parceria público-privada leva infraestrutura a 15 cidades, atendendo 4,8 milhões de pessoas.

"Nesse formato da regionalização, quem forma os blocos é o estado. Não fica na mão do setor privado escolher o que ele quer. Isso passa pelo estado e pelos municípios"

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual a importância de aprovar a atualização do marco regulatório do saneamento básico?

ÉDISON CARLOS - A Lei nº 11.445 tem 11 anos de existência e a gente viu que, apesar de ela ter sido muito importante para trazer alguma segurança jurídica para os investimentos – seja o público ou o privado -, sozinha não conseguiu proporcionar a velocidade que o saneamento necessita. Então estava claro que a lei precisava de alguma atualização, de uma modernização. O governo Temer fez dois anos de reuniões com todas as entidades envolvidas, com grandes empresas e operadoras para poder verificar o que poderia ser melhorado na lei de forma que o saneamento avançasse mais rápido, entre elas formas de o setor privado poder atuar mais fortemente.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E por que é necessária a participação maior do setor privado no setor?

ÉDISON CARLOS - Nós temos um déficit de metade do Brasil ainda para atender, sem falar na necessidade de melhorar as redes muito antigas. Se a gente falar só de brasileiros que ainda não têm saneamento, são mais de R$ 400 bilhões. É um número impossível de pensar só no setor público. Não há dinheiro, nesse momento de aperto fiscal em municípios, estados nem governo federal. A única forma de a gente avançar mais rápido é entrando com recursos do setor privado, com melhoria da gestão, produtividade e tecnologias que são coisas típicas que o setor privado aporta muito bem. Precisamos de muito mais recursos e parcerias com o setor privado.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como as mudanças previstas na MP do Saneamento pode cumprir a missão de ampliar o investimento?

ÉDISON CARLOS - No relatório do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), ele tenta explorar um pouco do que o próprio BNDES estava tentando através das PPIs (Programa de Parcerias para Investimentos). Ou seja, de fazer parcerias com o setor privado para ganhar escala junto com empresas estaduais num trabalho conjunto em vários municípios. Essa proposta de regionalizar, e de um estado escolher blocos de municípios mais rentáveis e menos rentáveis, isso dá aquela escala que a gente fala há tanto tempo e que já vem sendo aplicado em algumas PPPs, como é o caso da região metropolitana do Recife. Isso ajudaria a atacar municípios grandes e pequenos, sempre com o ok do estado, que é o que a área pública reivindicava para o modelo. Essa forma seria importante para dar mais velocidade e escala aos projetos e é positivo para o Brasil sair mais rápido dessa situação deficitária tão grave.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E quanto à crítica de que as empresas só se interessariam por municípios maiores, mais rentáveis, deixando os demais sem interessados?

ÉDISON CARLOS - Nesse formato da regionalização, quem forma os blocos é o estado. Não fica na mão do setor privado escolher o que ele quer. Isso passa pelo estado e pelos municípios. Acaba com a história do “filé” e do “osso”. Os municípios poderão ser organizados dentro de uma bacia, por exemplo, dentro de uma lógica hídrica. E com a titularidade do município sendo reforçado, como está na MP, qualquer decisão que seja tomada passa pelo município. Se não quiser, fica de fora do bloco. A última palavra é do município, então não procede a reclamação de que não serão ouvidos.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Houve aumentos sensíveis de tarifas nos municípios brasileiros que já decidiram delegar os serviços de saneamento à empresas privadas?

ÉDISON CARLOS - Eu já vi a apresentação da Abcon mostrando que a diferença é irrisória e sempre justificada pela agência reguladora. Esse é o ponto: quem define a tarifa? É a agência reguladora. Todo lugar que tem o privado, tem uma agência reguladora. Lógico que ela ouve a reivindicação da empresa, que ouve também a empresa pública, como é o caso da Sabesp, em São Paulo. Mas quem define o reajuste é a agência. A definição final é técnica, tomada por um órgão independente, em que são avaliados os investimentos, como amortizá-los, qual é a capacidade de pagamento do cidadão. Não o que a empresa quer.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como o modelo proposto pela MP, de tratar os contratos em saneamento como concessões públicas, pode dar previsibilidade ao cidadão?

ÉDISON CARLOS - O saneamento é uma questão de longo prazo. Quando se tem um contrato bem feito, com metas claras – o que tem de ter, independentemente de ser público ou privado – se sabe o que o poder público terá de cobrar. O contrato dá previsibilidade para que o investimento seja pago dentro das condições daquele município.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O setor privado hoje está pronto para ser um ator mais presente no setor, uma vez que a MP seja aprovada?

ÉDISON CARLOS - Todos os grandes atores nacionais têm condições de captar recursos muito rapidamente porque têm base sólida financeira. Não têm limitação de pegar recursos, pelo menos no curto prazo. E independentemente do parque de empresas nacionais, existe uma grande procura de empresas internacionais interessadas em vir para o Brasil para aplicar recursos em saneamento. O que não existe é segurança para esses grupos virem. Então, o setor privado, não só o que já existe no Brasil, mas potenciais entrantes, viriam com uma eventual aprovação da MP.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - E o que ganha a população?

ÉDISON CARLOS - Ganha mais segurança de que vai ter o básico do básico do básico. Falo sempre que estamos entre as dez maiores economias do mundo. Exportamos aviões, tecnologia agrícola, mas somos uma potência com um pé no século 19, quando falamos de saneamento. Precisamos passar pelo século 20 e depois para o século 21 e isso envolve, necessariamente, a melhoria de vida das pessoas. O saneamento, comprovadamente, melhora a vida em vários aspectos e também financeiramente os municípios, com a redução aos custos em saúde, educação, empregos, inerentes à falta de saneamento. É um ganho, não só para a vida do cidadão, mas para o próprio estado de forma geral.

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